Quando um apartamento em Lisboa é
tão caro ou mais que em Londres chegámos ao momento de fazer com a habitação o
que se fez com o pão: tabelar, contra a especulação.
Fernanda Câncio | Diário de Notícias
| opinião
Um apartamento na área 2 de
Londres (não exatamente no centro, nas central), num edifício com piscina, por
1600 euros. Uma casa espaçosa na mesma zona por 1500 euros. São as rendas de
apartamentos onde, até 2018 e 2017, viviam emigrantes portugueses entrevistados para a edição de hoje do
DN.
São preços altos, sem dúvida.
Mas, incrivelmente, iguais ou inferiores aos de Lisboa. Basta dar uma volta
pelos sites imobiliários para o constatar. Ou falar com quem ande à procura de
casa. Uma amiga entregue a esse martírio contou-me que tem visto tugúrios por
1800 euros (para além de ter tropeçado num anúncio em que "só aceitavam
famílias tradicionais", história contada pelo DN esta semana); outra, dona de um
apartamento médio no Bairro Alto, alugou-o por uns incríveis 2200 euros por
mês.
Não é preciso ser um cientista
nuclear para perceber que estamos ante um drama (nem me incomodarei a
explicá-lo a quem acha que isto é "a lei do mercado e não tem problema
nenhum"). E que há pelo menos dois anos, quando começou a ser óbvio que os
preços estavam a subir de forma imparável, se deveria ter começado a contrariar
a tendência.
Sucede que, num país que vinha de
uma recessão, quer o governo quer a autarquia receberam com alegria a
injeção de "investimento" estrangeiro no imobiliário. E deixaram
andar - ou melhor, incentivaram, vendendo vistos de residência a quem compre
imóveis de mais de meio milhão e oferecendo descontos nos impostos a residentes
estrangeiros (e continuam a fazê-lo, quando noutros países já se proíbe a venda
a estrangeiros não residentes). É só quando estamos para lá do ponto de rutura
que surgem as primeiras medidas com o alegado objetivo de enfrentar o problema:
a lei que cria instrumentos para a restrição do alojamento local, já aprovada
mas ainda não em vigor; os anúncios por parte da Câmara de reabilitação de
imóveis para o mercado de renda controlada; o "pacote para a
habitação" que deverá ser discutido e votado no regresso do parlamento.
Fernando Medina, em entrevista
ontem ao Expresso (na qual anuncia uma ótima proposta para os transportes
coletivos da capital), anunciou mais uma medida: a CML alugará apartamentos
a privados para os subalugar, funcionando como garantia/seguro ante os
privados. A não ser que se ache que os proprietários vão pedir um valor muito
inferior ao de mercado por terem a segurança de um intermediário institucional,
isso resolve o quê? Como as contidas no dito "pacote legislativo", é
mais uma ideia solta que não ataca a raiz do problema.
Na Alemanha, essa Venezuela da Europa, há uma lei que criminaliza as rendas consideradas especulativas e um teto percentual (20%) para o aumento das rendas quer na renovação quer nos novos contratos.
Porque o problema é o preço. E
não se resolve com propostas do dito "pacote" como a que prevê que
quando o inquilino tenha 65 ou mais anos e grau de deficiência superior a 60% o
contrato passe a vitalício (o que, além de torção inaceitável no princípio
constitucional da segurança jurídica -- que direito tem o Estado de intervir
assim em contratos livremente celebrados? -, vai penalizar apenas proprietários
que se mantiveram no mercado de arrendamento de longa duração e, claro, deixa
sem resposta a esmagadora maioria das pessoas). Ou com o regresso do prazo
mínimo de cinco anos para arrendamentos habitacionais: de que serve um contrato
mais longo se o preço for impraticável?
Se o problema é o preço, tem de
se intervir aí. E não se venha com a conversa do "comunismo": na
Alemanha, essa Venezuela da Europa, há uma lei que criminaliza as rendas
consideradas especulativas e um teto percentual (20%) para o aumento das rendas
quer na renovação quer nos novos contratos; na Holanda há preços tabelados numa
parte do parque habitacional.
Aliás, o Estado português já
intervém, e duramente, nos preços quando mantém rendas congeladas para
contratos de arrendamento anteriores a 1990 e quando procura atrair
estrangeiros para o mercado imobiliário - ou seja, de forma parcelar, ineficaz
e contraditória. Na situação a que chegámos, após décadas de ausência do
Estado na oferta de habitação e quando a construção/reabilitação pública levará
anos, tabelar preços, quer no arrendamento quer na venda (porque intervir só no
primeiro desviará os imóveis para a segunda), é a única solução. Tal como em
tempos se tabelou o preço do pão por ser considerado alimento essencial (e hoje
se "tabela" a percentagem de sal no mesmo), tal como se regula o
preço da eletricidade e da água, assumamos de uma vez o direito constitucional
à habitação e o papel do Estado na regulação - mas eficaz e não abstrusa --
desse mercado. Chega desta loucura.
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