domingo, 2 de setembro de 2018

São Tomé | Necessidade de Revisão Constitucional

Hilário Garrido* | opinião | Téla Nón

Pensando seriamente no nosso querido país, retomo a matéria que escrevi no I Volume do meu livro “REFLEXÕES JURÍDICAS – DIEITO E POLITICA, na pág.126, porque penso que ninguém ousa dizer que a nossa Constituição não precisa de ser revista. Só pelo tempo da última revisão e pela natureza transitória que tem como já afirmara, por força de algumas normas.

Com a frontalidade que me é caraterística já critiquei grandemente a nossa Constituição. Disse que ela contém muitas incongruências, imperfeições e deficiências e cheguei a nominá-las.

Urge revermos a nossa Constituição. Está feia, eu diria, de cima para baixo. Nem quero referir-me aos pontos nevrálgicos de que ela enferma porque agora estou apenas a fazer um alerta sério para se cuidar da sua finura e estética.

E os partidos que vierem a protagonizar a próxima legislatura (digo partidos porque nenhum partido só consegue rever uma Constituição (embora tudo seja possível fazer-se nesta terra).

Porque não é normal numa democracia um só partido conseguir uma maioria qualificada (2/3) nas legislativas. O normal é maioria absoluta. E mesmo com essa maioria, numa sociedade democrática, a humildade, a ética e a moral políticas impõem que um partido que consiga atingir essa votação concerte com outro ou outros não só para a revisão, mas também para outras grandes decisões sobre a vida do Estado. E isso é de uma virtude sublime que esse partido encontre consenso com outro ou outros partidos; pelo menos com mais um partido, como acontece em democracia avançadas e como conheço até em Cabo Verde e Portugal, em que só o MpD não revê a Constituição sem o PAICV, nem o PSD sem o PS ou vice-versa. Direi mesmo que naquelas paragens mesmo que o Diabo permita que haja 2/3, os valores a que referi acima obrigam-nos a um entendimento.

Repiso: em verdadeiras democracias, nunca um só partido consegue uma maioria qualificada. Maioria absoluta é dificílimo hoje em dia em qualquer parte de mundo! Nem quero me lembrar do que se passa em “algumas Áfricas”, onde se alteram as Constituições para que uma pessoa force um terceiro mandato, quando está limitada a apenas dois. E não têm dignidade, nem nacional muito menos internacional quando os partidos crónicos do poder chegam a ter, como nas presidenciais mais de 90% de votos. “Ça n’exite pas!“.

Neste raciocínio de consenso que é uma das maiores virtudes na tomada das grandes decisões da vida de um país, das questões estruturantes, tanto da organização e funcionamento como institucional, ou seja, na criação, existências, organização e funcionamento das grandes instituições de um país, mesmo quando um partido ganha com maioria absoluta, coligado ou não, com acordos pós-eleitorais para uma sustentabilidade parlamentar, devem procurar consenso com outro ou outros partidos.

Nos países onde existem governos de maioria absoluta, os partidos são obrigados não só pela Constituição como pela ética politica e dignidade da vida do Estado a encontrar consenso para avançarem com grandes questões.

Dou apenas um exemplo de como se faz naqueles dois países, em que em Cabo Verde nas nomeações dos Juízes Conselheiros, do Provedor de Justiça (que está agora em reflexão) e tal como se faz “mutatis mutandis” em Portugal. Naquelas paragens é obrigatório o PSD e o PS, se entenderem para que se tome essas grandes decisões, a semelhança do que acontece em Cabo Verde com os partidos MpD e PAICV. Quanto maior for o leque de entendimento, melhor.

Mas em democracia, há limites para nessa busca entendimento, pois um desses limites não escritos, mas que captei no Direito Comunitário (CEE ou EU), é o unanimismo é um entrave ao desenvolvimento e para a tomada das grandes decisões e de se avançar, porque gera sempre conflitos insanáveis. Aliás, a regra de ouro em democracia é a da maioria, dentro dos parâmetros da normalidade e sobretudo das constituições.

O que importa é a maioria superior à absoluta, como aliás, é o exemplo na aprovação de revisão constitucional que é de 2/3 e em Portugal, determinadas leis só são aprovadas com esta maioria qualificada, nomeadamente as leis orgânicas que são a categoria de leis de valor reforçado, um conceito que só vi escrito na parte da competência do nosso Tribunal Constitucional (na Constituição!) e sobre qual escrevi um tema (“LEIS DE VALOR REFORÇADO”).

Com toda a modéstia, nunca vi escrito isso em parte alguma no nosso país, senão no meu livro em que tentei lançar o mote para que pelo menos a comunidade jurídica ou até legislativa pensasse nessa figura jurídica.

A revisão constitucional que advogo, como já advoguei, muito criticamente, e que está a pecar por demasiadamente tardio (desde 2003 que se fez a última revisão e com quase “recomendações” para que seguisse uma outra revisão para repor as “coisas” no lugar – vide os artigos 81.º e 80.º na parte transitória que paradoxalmente têm epígrafes diferentes e que consagram mesmos poderes do PR quanto a dissolução da AN, numa atípica ideia de que o 80.º deixaria de vigorar com a eleição do PR seguinte). Eis uma das “transitoriedades” sem falar do Tribunal Constitucional que, esse então, foi consagrado literalmente como transitório na parte em que funcionava na “veste” e que se impunha a criação de um novo “de raiz” sem turbulência mas que chegou a ocorrer e que escuso abordar.

Na minha advocacia de revisão premente da Constituição defendi que já que se “estaria com a mão na massa” e devia-se fazer uma revisão global e não apenas de toilete, como até se podia fazer, porque também necessita de corrigir as incongruências e deficiência, inclusive as de sistematização, como também já escrevi.

Estou tão ansioso que haja uma revisão constitucional mas que não podendo ser global que também tocasse nos poderes dos três órgãos políticos de soberania, que são o PR, a AN e o Governo (os únicos, porque os tribunais não devem se meter na politica) e que pode até implicar um roçar no sistema do governo para semipresidencialismo de pendor mais presidencialista, mais parlamentar, ou até mesmo transformar, isso sim, que seria a fundo e estruturantíssimo como defendo, para o presidencialismo, como vem escrito naquele meu tema “NECESSIDADE DE REVISÃO CONSTITUCIONAL”.

As minhas razões e fundamentos constam ali. Mas não se limitam a esses.

SOU! SOU SIM DEFENSOR DE UM SISTEMA PRESIDENCIALISTA PARA STP POR TRÊS ARGUMENTOS QUE REPUTO ESSENCIAIS: PEQUENEZ DO PAÍS QUE NÃO NECESSITA DE TANTA ESTRUTTURA PARA A SUA GOVERNAÇÃO; A CULTURA QUE SEMPRE TIVEMOS DESDE O PERÍODO COLONIAL, PASSANDO PELO SISTEMA DE PARTIDO ÚNICO (I REPÚBLICA) EM QUE SEMPRE HOUVE UMA PESSOA COM FORTE PODER E CONSEQUENTE DIMINUIÇÃO DE DESPESAS PARA O ESTADO COM AS DUAS PESADAS ESTRUTURAS QUE SÃO O GOVERNO E A PRESIDÊNCIA. OU SEJA, COM O PRESIENCIALISMO SÓ PASSARIA A HAVER PRESIDENTE DA REPÚBLICA COM DUPLO PODER DE CHEFE DE ESTADO E CHEFE DE GOVERNO, ONDE A GOVERNAÇÃO É ESTRUTURADA COM POUCOS MINISTRÉRIOS (não mais que cinco) E MAIS DIRETORES GERAIS OU COISA SEMELHAR, MAS TODOS COM PODERS EFECTIVOS E NÃO SIMBOLISMOS QUE SEMPRE EXISTIU NO PAÍS NUMA SUBSERVENIÊNCIA DOS MINISTROS AO CHEFE DO GOVERNO, COMO SEMPRE EXISTIU NESTE PAÍS, AO CONTRARIO DO QUE SE PASSA NOS ESTADOS DE DIREITO SÉRIOS, MAS COM CONSEQUENTE REFORÇO DE RESPONSABILIZAÇÃO. COM ISSO, POUPAR-SE-IA MUITO DINHEIRO E PODIA SER MAIS FÁCIL A GOVERNAÇÃO DO PAÍS.

A QUESTÃO DE DIVISÃO ADMINISTRATIVA E A PRÓPRIA DIVISÃO JUDICIAL ESTA SOBRE A QUAL JÁ ESCREVI É “CONTA DO OUTRO ROSÁRIO” QUE NÃO TÊM NADA A VER COM O SISTEMA DO GOVERNO, MESMO O PRESIDENCIALISMO QUE DEFENDO.

Compreendo o medo, o receio, o pessimismo e a angústia dos céticos e não defensores desta tese. Primeiro porque temem que atribuindo-se tanto poder a um homem a um homem, ainda mais STP isso pode descambar na ditadura, sensibilidade ou visão que compreendo e temo também um pouco, conhecendo como conheço, a postura de alguns protagonistas políticos. Mas os sistemas criam-se com mecanismos para suprimir, expurgar ou repelir os desvios e os abusos; com um reforço do check and balances.

Um exemplo é o “impeachment” político que defendo e que faz destituir um PR que apenas viole a Constituição de forma grave e abusivamente, com 2/3 de deputados. Muitos outros mecanismos ainda se podem criar, como relevando ou manuseando os poderes das entidades que lidam com a defesa, segurança e as própria foças armadas, como exemplo, em que o poder de o PR de comandante supremo das forças armadas poderem ser um pouco mitigados ou coisa parecida, para não dizer diminuída ou contrabalançadas.

E isso de rever a Constituição não é algo que se faz com uns “gatos-pingados” de políticos voluntaristas, sem conhecimento e competência, sejam eles quais forem que forjam ou inventam “projetos”, “propostas” ou “anteprojetos”. E nem se faz por encomenda do exterior dos anteprojetos, com todo o respeito que tenho pelo Professor Doutor JORGE MIRANDA que foi o autor da nossa segunda Constituição que está em vigor até hoje, só revista em 2003.

E é o pai da nossa Constituição, como vi numa entrevista em que lhe perguntavam se ele era o pai da portuguesa e ele disse que não, pois havia participação de outras pessoas também na feitura daquela Constituição.

Isso faz-se como se faz em direito comparado (nos outros países), com uma Comissão de Revisão Constitucional criada pela Assembleia Nacional e não dentro dela, ou seja, não é como impropriamente se cria comissões para tudo dentro da AN e mais alguma coisa. Isso não.

E, sou de opinião que se busque assessoria de um constitucionalista português (mesmo sistema que o nosso) para apoiar e seguir os trabalhos, obviamente com as nossas ideias políticas-mestras. Isso consegue-se com apoio da comunidade internacional (ex. UE, PNUD, etc.), assim como penso que a comunidade internacional terá prazer em apoiar-nos numa “vrai” reforma da justiça que não seja em contextos complexos e desde que se revele postura de muita seriedade e muito rigor nas vontades políticas (a chamada boa governação).

Um apoio internacional à reforma da justiça nunca é fácil quando se fazem apenas leis avulsas, dispersas e desconexas como sempre existiu neste país, ou com diversidade de versões tais como “conselhos nacionais de justiça” – já lá vão dois que foram nados mortos por incongruência natural ou coisas parecidas, etc., etc.

Aqui estamos a tratar de Constituição que é estatuto do Estado Santomense, sem prejuízo, como é óbvio, de o parlamento como órgão superior em matéria legislativa, assumir, nessa altura, o PODER CONSTITUINTE DERIVADO que são os que o habilita a rever a Constituição. Este poder, como também já abordei, é o maior de qualquer Estado porque é nesse âmbito que define, se estrutura, se cria os seus órgãos superiores e de soberania e se estabelece a organização e funcionamento desses órgãos.

Diferente do poder constituinte derivado, temos o PODER CONSTITUINTE ORIGINAL que cria o Estado de “raiz”, como está na moda dizer-se, o que fizemos depois de 1975. É aquele que existe antes de existir o Estado e que normalmente se constituinte na chamada “ASSEMBLEIA CONSTITUINTE”. Mais pormenor pode ver-se nos meus dois volumes.

Espero que seja qual for o partido, coligação, grupo ou seja o que for que venha a ganhar as eleições legislativas tenha um prazo não mais que 2 anos, ou mesmo um ano e meio para desencadear esse processo e nos moldes como prevê a Constituição.

Penso que estamos mal vistos mais por gentes que sabem e conhecem e são pessoas de bem assim como internacionalmente, com esta Constituição que temos. Sobretudo a comunidade académica. Como esta comunidade critica-a para não dizer enxovalha-a!

Há que se rever a nossa Constituição, obviamente dentro de um consenso que tem que atingir 2/3 de deputados para forja de consenso, não só na aprovação como ela já manda, como essencialmente quanto ao impulso (iniciativa) para o efeito, embora a Constituição tenha já as regras de impulso “à sua maneira” que não é de todo mau e que copiamos da Constituição portuguesa.

Estaremos a ser pouco dignos, nós todos, enquanto mantivermos esta Constituição como está. Porque ela podia (e pode ser revista a todo o tempo com impulso de ¾ (a chamada revisão extraordinária) ou de cinco em cinco anos – revisão ordinária.

E nesta matéria de revisão constitucional, o PR “não é chamado”, senão apenas para promulgar obrigatoriamente porque já é aprovada pela AN com maioria de 2/3, por força do artigo 152.º/3. Aqui não pode haver veto nenhum, nem politico nem jurídico.

Já se passaram 15 anos sob a última revisão de 2003 e até agora nada se faz para se rever a nossa Constituição. É, para mim, muito triste.

Ou seja, as constituições a priori devem perdurar desde a sua conceção originária, criada com o poder constituinte originário; mas a natureza das coisas, a própria natureza humana impele a que elas seja revistas para acompanhar a evolução das sociedades e as mutações que operam mesmo no mundo.

Temos que rever a nossa Constituição. Ela está mal em muitos aspetos. Até muitas normas nem são respeitadas e parecem letras mortas, porque têm “levado tantos pontapés” ao longo da sua existência, e os cidadãos estão baralhados.

Mas vamos esperar que um “herói” (não uma pessoa de todo poder; mas de ideias!) ponha mãos na massa e faça sintonizar a nossa Constituição com a realidade, a necessidade e os interesses nacionais e até mundial.

Um exemplo que já tratei e nem vou avançar mais é a DISPARIDADE QUE EXISTE ENTRE A CONSTITUIÇÃO QUE É ARCAICA E ATABALHOADA QUANTO AO PODER REGIONAL, ONDE NEM SE VÊ QUASE NADA QUE TRATA DE COMPETÊNCIA DESSA REGIÃO, E O ESTATUTO POLITICO ADMINISTRATIVO DA REGIÃO AUTÓNOMA DO PRÍNCIPE É TÃO MODERNA, COMO DEVE SER, QUE TEM UM CONTEÚDO IGUAL A DAS REGIÕES AUTÓNOMAS DOS AÇORES E DA MADEIRA (PORTUGAL). “Quoi faire”! DIR-SE-IA QUE O ESTATUTO VIOLA A CONSTITUIÇÃO!

Curioso é que o país é tal que os nossos juristas “s’en fou” para ela. Vamos nos safando e a vida vai-se fazendo. Nós não temos propensão para nos preocuparmos com o bem comum ou coisa pública. Quiçá nem lisura humana! Porque não é compreensível, até humanamente! “SANTOMENTITITE MENTAL”! (Pág.300, I Vol.).

*Hilário Garrido – Juiz Jubilado

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