quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Angola | Cruzada contra a corrupção "não pode" ficar por aqui


Ativista angolano diz que não basta abrir inquéritos a gestão dos filhos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos - é preciso fazer mais. Mas jurista alerta que é preciso respeitar a lei na "cruzada contra a corrupção".

A empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, ainda não compareceu na Procuradoria-Geral da República (PGR) para prestar esclarecimentos sobre um processo de que é alvo.

Em fevereiro deste ano, Carlos Saturnino, presidente do Conselho de Administração da petrolífera estatal Sonangol, acusou Isabel dos Santos de autorizar uma transferência de 38 milhões de dólares para o exterior do país, após a sua exoneração da petrolífera. A PGR abriu um inquérito. No entanto, a empresária nega a acusação e avançou com um processo de difamação contra Saturnino.

De lá para cá, nunca mais se ouviu falar sobre a gestão de Isabel dos Santos na Sonangol, principal fonte de receitas do Estado angolano.

Benedito Jeremias, um dos ativistas do processo dos 15+2, lembra, no entanto, que é preciso esclarecer o caso: "Isabel dos Santos deve responder pelos crimes de que é acusada", afirma.

Rol de denúncias contra filhos do ex-Presidente

Já indiciado pelos crimes de associação criminosa, falsificação, tráfico de influências, burla, peculato e branqueamento de capitais está José Filomeno dos Santos, ex-gestor do Fundo Soberano de Angola. "Zenú" dos Santos está, atualmente, em prisão preventiva no Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda.

Além de Isabel dos Santos e "Zenú", houve ainda outros filhos do antigo chefe de Estado angolano que foram alvo de denúncias, depois de o pai abandonar o cargo e João Lourenço tomar posse como Presidente, em setembro de 2017.

Em janeiro, a administração da Televisão Pública de Angola (TPA) denunciou que os contratos com empresas de Welwitschea "Tchizé" dos Santos e José Paulino dos Santos "Coreon Du" para a gestão do canal 2 tiveram um "caráter abusivo", e o Governo de João Lourenço ordenou a sua rescisão. O Estado pagaria anualmente às empresas dos filhos do ex-Presidente angolano mais de 14,8 milhões de euros, segundo a administração da TPA, que considerou os contratos "altamente danosos".

Mais uma vez, o ativista Benedito Jeremias pede à PGR para agir, para que tanto "Tchizé" dos Santos como "Coreon Du" se possam "defender das acusações que foram feitas pela direção da TPA e pelos órgãos judiciais." Entende, por outro lado, que a luta contra a impunidade e a corrupção não pode ficar por aqui.

"Se tivermos um poder judicial que aja por si só, deve investigar também os atos do Presidente da República, a própria Assembleia Nacional e o poder judicial", diz. "Teremos, na verdade, um país a caminhar a passos largos para alcançarmos o desenvolvimento e bem-estar dos cidadãos, a que todos nos comprometemos."

"Cruzada" deve obedecer à lei

Por sua vez, o jurista Fernando Canando lembra que, enquanto os processos não transitarem em julgado, quer os cidadãos acusados formalmente, quer os que estão só a ser investigados pela PGR, na chamada "cruzada contra a corrupção", gozam de presunção de inocência.

"Estas pessoas gozam do princípio de inocência não podendo elas ser culpabilizadas, sem que a culpa seja decretada em tribunal", recorda.

O jurista diz também que há outros direitos e garantias que devem ser observados: "O Ministério Público deve fazer um trabalho apurado de recolha dos elementos probatórios para que assim possam aplicar alguma medida de coação processual, porque se deve ter em atenção que os indiciados têm direitos civis, económicos, sociais, políticos e até culturais e devem ser respeitados por qualquer autoridade."

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

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