quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Angola | A luz e as trevas


Caetano Júnior | Jornal de Angola | opinião

Numa semana que acabou mesmo por ficar marcada pela visita de João Lourenço a Portugal, para, numa frase, cimentar aspectos relacionados à cooperação entre Angola e aquele país, uma declaração de José Eduardo dos Santos quase roubou a cena. O ex-Presidente reuniu jornalistas e leu um documento, à guisa de reacção a trechos de uma entrevista do actual Chefe de Estado ao jornal português Expresso.

O exercício que Angola testemunhou nestes dias, consubstanciado no que disse João Lourenço à publicação lusa, nas declarações de José Eduardo dos Santos e na reacção da opinião pública, ajuda a consolidar, no conjunto, a ideia de que, de facto, a liberdade de expressão e o direito à informação são, entre nós e cada vez mais, campos abertos, à espera apenas de retoques ou aprimoramento. O ex-Presidente fez uso de um recurso que só as democracias concedem: a possibilidade de se defender; o direito de resposta.

Porém, no rescaldo do exercício que, por instantes, deixou o País em suspensão e algumas mentes apreensivas, fica a ideia de que José Eduardo dos Santos não deu o devido uso à possibilidade de que desfrutou. Ou, numa outra perspectiva, desperdiçou a oportunidade de que dispôs para trazer alguma luz ao conhecimento sobre o quadro geral da Angola que legou a quem o substituiu. 

Se o impelia, ao fazer um pronunciamento público, o genuíno desejo de esclarecer aspectos que João Lourenço aflorou na entrevista ao Expresso, José Eduardo dos Santos devia começar por se permitir responder a perguntas dos jornalistas. Feito em sentido único, molde por que optou, o encontro com a Media visou simplesmente a divulgação de dados que lhe interessava que saíssem para o conhecimento público, no que constituiu uma opção pouco edificante. Afinal, da declaração, nada emergiu, na perspectiva do esclarecimento sobre a realidade sob a qual entregou a liderança do país ao novo Presidente.

Aliás, dá até a impressão de que a declaração perseguiu objectivo avesso ao que esperava a esmagadora maioria da opinião pública, quando se deu conta de que o ex-Presidente divulgaria ou divulgou “um esclarecimento”. Fica, de facto, a sensação de que o documento mais fez recrudescer as trevas do que gerar luz; semeou um início de confusão que, entretanto, não floriu. O único trecho que mereceria atenção acabou, afinal, por se revelar um sofisma; um elemento profundamente enganador, sobretudo, em sociedades como a nossa, onde abundam o analfabetismo, a iliteracia, enfim, défices de conhecimento e de compreensão sobre os mais diferentes saberes, particularmente os ligados à Economia.

 “Em Setembro de 2017, na passagem de testemunho, deixei 15 mil milhões de dólares no Banco Nacional de Angola como Reservas Internacionais Líquidas a cargo de um gestor que era o governador do BNA sob orientação do Governo”, disse José Eduardo dos Santos, no que se entende como resposta a João Lourenço, que disse ter encontrado os cofres vazios.

Porém, economistas esclarecem que o referido valor, porque corresponde às Reservas Internacionais Líquidas, não pode ser usado para despesas correntes, como é exemplo o salário; não é dinheiro em caixa, no Tesouro, para pagamentos. Mais: se for usado no mercado interno, viver-se-á uma situação de “dolarização” do Kwanza, o que elevaria os índices de inflação para percentuais inimagináveis. Assim, há quase certeza de que João Lourenço não se queixa de “barriga cheia”, como costuma dizer a voz popular. 

José Eduardo dos Santos podia ainda fazer recurso à oportunidade de que dispôs para explicar outras situações de que fala o seu sucessor na entrevista ao jornal Expresso e que também se contam entre as preocupações de angolanos. Assim como se estruturou e materializou, a declaração pública do ex-Presidente de pouco serviu, senão para mostrar quão compacta é a cobertura de que está revestida a razão que assiste a João Lourenço. 

Se calhar por isso mesmo se afirme tão confiante para o próximo movimento no tabuleiro de xadrez ... É outro xeque-mate, cuja data o Presidente negou-se a revelar. Mas, garante, “não tarda...”

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