O Estado moçambicano ainda não
sabe o que se passa de concreto em Cabo Delgado , onde se registam ataques desde
2017, diz Salvador Forquilha. Investigador considera que a fraude eleitoral
pode ferir negociações de paz.
Continuam a surgir novos ataques
de grupos armados em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, o que leva
Salvador Forquilha, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de
Moçambique (IESE), a afirmar que a situação não está sob controlo e o que o
problema ainda está lá, porque o Estado ainda não foi capaz de descobrir o que
realmente se passa.
"No dia 5 de outubro de
2017, foi a data do primeiro ataque às instituições do Estado e as populações
civis, desde esta altura até esta parte toda a gente se pergunta do que é que
se trata. Quais as reivindicações do grupo? Têm alguma agenda ou não? Enfim,
uma série de perguntas. Infelizmente não há muita informação neste sentido.
Nós, através dos estudos, notamos que havia uma certa ligação com uma dimensão
religiosa", declarou em entrevista à DW África.
No último ano, segundo números
oficiais, já terão morrido cerca de 100 pessoas, entre residentes, supostos
agressores e elementos das forças de segurança.
A violência
em Cabo Delgado ganhou visibilidade após um ataque armado a postos de
polícia de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017, quando dois agentes foram
abatidos por um grupo com origem numa mesquita local que pregava a insurgência
contra o Estado e cujos hábitos motivavam atritos com os residentes, pelo
menos, desde há dois anos.
De acordo com Salvador Forquilha,
o fenómeno em Cabo
Delgado tem uma natureza multifacetada e há vários fatores em
jogo, nomeadamente, políticos, económicos, sociais e religiosos. O que leva o
investigador a supor que são ataques perpetrados por elementos ligados ao
jihadismo.
Intervenção militar é uma
resposta desajustada
"Inicialmente pensamos que
têm ligações jihadistas, mas ainda é preciso aprofundar a investigação.
É um fenómeno com muitas facetas. Há também certamente questões ligadas a
tráfico ilegal de madeiras, pedras preciosas e de outros tipos de recursos que
acabam lesando o próprio Estado. Tudo isso acaba alimentando a evolução da
violência local", explica o investigador.
Salvador Forquilha espera uma
resposta multidisciplinar por parte do Estado, que procure, além de uma
intervenção militar, entender primeiro o próprio fenómeno, saber do que se
trata, para depois desenhar respostas adequadas relativamente ao combate
do fenómeno, de forma a evitar respostas desajustadas e menos
consistentes.
Para o
investigador, fenómenos como o de Cabo Delgado têm ocorrido noutros cantos
de mundo e exigem respostas mais complexas e coordenadas entre Estados.
Processo negocial de paz em risco?
Sobre a aceitação ou contestação
dos resultados das eleições autárquicas de outubro, Salvador
Forquilha considera que a fraude eleitoral registada nas últimas eleições
pode pôr em causa o processo negocial de paz entre a RENAMO e FRELIMO.
"É preciso sublinhar que, de
facto, houve fraude eleitoral em algumas autarquias locais que acaba por trazer
ao de cima aquele fantasma de desconfiança, da falta de transparência do
processo eleitoral e mexe de alguma forma com o processo negocial atual",
diz.
Quanto à crise social e aumento
de preços dos bens essenciais, Salvador Forquilha afirma que o risco de uma
contestação social é muito real devido à degradação das condições de vida
dos moçambicanos na sequência da crise económica e financeira que assola o país
e está a ter um grande impacto nas famílias mais carenciadas. Aponta, por isso,
para a urgente diversidade da base produtiva, sobretudo para que não tenha uma
economia dependente inteiramente do gás.
Desafios para Moçambique
O diretor do Instituto de Estudos
Sociais e Económicos (IESE) falou à DW África na sequência do lançamento do
livro "Desafios para Moçambique 2018". Esta nona edição da série
"Desafios para Moçambique", iniciada em 2010, conta com 18 artigos,
divididos em quatro partes, designadamente Política, Economia Sociedade e
Moçambique no Mundo.
A maior parte dos
artigos resulta da V Conferência Internacional do IESE, realizada em
setembro de 2017 à volta da temática "Desafios da Investigação Social e
Económica em Tempos de Crise", e representa um contributo para a criação e
o fortalecimento da capacidade de pesquisa bem como de uma "massa
pensante" crítica sobre as dinâmicas socioeconómicas e políticas do país.
Salvador Forquilha esteve na
Alemanha a convite do Deutsches Institut für Erwachsenenbildung
(DIE), para aprofundar as relações no âmbito do projeto de pesquisa na
área dos municípios, troca de informações entre o IESE e DIE.
Braima Darame | Deutsche Welle
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