Há uns dias tive uma reunião com
Maria Costa, Secretária Executiva do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
(INCT). O desânimo é a palavra-chave para definir o estado de espírito desta
investigadora, a única mulher timorense que possui um diploma de pós-doutoramento.
M. Azancot de
Menezes* | Tornado | opinião
De facto, Maria Costa, doutorada
em Biologia e pós-doutorada em Química pela Universidade de Aveiro, dedica-se
de corpo e alma, desde 2016, com os seus abnegados funcionários, para conseguir
a implementação plena dos estatutos da única instituição pública nacional
vocacionada para desempenhar um papel central na supervisão, no desenvolvimento
e na disseminação do conhecimento científico e tecnológico de Timor-Leste.
O Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia (INCT), aprovado pelo Decreto-Lei Nº 23/2014 de 3 de Setembro, tem
autonomia administrativa, financeira, patrimonial, científica e editorial, com
inúmeras atribuições que por serem imensas não as vou aqui mencionar, nem estou
mandatado para o fazer, contudo, e já o afirmei numa intervenção na 7ª Conferência
do Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua
Portuguesa (FORGES) realizada em Novembro de 2017 em Moçambique, o INCT
pode promover investigações científicas, cooperar com universidades, incentivar
a difusão dos resultados de pesquisa, apoiar projectos de ensino e pesquisa e
servir como repositório de ciência e tecnologia do Estado, entre outras
competências e atribuições.
Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia (INCT) precisa de mais atenção do Estado
No final do diálogo que tive com
a investigadora Maria Costa ficou claro que o INCT pretende concretizar o
processo de cooperação com as Instituições de Ensino Superior do país e com
outras instituições de pesquisa com vista ao desenvolvimento da pesquisa
científica e da formação de pesquisadores mas está impossibilitado de o fazer
por falta de verbas e de outros apoios do Estado.
Para o desenvolvimento da Ciência
e Tecnologia no país, também mencionei esta preocupação em Moçambique, e
partilho agora no Jornal Tornado, é imprescindível proceder-se a um inventário
da actividade de pesquisa realizada e fazer o registo dos estudos científicos
nacionais e internacionais da autoria de nacionais ou estrangeiros. O INCT
possui alguns recursos humanos disponíveis e gostaria de concretizar esta
finalidade mas está impossibilitado de o fazer por falta de verbas e de outros
apoios do Estado.
É importante que a comunidade
científica nacional e internacional, com destaque para a lusófona, e a
sociedade em geral, conheçam os trabalhos científicos que estão a ser
desenvolvidos no país, as áreas mais trabalhadas, e haver um cruzamento dessa
informação no âmbito do plano estratégico nacional, e também para facilitar o
intercâmbio científico entre os países da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP).
Para que se possa concretizar
este desiderato terá que haver outra postura do Estado timorense. Os decisores
políticos terão que ter uma visão estratégica no sentido de compreender e
assumir, no espírito e na letra, que a investigação, ciência e tecnologia são o
motor de desenvolvimento do nosso país.
Nesta linha de raciocínio
parece-me da maior relevância que o Governo preste apoio ao Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia (INCT) e que se elabore com carácter de urgência um
Plano Estratégico para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia em Timor-Leste.
DESAFIOS QUE SE COLOCAM AO
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E AO ENSINO SUPERIOR EM TIMOR-LESTE
Segundo estatísticas de 2017
existem em Timor-Leste treze Instituições de Ensino Superior. A Universidade
Nacional de Timor Lorosa´e (UNTL), a única universidade pública, constituída
por nove faculdades e outras unidades orgânicas – onde se incluem Centros de
Investigação, o Instituto Politécnico de Betano, também público, e onze
Instituições de Ensino Superior privadas reconhecidas pelo Governo.
No seu conjunto, estas Instituições
de Ensino Superior timorenses englobam 50 a 60 mil estudantes e pouco mais de 2000
docentes, sendo 1222 com o grau de licenciado, 750 com o grau de mestre e 50
docentes com o grau de doutor.
Independentemente destas
estatísticas estarem ou não actualizadas, há um conjunto de desafios
fundamentais e urgentes que se colocam ao Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia (INCT) e às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa. Partilhei
estas preocupações na intervenção da 7ª Conferência do FORGES, pelo que, pela
sua pertinência, aqui deixo para reflexão do nosso recém criado Ministério do
Ensino Superior, Ciência e Cultura, bem como da comunidade científica e da
sociedade em geral.
O primeiro grande desafio passa
pela forma como perspectivamos o Ensino Superior. No meu entender, na linha do
que tem sido defendido por Zabalza (2007), essa perspectiva terá que acontecer
de forma “complexa”, com a inclusão de várias dimensões que dele fazem parte
(Política de educação superior, Pesquisa científica, Mundo do trabalho e
sociedade, Avaliação institucional e acreditação, Docência, Professor, Inovação
curricular, Instituição/comunidade de formação e Estudante), num processo
dinâmico e interactivo.
O segundo grande desafio passa
pela promoção de Programas de Iniciação Científica em todas as Instituições de
Ensino Superior de Timor-Leste. Portanto, uma questão central e estratégica é a
contratação de docentes que sejam pesquisadores e contribuam para um ambiente
institucional que potencie a pesquisa científica.
O terceiro grande desafio é a
criação de um Repositório de Ciência e Tecnologia Nacional de livre acesso, sob
supervisão e responsabilidade do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
(INCT), para que os investigadores e a comunidade discente e docente possam registar
os estudos nacionais e internacionais, e a sociedade em geral possa conhecer os
estudos científicos, as dissertações de mestrado e as teses de doutoramento
produzidas no país ou em cooperação internacional.
O quarto grande desafio
relaciona-se com a reformulação das políticas de educação superior e dos
critérios e procedimentos utilizados na concessão de bolsas de estudo e
atribuição de subsídios. Efectivamente, tal como os téoricos e críticos nos vêm
ensinando desde finais da década de 60 e 70, e estou a referir-me a Bourdieu e
Passeron, não pode escamotear-se o facto do sucesso educativo depender muito
das condições sociais, económicas e culturais do estudante, realidades que
tornam ainda mais urgente estudar as medidas de acção social possíveis, para
além da atribuição das bolsas de estudo, que contribuam para elevar o grau de
equidade do sistema.
O quinto grande desafio é o
início do processo de avaliação da pesquisa, seja através de publicações, seja
mediante a adopção de outros critérios transparentes e rigorosos reconhecidos
pela comunidade científica internacional. A avaliação da pesquisa é fundamental
porque os investigadores devem expor os seus trabalhos científicos,
valorizando-se a qualidade, a ética e a integridade.
O sexto grande desafio para
Timor-Leste passa pelo incremento de programas de pós-graduação pois, como
todos bem sabemos, o aumento da produção científica está associado à existência
de cursos de pós-graduação, de mestrado e de doutoramento.
*Professor universitário
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