PM de Israel, Netanyahu
(D), e o ministro da Defesa, Avigdor Lieberman (E). Créditos Menahem
Kahana / Reuters
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José Goulão | AbrilAbril | opinião
O primeiro-ministro de Israel
culpa um alto dirigente árabe pelo extermínio dos judeus, «legitimando» o
comportamento exterminador de Israel em relação aos árabes. Mentiu, pura e
simplesmente.
O assunto tem pelo menos três
anos mas, além de não perder actualidade e de não ter sido abordado com o
destaque que o escândalo merece, ajuda-nos a enquadrar de maneira mais
esclarecedora o comportamento do Estado de Israel e dos seus dirigentes, neste
caso através da sua veia exterminadora, do racismo enraizado e do antissemitismo
em relação a outros povos da mesma família.
Em Outubro de 2015, durante uma
intervenção de fundo perante o Congresso Mundial Sionista – e na sequência de
uma outra do mesmo tipo efectuada ao nível parlamentar, em 2012 – Benjamin
Netanyahu declarou o seguinte: «Naquela altura (1941), Hitler não tinha
intenção de exterminar os judeus, mas sim de os expulsar».
Segundo esta versão revisionista
da História – prática aliás muito na moda, sobretudo quando o assunto é o
nazi-fascismo – o primeiro-ministro israelita reproduz os alegados
acontecimentos ocorridos numa reunião entre o chanceler do Reich e Haj Amin
al-Hussein, naquela altura o Grande Mufti de Jerusalém. Trata-se de um alto
dignitário muçulmano da comunidade dominante sunita que tutela os lugares de
culto da sua religião na cidade de Jerusalém, designadamente a mesquita de
al-Aqsa, a terceira mais importante referência da fé islâmica.
Durante essa reunião, ainda e
sempre segundo a versão divulgada por Netanyahu – reproduzida da informação
divulgada pelo diário israelita «Haaretz» – foi o Mufti quem precipitou os
acontecimentos que conduziram ao Holocausto. Explicou o primeiro-ministro
israelita que o dignitário religioso árabe não ficou satisfeito com a posição
de Hitler e ter-se-á queixado de que «se os expulsar (aos judeus alemães),
então eles virão para aqui» (Palestina). Ao que Hitler retorquiu: «Então o que
fazer com eles?» E o Mufti terá respondido: «Queime-os!»
Isto é, Netanyahu iliba Hitler da
mais horrenda e comprovada matança da História e culpa um alto dirigente árabe,
conhecido pela sua veia nacionalista, pelo extermínio dos judeus. O que
«legitima» todo e qualquer comportamento violento e exterminador que Israel
possa ter em relação aos árabes, ontem e hoje.
Falsificação da História
Não poderá dizer-se que a
declaração tenha caído como uma bomba. Pelo contrário, terá funcionado como
mais um argumento a juntar à bateria usada pela ortodoxia sionista para esmagar
os direitos do povo palestiniano e usurpar a sua soberania como nação.
Porém, alguns historiadores e
jornalistas israelitas foram pesquisar na História o rasto da grande descoberta
do chefe do Likud, uma descoberta que representa um autêntico terramoto em
relação a tudo quanto se sabe da Segunda Guerra Mundial e sobre o Holocausto. Assim
sendo, segundo a neo-história de Benjamin Netanyahu, Hitler não era tão mau
como o pintam; mau era o Mufti de Jerusalém e, como ele, todos os árabes, ou
mesmo todos os muçulmanos.
O jornal israelita «Jerusalem
Times» publicou então um apanhado das conclusões dos investigadores sobre o
assunto, e mesmo a acta da reunião entre Hitler e o Grande Mufti de Jerusalém
Haj Amin al-Hussein.
E o que apurou? Que nada na acta
de transcrição do diálogo corresponde à declaração proferida por Netanyahu
sobre as intenções de Hitler. Ou seja, o primeiro-ministro de Israel mentiu,
pura e simplesmente. Nada de invulgar nele, mas nem sempre com tão elevado grau
de gravidade.
A reprodução do encontro salienta
a coincidência de opiniões de Hitler e do Mufti quanto aos seus inimigos comuns
de estimação: ingleses, comunistas e judeus. Se a Alemanha conseguir apagar a
ideia da criação de «um lar nacional judaico» na Palestina, terá dito Hussein,
«então os árabes poderão levantar-se da sua letargia momentânea e ganhar nova
coragem» para combater ao lado das tropas do Reich.
Hitler explicou que se
considerava em plena «batalha entre o Nacional-Socialismo e os judeus», que ele
travava «passo-a-passo» e, por isso, «iria pedir a cada nação europeia para
resolver o problema judaico».
Nada foi falado que envolvesse
extermínio, queima ou expulsão de judeus. Ao passo que, pelo contrário, existem
provas históricas muito bem documentadas segundo as quais o extermínio dos
judeus fora decidido por Hitler seis meses antes da sua reunião com o Grande
Mufti.
Na ocasião deste encontro, a
Alemanha iniciara a sua «Operação Barbarossa» com o objectivo de liquidar a
União Soviética, pelo que Hitler limitou-se a pedir ao seu interlocutor
muçulmano que esperasse «até a Alemanha abrir o caminho para o Iraque e o Irão
através de Rostov, o que será o princípio do fim do império mundial britânico».
Sem limites
Alguém que mente da maneira que
fez Netanyahu em relação a Hitler está seguro da impunidade do que diz e faz,
seja perante quem for. E, por certo, não hesita nos meios a usar para atingir
os fins.
A versão negacionista da História
difundida pelo primeiro ministro de Israel é crime em várias nações do mundo,
designadamente em França, onde aliás Netanyahu é recebido como uma impoluta
figura de homem de Estado em cerimónias de paz e contra o terrorismo – «árabe»,
é bom de ver. Parece um pormenor, mas não é: diz tudo sobre o modo de inserção
de Israel na chamada comunidade internacional, o qual abre amplos caminhos para
a irresponsabilidade permitida, a falta de limites compreendida, a violência
exterminadora tolerada, a marginalidade em relação às leis autorizada.
É por esses caminhos que Israel
avança sob o comando de Netanyahu à frente de uma coligação que representa a
essência autêntica do fundamentalismo político-religioso sionista.
Netanyahu incarna, como outros o
fariam – não haja ilusões quanto a isso – o carácter fascista, racista e
antissemita do actual regime de Israel, afinado ao longo de setenta anos
através dos aparelhos militar, estatal, religioso e de propaganda. De tal maneira
que, segundo uma sondagem recente, três quartos dos israelitas judeus
residentes na Palestina histórica apoiam o ex-ministro extremista Avigdor
Lieberman na sua tese de que o primeiro- ministro é «fraco» e «medroso» na
maneira como lida com a questão de Gaza.
E para que tenhamos a noção da
gravidade e da profundidade da situação – sublimando quaisquer ilusões – é
fulcral registar que nem todos os que fazem parte dessa mole de 75% são,
aparentemente, partidários da coligação governamental. Por exemplo, o
ex-primeiro ministro e ex-chefe trabalhista Ehud Barak, que alguns ingénuos
tenderiam a qualificar como uma «pomba» perante o «falcão» Lieberman, acha o
mesmo quanto a Netanyahu e Gaza. Não só Netanyahu é «fraco» e «medroso», como
«incompetente».
Em 27 de Dezembro de 2008, diz
Barak, «quando eu era ministro da Defesa, matei mais de 300 membros do Hamas em
três minutos e meio», gaba-se. Especificação necessária: não eram membros do
Hamas ou do seu braço armado, mas sim civis de Gaza, muitas mulheres, muitas
crianças e alguns jovens da então recém-criada polícia cívica da região. Em
suma, Barak ufana-se, Barak mente, Barak também reescreve a História. Por outro
lado, é da oposição ao governo, comportando-se como ele, se possível criticando
o comportamento do actual primeiro-ministro numa posição ainda mais extrema em
relação à vocação para exterminar o inimigo.
Netanyahu deixou anteriormente no
ar a possibilidade de assumir um comportamento definitivo e exterminador em
relação ao povo palestiniano, para já em Gaza, onde diz que «não existe solução
diplomática».
Outros, de Lieberman à oposição
praticada por Ehud Barak, acusam-no de ser «frouxo», «complacente», certamente
por não ter passado imediatamente das palavras aos actos depois de chegar ao
impasse «diplomático». De facto, há muita gente cada vez mais apressada quanto
à solução final capaz de trazer «a paz a Israel». Por exemplo, o deputado
Naftali Bennet, considerado «mais extremista» que Lieberman, explicou a
Netanyahu que ou «o aceita como ministro da Defesa ou a coligação governamental
cairá». Ou ainda a ministra da Justiça, Ayelet Shaked, para quem o chamado
«Acordo do Século», através do qual Trump e Netanyahu pretendem impor «a paz
aos palestinianos», é «uma perda de tempo». «Também eu quero a paz»,
acrescenta, «mas não acredito que seja possível qualquer acordo». Logo…
Neste contexto não surpreende que
o Parlamento tenha aprovado uma lei que facilita a aplicação da pena de morte
aos palestinianos que sejam acusados «de terrorismo», expressão que Israel
aplica a todos os que resistem à expansão brutal do seu domínio sobre a
Palestina. Uma lei que se segue à aprovação da «Lei do Estado Nação», que
institui o regime de apartheid a todos os que não sejam considerados «judeus» e
escancara as portas da Palestina a quantos, vivendo em qualquer lugar do mundo,
com a nacionalidade que tiveram, sejam considerados «judeus».
Compreende-se, deste modo, por
que o primeiro-ministro de Israel ilibou Hitler da responsabilidade maior pelo
Holocausto. A culpa foi dos árabes; o nazismo não foi mau, maus foram e são os
árabes; é aos árabes que deve cobrar-se a factura.
Tudo isto é Israel, hoje.
Leia também O Lado Oculto – antídoto
para a propaganda global
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