Socialismo e o ressurgimento da
luta de classes internacional
“Nós não dizemos ao mundo: Cessem suas lutas,
elas são tolas; nós lhe daremos o verdadeiro lema da luta. Nós meramente
mostramos ao mundo pelo que ele está realmente lutando, e consciência é algo
que que ele tem de adquirir, mesmo que não queira.” [Karl Marx para Arnold
Ruge, Setembro de 1843]
“As armas da crítica não podem, é
claro, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por
força material, mas a teoria também se torna uma força material uma vez que se
apossa dos homens.” [Contribuição para a crítica da Filosofia do Direito de
Hegel, 1844]
“A emancipação do alemão é a
emancipação do ser humano. A cabeça dessa emancipação é a filosofia,
seu coração é o proletariado. A filosofia não pode se tornar
realidade sem a abolição do proletariado, o proletariado não pode ser abolido
sem a filosofia ter se tornado uma realidade.” [Contribuição para a crítica da
Filosofia do Direito de Hegel, 1844]
“Não é uma questão do que este ou
aquele proletário, ou mesmo todo o proletariado, no momento interpretacomo
seu objetivo. É uma questão de o que o proletariado é, e o que, de acordo
com seu ser, será historicamente compelido a fazer.” [A sagrada família, 1844]
“Com a profundidade da ação
histórica aumentará, portanto, o volume da massa de quem ela constitui a ação.”
[A sagrada família, 1844]
“A história de toda a sociedade
até nossos dias é a história da luta de classes.” [O Manifesto do Partido
Comunista, 1847]
“Que as classes dominantes tremam
com uma revolução comunista. Os proletários não tem nada a perder exceto suas
correntes. Eles tem o mundo a ganhar. PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!”
[O Manifesto do Partido Comunista, 1847]
***
1. Este ano (2018) marca os 200 anos do
nascimento de Karl Marx, o criador da concepção materialista da história, autor
de Das Kapitale, com Friedrick Engels, fundador do movimento socialista
revolucionário moderno. Nascido em 5 de Maio de 1818 na cidade de Trier, na
Prússia, Marx era, citando Lenin, “o gênio que continuou e consumou as três
correntes ideológicas principais do século XIX, que eram representadas pelos
três países mais avançados da humanidade: a filosofia alemã clássica, a
economia política inglesa clássica e o socialismo francês combinado com as
doutrinas revolucionárias francesas em geral.” [1]
2. Marx morreu em Londres em 14
de Março de 1883 aos 64 anos de idade. Até aquele momento, ele e Engels tinham
colocado as aspirações socialistas utópicas em uma fundamentação científica e
criado as bases para um movimento político revolucionário da classe trabalhadora
internacional. Entre 1843 e 1847, Marx executou uma revolução no pensamento
teórico que superou tanto as limitações do materialismo predominantemente
mecânico do século XVIII e as mistificações idealistas da lógica dialética de
Hegel.
3. Estendendo o materialismo
filosófico ao domínio da história e das relações sociais, Marx provou que
a necessidade do socialismo surgia das regras do desenvolvimento das
contradições inerentes do sistema capitalista. Ele não alegou ter descoberto a
luta de classes como a força motivadora na história. Sua contribuição inovadora
para o entendimento da história, como o próprio Marx explicou em 1852, foi: “1.
mostrar que a existência de classes está ligada apenas a certas
fases históricas do desenvolvimento da produção; 2. que a luta de classes leva
necessariamente à ditadura do proletariado; 3. que essa ditadura em si
constitui nada mais do que uma transição para a abolição de todas as
classes e para uma sociedade sem classes.” [2]
4. Tivesse Marx largado sua
caneta depois de escrever o Manifesto Comunista, seu lugar na história
ainda estaria garantido. Mas o que o elevou à estatura de uma figura histórico
universal foi a escrita de Das Kapital, que fundamentou a concepção
materialista da história. Nos 150 anos que se passaram desde a publicação do
seu primeiro volume em 1867, várias gerações de economistas burgueses dedicaram
suas vidas profissionais a refutar o trabalho de Marx. Em vão! Seus esforços
foram frustrados não apenas pela força da metodologia dialética e a clareza
histórica de Marx, mas também, e ainda mais, pela realidade da crise
capitalista. Por mais que os professores possam protestar, o mundo capitalista
“move-se”, como Marx explicou. Cada ataque sobre Das Kapital tem sido
inevitavelmente seguido por uma nova demonstração prática das contradições
econômicas e sociais insolúveis do sistema capitalista.
5. A última dessas lições,
válida até hoje, começou com a quebra financeira global de 2008. As categorias
e conceitos essenciais de economia política marxista – como força de
trabalho, capital constante e variável, mais valia, a taxa
de lucro em declínio, exploração, o fetichismo das mercadorias,
o exército industrial de reserva e o empobrecimento relativo e absoluto
do proletariado – são exigidos não apenas para um entendimento científico
do capitalismo, mas mesmo para uma compreensão básica dos acontecimentos
políticos, econômicos e sociais diários.
6. Pode-se ter a certeza de que o
bicentenário do nascimento de Marx será marcado por numerosos seminários
acadêmicos em que professores cutucarão as teorias de Marx. Muitos deles
focarão no que acreditam ser seus erros ou omissões. Haverá outros, uma pequena
minoria, que elogiarão o trabalho de Marx. Mas a apreciação mais verdadeira e mais
objetiva da vida de Marx acontecerá fora das salas de aula.
7. Este ano novo de 2018 – o
bicentenário do nascimento de Marx – será caracterizado, acima de tudo, por uma
enorme intensificação das tensões sociais e uma escalda dos conflitos de
classes ao redor do mundo. Por várias décadas, e especialmente desde a
dissolução da União Soviética em 1991, a resistência da classe trabalhadora à
exploração capitalista foi suprimida. Mas as contradições essenciais do sistema
capitalista – entre uma economia globalmente interdependente e arcaico sistema
de estado-nação burguês; entre uma rede mundial de produção social, envolvendo
o trabalho de bilhões de seres humanos, e a propriedade privada dos meios de
produção; e entre as necessidades essenciais da sociedade de massas e os
interesses egoístas dos ganhos individuais capitalistas – estão agora chegando
rapidamente ao ponto em que uma maior supressão da oposição das massas de
trabalhadores ao capitalismo é impossível.
8. A concentração de riqueza
em uma pequena camada da população alcançou níveis nunca antes vistos. E isso é
uma processo global. O 1% mais rico possui metade da riqueza do mundo. [3] Os
500 indivíduos mais ricos tinham, até Dezembro de 2017, uma riqueza somada de
5,3 trilhões de dólares, 1 trilhão de dólares a mais do que em 2016. [4] Nos
Estados Unidos, três pessoas – Jeff Bezos, Bill Gates e Warren Buffett –
possuem mais dinheiro do que a metade mais pobre da população. Na China, 38
bilionários aumentaram em 177 bilhões de dólares suas riquezas pessoais em
2017. Apesar das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e Europa
Ocidental, os 27 bilionários da Rússia aumentaram sua riqueza em 29 bilhões de
dólares. Carlos Slim, o homem mais rico no México, aumentou sua riqueza para
62,8 bilhões de dólares, um aumento de 12,9 bilhões de dólares em relação ao
ano anterior.
9. A característica distintiva
dessas enormes fortunas é que estão ligadas ao estarrecedor crescimento dos
mercados acionários nos últimos 35 anos, e especialmente desde a quebra de Wall
Street de 2008. A
política do Banco Central americano de “flexibilização quantitativa” e as
políticas de baixas taxas de juros dos bancos centrais ao redro do mundo
levaram a um aumento de quase quatro vezes do índice Dow Jones ao longo da
década passada. Em 2017, o aumento explosivo no valor de ações dos EUA esteve
conectado com a expectativa – que desde então foi realizada – de um corte de
impostos massivo para os ricos.
10. O enriquecimento daqueles do
topo da oligarquia capitalista vem acompanhado do empobrecimento da ampla massa
da população do mundo. De acordo com um relatório publicado pelo Credit Suisse,
“Na outra ponta do espectro, os 3,5 bilhões de adultos mais pobres do mundo
possuem cada um bens de menos de 10.000 dólares. Coletivamente, essas pessoas,
que constituem 70% da população em idade de trabalho do mundo, respondem por
apenas 2,7% da riqueza global”. [5]
11. Essa brutal disparidade de
riqueza não é meramente uma mancha infeliz e acidental no rosto do capitalismo
contemporâneo. A extrema desigualdade social é a expressão consumada da
falência do sistema social existente. Em meio a todas as urgentes necessidades
da moderna sociedade de massas – educação, moradia, cuidados para os idosos,
cuidados médicos de alta qualidade, desenvolvimento de sistemas de transporte
de massas avançados, proteção do ecossistema global em risco, etc. – recursos
incompreensivelmente vastos estão sendo desperdiçados para satisfazer os
impulsos obscenos e insensatos dos super-ricos e seus descendentes. Recursos
que deveriam ser aplicados para construir escolas, moradias baratas, plantas de
tratamento de água e hospitais, ou para financiar museus, orquestras e outras
instituições culturais vitais, estão sendo jogados fora em mansões, iates,
joias e outras incontáveis extravagâncias banais.
12. As elites dominantes
capitalistas modernas tornaram-se elas próprias um obstáculo absoluto ao
desenvolvimento progressivo da sociedade humana. O crescimento de riqueza
pessoal das elites dominantes adquiriu um caráter sombriamente cancerígeno, que
provoca repulsa popular e sinaliza a queda do sistema. O estado atual da
situação mundial é irracional, exatamente no sentido que foi empregado por
Engels para descrever a monarquia francesa na véspera da revolução que varreria
a aristocracia do poder:
Em 1789 a monarquia francesa
havia se tornado tão irreal, ou seja, sem qualquer necessidade, tão irracional,
que ela tinha de ser destruída pela Grande Revolução, da qual Hegel sempre fala
com o maior entusiasmo. Nesse caso, portanto, a monarquia era o irreal e a
revolução era o real. E assim, ao longo da trajetória do desenvolvimento, tudo
o que era previamente real se torna irreal, perde sua necessidade, seu direito
de existência, sua racionalidade. E diante da realidade moribunda surge uma
nova, viável realidade – de maneira pacífica se a velha tem bom senso
suficiente para aceitar sua morte sem resistência; à força se resistir a essa
necessidade. [6]
13. Não é necessária grande
clareza política para prever que os oligarcas corporativos e financeiros farão
de tudo para defender sua riqueza. Acostumados a impor sua vontade sobre a
sociedade, eles responderão a qualquer sinal de resistência popular com
violenta repressão. Ainda assim, não há qualquer questão política e social
atual – incluindo o desemprego em massa, pobreza, desigualdade social, ataques
cada vez maiores aos direitos democráticos fundamentais, o perigo crescente de
uma catástrofe ecológica, militarismo imperialista sem restrições e a ameaça de
guerra nuclear – que podem ser resolvidas dentro do quadro do capitalismo. De
fato, qualquer tentativa séria de implementar reformas sociais desesperadamente
necessárias requereria, no mínimo, a expropriação de enormes fortunas privadas
e uma redistribuição ampla da riqueza. Enquanto a classe capitalista mantiver o
poder do estado, entretanto, tais reformas são impossíveis. Assim, a luta da
classe trabalhadora para defender seus interesses leva, como Marx previu, à
revolução social.
14. A conquista do poder do
estado pela classe trabalhadora russa em Outubro de 1917 confirmou a concepção
materialista da história e a perspectiva política elaborada por Marx e Engels
no Manifesto Comunista. Mas a Revolução de Outubro não foi simplesmente o
resultado de um processo histórico objetivo. A vitória da classe trabalhadora
dependia da liderança de um partido político marxista que se baseasse em uma
estratégia revolucionária internacional. Sem tal liderança, a revolução
socialista não pode conquistar a vitória, não importa quão grande seja a crise do
sistema capitalista. No Segundo Congresso da Internacional Comunista em 1920,
Lenin advertiu os delegados de que não existem situações “absolutamente sem
esperança” para a classe dominante.
A tentativa de “provar”
desesperança “absoluta” de maneira adiantada é pedantismo vazio ou malabarismo
com conceitos e palavras. Apenas a experiência pode oferecer uma “prova” real
dessa ou de questões similares. A ordem burguesa está agora enfrentando uma
crise revolucionária excepcional ao redor de todo o mundo. Nós precisamos agora
“provar” através da prática dos partidos revolucionários que eles são
suficientemente conscientes, que eles possuem organização suficiente, ligações
com as massas exploradas, determinação e entendimento para utilizar essa crise
para uma revolução bem sucedida e vitoriosa. [7]
15. A advertência de Lenin
foi confirmada tragicamente. Nos anos e décadas que se seguiram à Revolução de
Outubro, não faltaram situações revolucionárias que criaram a possibilidade da
classe trabalhadora tomar o poder. Apesar de duas guerras mundiais
devastadoras, revoltas populares em massa ao redor do globo e numerosos
episódios de severa instabilidade econômica e colapso total do sistema, a
sobrevivência do capitalismo no século XX pode ser atribuída, o limite, à ausência
de uma necessária liderança política revolucionária na classe trabalhadora.
16. Com o início da Primeira
Guerra Mundial, os partidos sociais-democratas da Segunda Internacional
passaram para o lado do imperialismo, aceitaram o programa de “defesa nacional”
e traíram o levante revolucionário pós-guerra da classe trabalhadora. Na União
Soviética, o crescimento da burocracia stalinista levou à destruição da
Terceira Internacional (Internacional Comunista). O programa stalinista de
“socialismo em um país”, desvelado em 1924, levou à subordinação da Terceira
Internacional aos interesses nacionais do estado soviético conforme determinado
pela burocracia dominante.
17. A transformação dos
partidos sociais-democratas e stalinistas em agências políticas do imperialismo
levou à derrotas devastadoras da classe trabalhadora internacional nos anos
1920 e 1930. As piores dessas derrotas foram a destruição do Partido Comunista
Chinês em 1927, a
vitória dos nazistas em 1933 e o esmagamento do movimento socialista na Alemanha,
e a traição da Revolução Espanhola e a chegado ao poder do regime fascista de
Franco (1936 – 1939).
18. Em 1938, Leon Trotsky fundou
a Quarta Internacional. A fundação da Quarta Internacional foi a culminação de
sua luta política, iniciada em 1923, contra a perversão nacionalista do
socialismo pelo regime stalinista, a supressão da democracia dos trabalhadores,
e o abandono do programa da revolução socialista mundial. No documento de
fundação da nova Internacional, Trotsky identificou a “crise da liderança
revolucionária” como o problema central da transição do capitalismo ao
socialismo.
19. Oitenta anos depois, em um
novo período de crescente crise global do sistema capitalista e uma cada vez
maior militância da classe trabalhadora, a questão precisa ser levantada: quais
são as possibilidades para a resolução da crise da liderança revolucionária? É
possível que a Quarta Internacional conquiste a confiança das seções avançadas
da classe trabalhadora, da juventude socialmente consciente e dos elementos
mais progressivos entre a intelligentsia, e lidere as lutas de massa da
classe trabalhadora para a vitória na revolução socialista mundial?
20. A resposta a essa questão
requer que o estudo do problema seja colocado em um contexto histórico mais
amplo.
21. Outro aniversario será
comemorado este ano: os 50 anos dos eventos de Maio-Junho de 1968, a greve geral em
massa que trouxe a França capitalista à beira de uma revolução socialista. Os
eventos de 1968 ainda ressoam na imaginação popular: além dos protestos em
massa e a greve geral na França, foi o ano da Ofensiva do Tet no Vietnã,
extrema instabilidade nos Estados Unidos (expressa em dois assassinatos
políticos e no surgimento de revoltas em grandes cidades americanas), e a
Primavera de Praga anti-stalinista na Checoslováquia, que foi suprimida em
Agosto pela intervenção armada da URSS e o Pacto de Varsóvia.
22. Os eventos de 1968 colocaram
em movimento um processo de radicalização da classe trabalhadora internacional.
O período entre 1968 e 1975 foi marcado pelo maior movimento revolucionário
internacional da era pós-Segunda Guerra Mundial, incluindo ondas de greves na
Itália, Alemanha, Grã-Bretanha, Argentina e nos Estados Unidos. Os
sociais-democratas formaram seu primeiro governo na Alemanha desde a vitória
dos nazistas de Hitler. O governo de Allende chegou no poder no Chile em
Setembro de 1970. Uma greve de mineiros na Grã-Bretanha no inverno de 1973-74
forçou a renúncia do governo conservador Tory. A junta militar grega foi
derrubada em Julho de 1974. Encarando o impeachment, Richard Nixon renunciou a
presidência americana em Agosto de 1974. O regime fascista que havia estado no
poder em Portugal desde 1926 entrou em colapso em Abril de 1975. A morte de Franco em
Novembro de 1975 expôs a fragilidade, não apenas da velha ditadura, mas do
governo capitalista na Espanha. Movimentos anti-imperialistas poderosos de
libertação nacional varreram o Oriente Médio e a África.
23. E ainda assim, apesar do
escopo internacional dessas lutas de massas, o sistema capitalista não apenas
sobreviveu às revoltas, como foi capaz de infligir derrotas (como na derrubada
do regime de Allende no Chile em 1973) e criar a base para um contra-ataque
sobre a classe trabalhadora. Isso foi iniciado pela classe dominante no final
dos anos 1970 com a chegada ao poder de Margaret Thatcher no Reino Unido
(seguida logo depois pela eleição de Ronald Reagan nos EUA).
24. A sobrevivência do
capitalismo em meio às mudanças globais entre 1968 e 1975 dependeu, acima de
tudo, do fato de que os partidos stalinistas e sociais-democratas e os
sindicatos ainda eram forças dominantes nos movimentos de trabalhadores de
massas da época. Com milhões de membros, eles empregaram seu poder burocrático
para restringir, desviar, minar, e, onde necessário, orquestrar a derrota das
lutas da classe trabalhadora. O regime stalinista na União Soviética e o regime
maoísta na China falsificaram sistematicamente o marxismo e usaram todos os
recursos à sua disposição para subverter movimentos revolucionários que
ameaçavam seus esforços para melhorar as relações com os Estados Unidos e
outras potências imperialistas. Nos países atrasados, os regimes stalinistas e
maoístas buscaram manter a influência de vários movimentos burgueses nacionais
sobre a classe trabalhadora, assim minando a luta contra o capitalismo e o
imperialismo.
25. Durante esse período crítico,
o Comitê Internacional da Quarta Internacional lutou contra a influência
política do stalinismo, da social-democracia e do nacionalismo burguês. Mas o
fez sob condições de extremo isolamento político que foram impostas sobre o
Comitê Internacional não apenas pelas grandes organizações burocráticas dos
sociais democratas e dos stalinistas, mas também pelo papel político sinistro
das organizações oportunistas que haviam rompido com o Trotskismo nos anos 1950
e no começo dos anos 1960.
26. Nomeadas em referência ao
principal teórico do revisionismo anti-trotskista, as organizações Pablistas
rejeitaram especificamente a necessidade de construir partidos revolucionários
independentes da classe trabalhadora baseados no programa da Quarta
Internacional. Michel Pablo e seu principal companheiro político, Ernest
Mandel, rejeitaram a caracterização de Trotsky da burocracia stalinista como
contrarrevolucionária. Eles defendiam que a burocracia soviética, sob pressão
dos eventos objetivos e do movimento espontâneo das massas, poderia ser
compelida à levar adiante políticas revolucionárias. Da mesma maneira, a
pressão de eventos objetivos poderia compelir os sociais-democratas e os
nacionalistas burgueses a assumirem um papel revolucionário.
27. A conclusão que seria
tirada desse amplo revisionismo do Trotskismo era de que não seria necessário
construir a Quarta Internacional. Os Pablistas encontraram e glorificaram
incontáveis “alternativas” ao Trotskismo, como Fidel Castro em Cuba e Ben Bella
na Argélia. Por se recusar a aceitar a liquidação política da Quarta
Internacional, os Pablistas denunciaram o Comitê Internacional como sendo
“sectários de extrema-esquerda”.
28. Cinquenta anos atrás, os
sociais-democratas, os stalinistas, os maoístas, e vários formas do nacionalismo
burguês exerciam enorme influência sobre a classe trabalhadora e movimentos
anti-imperialistas de massas. Mas o que resta dessas organizações hoje?
29. A União Soviética não
existe mais, e a rede global de partidos stalinistas em grande medida
desapareceu. Na China, o Partido Comunista é a organização política e de estado
da elite dominante capitalista. Os partidos sociais-democratas são praticamente
indistinguíveis dos partidos burgueses mais de direita. Em lugar nenhum os
trabalhadores os veem como defensores dos seus interesses. Na medida em que os
sociais-democratas tentam preservar um pingo de credibilidade executando um
blefe para a esquerda (i.e., Corbyn na Grã-Bretanha), esse movimento
fraudulento será exposto como uma farsa assim que alcançar o poder político,
como ocorreu na Grécia.
30. Com relação aos movimentos
nacionalistas burgueses, nada resta de suas pretensões anti-imperialistas e
anti-capitalistas. A evolução do Congresso Nacional Africano, que se tornou o
partido governante da África do Sul – defendendo implacavelmente os interesses
dos ricos e fuzilando trabalhadores em greve –, é a expressão mais ilustrativa
da trajetória histórica e da essência de classe do nacionalismo burguês.
31. Finalmente, as organizações
Pablistas, junto com os vários movimentos que compõem a pseudo-esquerda,
integraram-se ao establishment político burguês. O Syriza (A Coalizão Radical
de Esquerda), na Grécia, é a maior expressão dessa integração, que desde sua
chegada ao poder, em 2016, impõe as medidas de austeridade e as políticas
anti-imigrantes exigidas pelos bancos europeus.
32. A explicação para o
colapso político e o fim dessas organizações se encontra na contradição
profundamente enraizada entre seus programas nacional-reformistas provinciais e
o desenvolvimento do capitalismo como um sistema econômico globalmente
integrado.
33. O elemento político comum das
organizações stalinistas, maoístas, sociais-democratas, burguesas nacionalistas
e Pablistas oportunistas era a dependência de seus programas da possibilidade
de alcançar reformas dentro do quadro econômico do estado nacional. Conforme o
processo de globalização econômica se acelerou nos anos 1980, a perspectiva e o
programa dessas organizações nacionais perdeu toda sua viabilidade.
34. O potencial para a resolução
bem-sucedida da crise da liderança da classe trabalhadora reside no alinhamento
do programa do Comitê Internacional da Quarta Internacional com o processo
objetivo de desenvolvimento econômico global e o desenvolvimento internacional
da luta de classes. Essa é a base real para a vasta mudança, desde 1968, na
relação de forças políticas entre o Trotskismo, conforme representado pelo
Comitê Internacional da Quarta Internacional, e todos os representantes
políticos do anti-marxismo e do pseudo-esquerdismo.
35. Trinta anos atrás, depois da
expulsão dos remanescentes finais do oportunismo Pablista da Quarta
Internacional, o Comitê Internacional desenvolveu a análise política
internacional que guiaria seu trabalho nas décadas que se seguiram. Essa perspectiva,
publicada em 1988, insistia que partidos revolucionários da classe trabalhadora
poderiam ser desenvolvidos apenas através de um programa internacional que
correspondesse às tendências objetivas do desenvolvimento capitalista. Ela
explicava que o “desenvolvimento massivo das corporações transnacionais e a
integração global resultante da produção capitalista produziram uniformidade
sem precedentes nas condições dos trabalhadores do mundo”. [8]
36. O Comitê Internacional tirou
dessa análise a seguinte conclusão estratégica:
Há muito tempo tem sido um
princípio básico do marxismo que a luta de classes é nacional apenas em
sua forma, mas que é, em essência, uma luta internacional. Entretanto,
dadas as novas características do desenvolvimento capitalista, mesmo a forma da
luta de classes precisa assumir um caráter internacional. Mesmo as lutas mais
elementares da classe trabalhadora colocam a necessidade de coordenar suas
ações em uma escala internacional. [9]
37. No Décimo Terceiro Congresso
Nacional da Liga dos Trabalhadores (antecessora do Partido Socialista pela
Igualdade nos Estados Unidos) em Agosto de 1988, as implicações práticas dessa
análise foram explicadas:
A busca por soluções nacionais
para a crise internacional leva inevitavelmente à subordinação de cada
movimento nacional trabalhista às políticas de guerra comercial da burguesia.
Não há saída para esse impasse exceto através do internacionalismo
revolucionário, e nós dizemos isso não como uma frese de efeito. A suprema
tarefa estratégica que enfrenta o movimento Trotskista é a unificação da classe
trabalhadora de todo o mundo no que Trotsky uma vez se referiu como “uma única
organização internacional proletária de ação revolucionária possuindo um centro
mundial e uma orientação política mundial”.
Nós não concebemos isso como
algum tipo de missão utópica. Nossa análise científica da época e da natureza
da crise mundial atual nos convence não apenas que essa unificação do
proletariado é possível; mas também que apenas um partido cujo trabalho diário
é baseado nessa orientação estratégica pode se tornar enraizado na classe
trabalhadora. Nós antecipamos que o próximo estágio das lutas proletárias vai
se desenvolver inexoravelmente, sob a pressão combinada das tendências
econômicas objetivas e a influência subjetiva dos marxistas, através de uma
trajetória internacionalista. O proletariado vai tender cada vez mais a se
definir na prática como uma classe internacional; e os internacionalistas
marxistas, cujas políticas são a expressão dessa tendência orgânica, cultivarão
esse processo e darão à ele forma consciente. [10]
38. A partir dessa análise, o
Comitê Internacional implementou mudanças significativas no seu trabalho
organizacional e prático. Até 1995 as seções do Comitê Internacional existiam
como ligas. Em Junho daquele ano, a Liga dos Trabalhadores nos Estados
Unidos estabeleceu o Partido Socialista pela Igualdade, uma mudança na forma
organizativa que expressava, em meio à crise e o colapso das velhas
organizações burocráticas de massas, a emergência de uma nova relação entre a
tendência marxista revolucionária e a classe trabalhadora. A escolha do nome
para o novo partido identificou a luta pela igualdade como o grande objetivo do
socialismo e antecipou a raiva popular contra a desigualdade capitalista. Nos
meses que se seguiram, todas as seções do Comitê Internacional realizaram a
mesma reorganização política. Seguindo a transformação das velhas ligas em
partidos, o Comitê Internacional adotou uma nova forma de trabalho político,
utilizando a tecnologia de comunicações associada com o desenvolvimento da
internet. O lançamento do World Socialist Web Site, quase exatamente vinte
anos atrás, em Fevereiro de 1998, foi uma iniciativa política verdadeiramente
revolucionária. Como o Comitê Internacional explicou:
Nós estamos confiantes de que
o WSWS se tornará uma ferramenta sem precedentes para a educação
política e a unificação da classe trabalhadora em escala internacional. Ele
ajudará trabalhadores de diferentes países a coordenar suas lutas contra o capital,
assim como as corporações transnacionais organizam sua guerra contra o trabalho
através das fronteiras nacionais. Ele facilitará a discussão entre
trabalhadores de todas as nações, permitindo-os comparar suas experiências e
elaborar uma estratégia comum.
O CIQI espera que a audiência
mundial do World Socialist Web Site cresça conforme a internet se
expanda. Como uma forma rápida e global de comunicação, a internet tem
implicações democráticas e revolucionárias extraordinárias. Ela pode permitir a
uma audiência em massa ganhar acesso aos recursos intelectuais do mundo, desde
bibliotecas e arquivos até museus. [11]
39. A publicação diária
do World Socialist Web Site ao longo de um período de 20 anos é, por
qualquer medida objetiva, uma conquista política extraordinária. A capacidade
do quadro do Comitê Internacional de sustentar a publicação por um período tão
extenso, sem perder um único dia programado de publicação, atesta sua
clareza teórica e política e sua grande união e força organizacional. Não há
outra publicação no mundo que relembre mesmo remotamente o World Socialist
Web Site. Ele é não apenas a única publicação socialista de referência,
analisando e comentando sobre os eventos principais do dia. É também o
estrategista e a tribuna da classe trabalhadora em luta.
40. Ao longo do ano passado, o
Google tentou colocar em uma lista negra e censurar o World Socialist Web
Site. Esses esforços não estão dando certo. O número de leitores do WSWS continua
aumentando. Ele está ganhando força do movimento emergente da classe
trabalhadora e da juventude.
41. O passado é prólogo. Todo o
trabalho teórico, político e prático do Comitê Internacional foi a preparação
para o ressurgimento da luta de classes internacional. A tarefa mais importante
é a de construir uma liderança revolucionária, sistematicamente,
conscientemente e agressivamente. É sobre essa tarefa que uma resolução
progressiva para a questão básica encarando a humanidade – socialismo ou
barbárie – depende. O desafio de 2018 é de expandir o trabalho do Comitê
Internacional da Quarta Internacional, estender o alcance de suas seções entre
trabalhadores e a juventude que começam a lutar, conquistar novas forças para o
programa da Revolução Socialista Mundial, e assumir a educação deles a partir
da história e da perspectiva científica mundial do marxismo. O Comitê
Internacional da Quarta Internacional celebrará o bicentenário do nascimento de
Karl Marx de acordo com a sua máxima mais famosa:
“Os filósofos apenas
interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o objetivo, entretanto, é
transformá-lo”.
*Publicado originalmente em 03 de
Janeiro de 2018
Referências:
[1] Karl Marx, em Collected
Works, Volume 20 (Moscou, 1964), p. 50
[2] Carta de Karl Marx para
Joseph Weydemeyer, 5 de Março de 1852, publicada em Marx-Engels Collected
Works (Nova Iorque, 1983), Volume 39, pp. 64–65
[3] “Richest 1% own half the
world’s wealth, study finds”, publicado em
https://www.theguardian.com/inequality/2017/nov/14/worlds-richest-wealth-credit-suisse
[4] “World’s Wealthiest Became $1
Trillion Richer in 2017”,
publicado em
https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-12-27/world-s-wealthiest-gain-1-trillion-in-17-on-market-exuberance
[5] https://www.theguardian.com/inequality/2017/nov/14/worlds-richest-wealth-credit-suisse
[6] Ludwig Feuerbach and the
End of Classical German Philosophy, publicado em Marx-Engels Collected
Works, Volume 26 (Moscou, 1990), pp. 358-59
[7] The Second Congress of
the Communist International, Volume 1 (Londres, 1977), p. 24
[8] “The World Capitalist Crisis
and the Tasks of the Fourth International”, Fourth International, Volume
15, Nos. 3-5, Julho-Dezembro 1988, p. 4
[9] Ibid
[10] David North, “Report to the
Workers League Thirteenth National Congress”, Fourth International, Vol.
15, Nos. 3-4, Julho-Dezembro 1988, pp. 38-39
[11] https://www.wsws.org/en/special/about.html