Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Esperança, diz-se muitas vezes, é
o mínimo que podemos desejar uns aos outros na véspera do novo ano.
Para milhões e milhões de seres
humanos, velhos e novos, que se encontram acantonados, despidos de bens, de
direitos, de instrumentos para ação e de condições mínimas para encarar o
futuro, a recuperação da esperança poderá constituir o presente mais valioso.
Mas isso só será possível se outros, voluntariamente ou obrigados, iniciarem a
reposição dos roubos que lhes fizeram.
A esperança é indispensável para
podermos vencer os medos vindos dos bloqueios, das nuvens negras dos tempos que
estamos vivendo, dos velhos e novos "desafios mágicos" colocados às
sociedades humanas, muitas vezes apresentados apenas nas suas variáveis
apocalíticas com o propósito de nos subjugarem e aprisionarem. Esperança ativa
construída a partir da inteligência e das capacidades de cada ser humano -
convocado para agir individual e coletivamente - porque é a partir daí que se
gera a confiança, a ousadia sustentada em valores, capaz de realizar a mudança
radical, de transformar a sociedade, de catapultar-nos para vidas mais felizes.
Procuremos ousar exigir que os
discursos militaristas e belicistas a ocidente e a leste, a norte e a sul não
se transformem em escaladas de rearmamento e de guerra sempre iminente, e que
diminua a imensidão de conflitos armados e de situações de sofrimento em que se
encontram muitos povos. É possível valorizar e credibilizar a política pela
participação dos cidadãos e pela exigência aos atores políticos de comportamentos
com ética, rigor e empenho no bem comum. Está ao nosso alcance colocar o poder
político a sobrepor-se ao poder económico e financeiro e a política ao serviço
da paz, da construção do Estado social de direito democrático.
Vamos ter a esperança ativa de
que alguma coisa seja feita para evitar uma nova crise financeira, em vez de se
esperar por ela como se de uma fatalidade se tratasse; de que as alterações
climáticas possam ser reconhecidas e combatidas, no pouco tempo que ainda temos
para o fazer; de que não continue a aumentar o número de cidadãos que, em
desespero, se deixam levar pelo fanatismo autoritário dos novos messias
políticos da Direita e da extrema-direita que vêm alimentar o racismo, a
xenofobia, o ódio entre grupos de pessoas e povos.
Vamos ter a esperança de que em
Portugal não ocorra um retrocesso. Que seja possível continuar a desejar e a
conseguir mais emprego e menos desemprego, salários dignos e menos
desigualdades, mais e melhor justiça e serviços públicos capazes de responder
às necessidades de todos, menos apropriação do que é de todos por interesses
privados poderosos, menos emigração e mais regressos dos que foram expulsos
para o estrangeiro contra a sua vontade.
Pode parecer que nos votos de ano
novo como estes todos, ou quase, estamos de acordo. Que não há aqui política,
nem de Esquerda, nem de Direita. Infelizmente, não é assim. Para se conseguir
que os povos (e cada ser humano) tenham condições e razões para ter esperança é
preciso contrariar muita coisa e vencer, em batalhas bem duras, interesses
poderosos, egoísmos e muitos indivíduos que atribuem a si mesmos o direito a
explorar uma imensidão de homens e mulheres. Estes votos de esperança
convidam-nos a construir identidades coletivas, a afirmar a solidariedade transformadora,
a combater o individualismo exacerbado e a pobreza, a uma luta sem tréguas pela
dignidade e pelos direitos humanos no trabalho. Convidam-nos ao combate
ideológico e à preparação e execução de desafiadores programas sociais e
políticos.
2019 será um ano de escolhas
políticas importantes. Relembremos o que nos disseram nos anos da troika e da
governação da Direita: que a culpa dos problemas que vivíamos era do povo, logo
todos os sacrifícios se justificavam e tínhamos que desistir da esperança. O que
nos dizem agora? Que o problema é a criação de expectativas (ilusões, dizem
eles). E o que nos propõem? Que desistamos da esperança, do sonho de viver
melhor e mais felizes.
A mobilização e a ação cívicas e
um debate político de qualidade podem consolidar, renovar e reforçar
alternativas políticas de esperança, e evitar o retrocesso.
*Investigador e professor
universitário
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