segunda-feira, 2 de julho de 2018

Como socializar o sector bancário

Eric Toussaint, Patrick Saurin [*]

Como os capitalistas demonstraram a que ponto são capazes de cometer delitos e incorrer em riscos – dos quais recusam assumir as consequências – com o único fim de aumentar os seus lucros, como as suas actividades implicam periodicamente um custo extremamente pesado para a colectividade, como a sociedade que queremos construir tem de ser orientada para a procura do bem comum, da justiça social e da reconstituição duma relação equilibrada entre os seres humanos e as outras componentes da natureza, é absolutamente necessário socializar o sector bancário. Tal como propõe Frédéric Lordon, trata-se de realizar «uma desprivatização integral do sector bancário». [1]

Subtrair os cidadãos e os poderes públicos à manápula dos mercados financeiros 

Socializar o sector bancário significa:

  expropriar sem indemnizar (ou mediante uma indemnização simbólica) os grandes accionistas (os pequenos accionistas devem ser indemnizados); 

  atribuir ao sector público o monopólio da actividade bancária , com uma excepção: a existência de um sector bancário cooperativo de pequena dimensão (submetido às mesmas regras fundamentais do sector público); 

  definir – com participação cidadã – uma carta sobre os objectivos a alcançar e sobre as missões a cumprir, que permita pôr o serviço público de poupanças, de crédito e de investimento ao serviço das prioridades definidas segundo um processo de planificação democrática; 

  dar transparência às contas que devem ser apresentadas ao público, num formato compreensível; 

  criar um serviço público de poupanças, de crédito e de investimento , duplamente estruturado, tendo por um lado uma rede de pequenas implantações próximas dos cidadãos, e por outro lado organismos especializados, encarregados da gestão de fundos e do financiamento de investimentos que não sejam assegurados pelos ministérios que tutelam a saúde pública, a educação nacional, a energia, os transportes públicos, as pensões de reforma, a transição ecológica, etc. Os ministérios deverão ser dotados do orçamento necessário ao financiamento dos investimentos relevantes às suas atribuições. Os organismos especializados intervirão nos domínios e nas actividades que excedem as competências e esferas de acção dos ministérios, a fim de assegurar o bom funcionamento conjunto.

Imaginemos o que isto significa, em termos concretos: os bancos privados desaparecem, ou seja, após a expropriação (com indemnização dos pequenos accionistas), os seus trabalhadores são reafectados ao serviço público bancário, mantendo os direitos de antiguidade, o salário (até um máximo regulado, a fim de limitar fortemente os salários demasiado elevados e aumentar os salários baixos, de forma a reduzir o leque salarial) e com melhoria das condições de trabalho (abandono do benchmarking [2] e das práticas de venda obrigatória). É posto em prática um novo sistema de contratação que respeite as normas de contratação dos funcionários públicos.

Bancos ao serviço dos cidadãos 

Trata-se de pôr fim a uma situação em que abunda a concorrência de agências bancárias nas grandes metrópoles e faltam sucursais nas pequenas cidades, vilas e bairros populares; de desenvolver uma rede densa de agências locais, a fim de melhorar bastante o acesso aos serviços bancários e de seguros, com pessoal competente para responder às necessidades dos utilizadores, de acordo com as missões do serviço público. Ninguém poderá ser excluído do acesso ao serviço público bancário, que deve ser gratuito.

As agências locais de serviço público ficarão encarregues de gerir as contas correntes e receberão as poupanças dos utilizadores, que serão plenamente garantidas. As poupanças serão geridas sem incorrer em riscos; serão afectadas, sob controlo cidadão, ao financiamento de projectos locais e de investimentos de maior porte orientados para a melhoria das condições de vida, para a luta contra as mudanças climáticas, o abandono das energias nucleares, o desenvolvimento dos circuitos de proximidade, o financiamento do ordenamento do território com respeito rigoroso pelas normas sociais e ambientais, etc. Os aforradores poderão escolher os projectos que gostariam de financiar com as suas poupanças.

As agências locais concederão créditos isentos de risco às pessoas, às famílias, às pequenas e médias empresas (PME) e a estruturas privadas locais, a associações, colectividades locais e estabelecimentos públicos. Poderão afectar uma parte dos seus recursos a projectos de maior escala que os de nível local, naturalmente dentro do quadro de uma política concertada.

Bancos ao serviço da colectividade 

O facto de as agências locais gerirem meios financeiros de volume considerável, para aplicação local ou para projectos mais vastos que serão apresentados de forma precisa (sendo estabelecido um calendário de programação e instrumentos de acompanhamento que permitam controlar com clareza o uso dos fundos e a boa execução dos projectos) irá facilitar o controlo dos diversos protagonistas.

Os projectos locais a financiar serão definidos de forma democrática, com o máximo de participação cidadã.

As agências locais terão igualmente o encargo de fazer contratos de seguros a pessoas colectivas e individuais.

Apoiar a transição para uma economia social, sustentável e ecológica 

Por seu lado, os ministérios encarregados da saúde pública, da educação nacional, da energia, dos transportes públicos, das reformas, da transição ecológica, etc., deverão dispor de meios de financiamento provenientes do orçamento de Estado.

Instituições transversais especializadas intervirão nos domínios e nas actividades que excedam as competências e as esferas de acção de cada ministério. Competir-lhes-á assegurar missões específicas ou transversais definidas com participação cidadã, como no caso do abandono total do programa nuclear, incluindo o tratamento seguro dos desperdícios nucleares a longo prazo.

O sector bancário socializado permitirá reconstituir um circuito virtuoso de financiamento dos poderes públicos: estes poderão emitir títulos, que serão adquiridos pelo serviço público sem passar pelos ditames dos mercados financeiros.

Muitos aspectos do projecto que ficam agora por elaborar devem ser decididos colectivamente, estamos apenas na fase preparatória da montagem de um sistema completamente novo. Isto exige um ambicioso trabalho colectivo que ponha em cima da mesa ideias e propostas. É um trabalho que ainda mal começou.

Controlo cidadão a todos os níveis 

Controlo cidadão: controlo exercido pelos trabalhadores, utentes, eleitos locais, representantes das pequenas, médias e microempresas, artesãos e outros trabalhadores independentes, delegados do sector associativo.

A este controlo cidadão junta-se o controlo exercido pelas autoridades de regulação bancária.

Preferimos a palavra "socialização" à palavra "nacionalização" ou "estatização" para indicar claramente a que ponto é essencial o controlo cidadão, com partilha de decisões entre dirigentes, representantes dos assalariados, clientes, associações, eleitos locais, que vêm completar o controlo dos representantes das instâncias bancárias públicas nacionais e regionais. Por isso é preciso definir de maneira democrática o exercício de um controlo cidadão activo.Além disso é preciso encorajar o exercício de um controlo das actividades da banca pelos trabalhadores do sector bancário e a sua participação activa na organização do trabalho. É necessário que as direcções dos bancos emitam anualmente um relatório público da sua gestão, apresentando-o de forma transparente e compreensível. É preciso privilegiar um serviço de proximidade e de qualidade que rompa com as políticas de terceirização [recurso a serviços externos] actualmente praticadas. É preciso encorajar o pessoal dos estabelecimentos financeiros a assegurar à sua clientela um autêntico serviço de aconselhamento e erradicar as políticas comerciais de venda forçada.

A socialização do sector bancário e dos seguros e a sua integração nos serviços públicos permitirá:

  subtrair os cidadãos e os poderes públicos à manápula dos mercados financeiros; 

  financiar os projectos dos cidadãos e dos poderes públicos;

  dedicar a actividade bancária ao bem comum, tendo por missão, entre outras, facilitar a transição de uma economia capitalista, produtivista e prejudicial à economia social, para uma economia social, sustentável e ecológica.

Por considerarmos que a moeda, as poupanças, o crédito, a segurança dos saldos monetários e a preservação da integridade dos sistemas de pagamento têm a ver com o interesse geral, preconizamos a criação de um serviço público bancário por meio da socialização da totalidade das empresas do sector bancário e dos seguros.

Como os bancos são hoje em dia um instrumento essencial do sistema capitalista e de um modo de produção que saqueia o planeta, gera uma distribuição desigual dos recursos, provoca guerras, aumenta a pobreza, corrói a cada dia que passa os direitos sociais e ataca as instituições e as práticas democráticas, é essencial arrebatar o seu controlo e transformá-los em instrumentos úteis ao serviço da colectividade.

A socialização do sector bancário não pode ser vista como um slogan ou uma reivindicação auto-suficiente, graças à qual as administrações se dedicariam depois de terem entendido o seu sentido e bondade. Tem de ser concebida como um objectivo político a alcançar no quadro de um processo que envolve a dinâmica cidadã. É preciso não só que os movimentos sociais organizados (entre os quais os sindicatos) façam dele uma prioridade das suas agendas e que os diversos sectores (colectividades locais, pequenas e médias empresas, associações de consumidores, etc.) caminhem nesse sentido, mas também – e sobretudo – que os empregados e empregadas da banca sejam sensibilizados para o papel do seu ofício e para o interesse que teriam em ver os bancos socializados; que os utentes sejam informados no local onde se encontram (exemplo: ocupação de agências bancárias por toda a parte no mesmo dia), a fim de participarem directamente na definição do que deve ser a banca.

A socialização do sector bancário e o apoio popular, condições necessárias à mudança de modelo 

Só as mobilizações de grande dimensão podem garantir que a socialização do sector bancário é realizada na prática, pois essa medida afecta o coração do sistema capitalista.

Se um governo de esquerda se abstiver de tomar tal medida, a sua acção não poderá provocar uma verdadeira mudança radical, necessária para acabar com a lógica do sistema capitalista e desencadear um novo processo de emancipação. A subtracção do sector bancário aos capitais privados é uma incontornável condição prévia à aplicação de um programa económico que rompa com o capitalismo e a sua lógica.

A socialização do sector bancário e dos seguros é um ponto fundamental de um projecto muito mais vasto, que inclui outras medidas que permitem desencadear a transição para um modelo pós-capitalista e pós-produtivista. Tal programa deveria ter uma dimensão europeia, mesmo que o seu arranque apenas partisse de um pequeno número de países. Esse programa incluiria nomeadamente o abandono das políticas de austeridade, a anulação das dívidas ilegítimas, a aplicação de uma reforma fiscal, juntamente com uma forte taxação do capital, a redução generalizada do tempo de trabalho (com contratações compensatórias e manutenção do salário), a socialização do sector energético, da água e da saúde, medidas para assegurar a igualdade entre homens e mulheres, o desenvolvimento dos serviços públicos e a protecção social, assim como a execução de uma política resoluta de transição ecológica.

Hoje em dia, a socialização integral do sistema bancário e de seguros é uma urgente necessidade económica, social, política e democrática.

Notas 
[1] Frédéric Lordon, "L'effarante passivité de la "re-régulation financière"", in Changer d'économie , dos economistas aterrados, Les Liens Qui Libèrent, 2011, 242 p. Acrescentemos que a socialização integral do sector bancário é reconizada pelo sindicato francês Sud BPCE. 

[2] O benchmarking é um instrumento de vigilância cujos resultados, acessíveis a todos em permanência, são comparados continuamente através de uma classificação que estigmatiza os trabalhadores acusados de menor desempenho. É uma técnica de administração pelo stress, muito praticada nas grandes empresas, com vista a gerar uma competição malsã.

[*] Eric Toussaint: docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.   É autor do livroBancocratie , ADEN, Bruxelles, 2014, Procès d'un homme exemplaire , Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d'œil dans le rétroviseur. L'idéologie néolibérale des origines jusqu'à aujourd'hui , Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política , Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie , Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.   Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública , criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015. Após a sua dissolução, anunciada a 12/11/2015 pelo novo presidente do Parlamento grego, a ex-Comissão prosseguiu o trabalho sob o estatuto legal de associação sem fins lucrativos.

A tradução de Rui Viana Pereira encontra-se em www.cadtm.org/Como-socializar-o-sector-bancario

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

Brasil | O principal objetivo da luta

Zillah Branco* | opinião

O mundo apresenta hoje um cenário de guerra, com as contínuas ameaças feitas pelo imperialismo a várias nações, de invasão territorial ou apropriação pela via econômica e política, das riquezas naturais e da capacidade produtiva da sua população explorada e escravizada. Os que fogem em busca de sobrevivência e paz, enfrentam os grupos organizados como terroristas, traficantes, agentes de organizações criminosas da prostituição e da venda de órgãos ou de escravos (instrumentos do imperialismo).

A emigração forçada vai deixando um rasto de morte por afogamento nos mares em que transitam em barcos improvizados por esses agentes do imperialismo e chegam miserabilizados, como se fossem gado, às barreiras criadas pelos países mais ricos (cercas de arame farpado, forças policiais, muros, recusa alfandegária, armas apontadas). As discussões políticas governamentais, instigadas pelos movimentos rascistas, xenófobos, elitistas, economicistas, dos seus partidos conservadores, apresentam argumentos numéricos para restringir a entrada possível de mão de obra barata na sociedade organizada para servir a sua elite.

O tema "humanismo" não existe, a não ser como recurso demagógico em certos momentos de confronto com a opinião pública nacional ou internacional para manter o poder estruturado como previa a ONU. E, em consequência, os valores éticos e princípios relativos ao respeito humano, à honestidade, à fraternidade, à igualdade e à liberdade, ficam excluídos no cálculo aritmético dos interesses políticos.

É um regime fascista imperante. E, em função dos seus objetivos de poder, a mídia é organizada para formar uma consciência robotizada nas novas gerações com a cultura da desumanização que será aplicada nos serviços públicos privatizados. Alteram os conceitos de pedagogia nas escolas, de tratamento nos serviços médicos, de remuneração na legislação do trabalho, de previdência na segurança social, com repercussão na construção de cidades, de transportes, de habitações, de condição de vida e lazer. Quem é escravo não necessita o mesmo que a elite. Quem é gado sobrevive para ser escravo.

O Brasil caminha a passos largos para este modelo desde o golpe encabeçado por Temer em 2016. A herança democrática e os recursos econômicos deixados pelos governos de Lula estão sendo destruídos enquanto o Estado vai deixando escoar a justiça pelo ralo do direito instituido como terceiro poder. As forças de segurança agem com a mesma independência outorgada ao sistema judicial. O cidadão brasileiro não tem a quem recorrer. A literatura sobre a instauração do fascismo na Alemanha de Hitler explica em detalhes uma situação semelhante à que os brasileiros hoje suportam.

Uma amostra desta degradação institucional e política do regime atual, foi dada pelo programa midiático da TVCultura, Roda-Viva, ao entrevistar Manuela D'Avila pré-candidata à Presidência da República, na noite de 25/06/18. Utilizaram todos os recursos da baixeza depravada como técnica "profissional" para montar um circo com grande visibilidade e impedir que Manuela fosse ouvida e vista na sua grandeza pessoal e política. Falharam, para os que ainda conservam a sensibilidade de quem conhece a liberdade e o sentido humano. Graças a uma mídia paralela pode-se estender esta compreensão saudável e humanista ao povo que tem a consciência de luta desperta.

Esta lamentável e degradande exibição da TVCultura terá ferido a integridade de alguns profissionais e de personalidades que tenham um pensamento conservador? Serão considerados heróis pelos golpistas e seus seguidores?

Nesse processo fascizante que se alastra mundialmente muitas consciências despertam quando percebem onde leva esta escada rolante da dissolução dos princípios fundamentais da ética, da justiça, do humanismo, da solidariedade, da fraternidade, do respeito pela vida social e pela natureza, pela liberdade, pela democracia.

O povo brasileiro tem acordado com os vários sustos que se tornaram mais visíveis desde a ditadura militar de 1964. Depois de um período promissor liderado por Lula, em que conheceu algumas medidas de alívio à miséria e à discriminação social, étnica e de gênero, já somou as centenas de mortes dos seus líderes e as prisões sem provas, portanto arbitrárias, de quem lutou a seu favor dentro do Governo.

Este povo - trabalhadores, estudantes, professores, profissionais liberais, artistas, e suas famílias - há de definir uma plataforma de governo e impor um referendo revogatório de todas as medidas criminosas praticadas contra o patrimônio nacional. Com o desenvolvimento da consciência dos objetivos principais da luta vai estar unido em torno de quem o possa representar dignamente na chefia do Governo.

* Cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.


*Zillah Branco também colabora em Página Global

Portugal | Os deputados têm mais direitos do que os restantes cidadãos?


A ausência de fiscalização das moradas dos deputados é um tratado sobre a falta de transparência do Parlamento. Pior: é a prova de como não existe um escrutínio que respeite os contribuintes.

Luís Rosa | Observador | opinião

“Não incumbe aos serviços da Assembleia da República averiguar (fiscalizar) qual é, na realidade, o local de residência efetiva (habitual) do deputado, sendo a ele que incumbe declarar, para os efeitos em causa, qual é, em cada momento, essa residência.”

Lemos e não acreditamos. Os serviços da Assembleia da República não têm de verificar as moradas do senhores deputados para o pagamento dos subsídios de deslocação depois de inúmeros e espantosos casos (ver aquiaqui, e aqui) de deputados que têm casa em Lisboa mas que recebem ajudas de custo por darem uma morada do seu círculo eleitoral situado fora da Área Metropolitana de Lisboa?

Foi o que a senhora auditora jurídica da Assembleia da República, Maria Isabel Fernandes Costa, defendeu num parecer que mereceu a concordância de Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República. Numa atitude pouco ecologista, a senhora auditora gasta 22 páginas de papel num parecer em boa parte ilegível (como é habitual nos juristas portugueses) sobre o conceito de residência. Sim, leu bem, caro leitor. Saber como se define a residência habitual ou secundária de um deputado merece 22 páginas.

É certo que na pág. 8 há uma definição bastante simples e razoável. Imagine de quem? Do Fisco, claro, que gasta sete linhas a dizer o óbvio: “para as pessoas singulares”, a morada que conta “é o local de residência habitual; para as pessoas coletivas, o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal” logo, daí decorre que, “sendo o domicílio fiscal, em regra e por imposição legal, o local de residência habitual do sujeito passivo e estando este obrigado a respeitar essa identidade, haverá, por princípio, coincidência entre domicílio voluntário geral e o domicílio fiscal”. Simples, não?

Para a senhora auditora, isso não chega. “O domicílio fiscal, sendo um domicílio especial, apenas releva no âmbito das relações jurídico-tributárias”, sendo por isso “inócuo” para o nosso Parlamento.

Daí aquela frase seca acima citada, que, após muita dissertação sobre o que é a “residência habitual”, as “residências habituais alternativas”, a “residência transitória ou ocasional”, aparece na pág. 21. Na prática, significa isso que “incumbe ao deputado indicar qual dessas residências deve ser considerada”, sendo que “não tem qualquer relevância o facto de o deputado ter casa em Lisboa, a menos que o deputado tenha aí a sua residência habitual”.

Acima de tudo, este parecer e a ausência de fiscalização que o mesmo defende é um autêntico tratado sobre a falta de transparência que reina no Parlamento. Pior: é a prova de como os dinheiros públicos que financiam o pagamento dos abonos e ajudas de custo dos deputados continuam sem um escrutínio que respeite os contribuintes que são obrigados a entregar uma parte do seu rendimento ao Estado.

Imagine-se que os cidadãos exigiam os mesmos direitos junto do Fisco ou da Segurança Social? Que uma bonificação ou isenção fiscal também podia depender apenas da palavra do contribuintes? Que uma baixa por doença não necessitava de um atestado médico à priori? Que qualquer prestação social atribuída pela Segurança Social não necessitaria de qualquer tipo de fundamentação, verificação ou fiscalização? Impensável, não é? Aparentemente, essas regras básicas da vida real de qualquer contribuinte ou beneficiário da Segurança Social não se aplicam aos senhores deputados.

O mesmo Estado que, através do seu segundo representante máximo (o presidente da Assembleia da República), considera que não deve verificar a morada dos senhores deputados, é o mesmo Estado que faz tudo o que está ao seu alcance para esmifrar (é a palavra cada vez mais certa) fiscalmente o cidadão de classe média do setor privado. Cobrando impostos, taxas, multas, coimas e tudo o que tiver à mão para angariar receita que pague o monstro que dá pelo nome de despesa pública — a qual ninguém está interessado em reduzir. Provocando um ambiente de medo de qualquer ação da administração fiscal e contributiva. E, mais importante do que isso, invertendo o ónus da prova no que à Justiça Tributária diz respeito para que o cidadão de classe média não tenha outra alternativa senão pagar, pagar, pagar e pagar tudo o que o Estado exige. Mesmo para reclamar judicialmente seja o que for, não tem outra solução senão pagar — no caso, uma caução do valor que pretende impugnar. É assim que se consegue bater recordes de ano para ano sobre o peso da carga fiscal na economia — já vai em 37% do PIB –, apesar dos desmentidos de António Costa.

Esta é uma realidade que não abrange os senhores deputados não conhecem. Até porque, como o Observador noticiou em abril a propósito dos recibos de vencimento divulgados pelo deputado Ascenso Simões (PS), cerca de 47% do rendimento bruto daquele deputado de Vila Real (com casa em Lisboa) corresponde a ajudas de custo e a três subsídios de deslocação estão isentos de impostos. O ato público do deputado socialista custou-lhe críticas dos pares mas fez mais pela transparência do Parlamento do que muitas outras anunciadas com pompa e circunstância.

Porque estes dois pesos e duas medidas são, de facto, uma das maiores causas da quebra da confiança entre representados e representantes e, em última instância, são um dos maiores convites possíveis a um crescimento ainda mais sustentável da abstenção e ao aparecimento de partidos populistas com real poder eleitoral.

Viver na periferia da Europa não significa imunidade ao fenómeno populista. Significa apenas que, como tudo o resto, chegará tarde e a más horas. Mas chegará.

Portugal | Uma proposta surpreendente?

Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

O presidente da CIP fez a promessa de nos surpreender com uma proposta de aumento do salário mínimo nacional (SMN) acima de 600 euros em 2019. Na medida em que não estamos habituados a propostas destas vindas dos patrões, o caso é para nos surpreendermos.
De imediato, outros dirigentes de confederações patronais opuseram-se à ideia. Nada de novo nesta reação: há muitos empresários que só sabem apostar nos baixos salários; e existem setores inteiros que têm o SMN como salário geral. Trata-se de patrões e setores de que muito pouco se pode esperar para se alterar positivamente o perfil da economia portuguesa.

O valor imaginado por António Saraiva terá significado? Pode até não passar de propaganda enganosa e espera-se que não seja moeda de troca para alterações regressivas na legislação do trabalho. De qualquer forma, interroguemo-nos sobre o que pode justificar aquela disposição para aumentar o salário mínimo. Admitamos, assim, que há associações e dirigentes patronais preocupados, de facto, com os efeitos negativos vindos da prevalência de salários baixos. Admitamos também, que agirão por uma boa razão: encontrar uma resposta eficaz perante os sinais de escassez de oferta de trabalho em alguns ramos de atividade. E deve acrescentar-se que, se tal sinal viesse da indústria, isso seria muito bom, dado o papel influente que esta tem na qualificação do trabalho e do emprego, ainda mais quando, na atualidade, o setor pode incorporar áreas de serviços muito qualificantes.

A escassez de trabalhadores disponíveis de que as associações patronais se queixam, a confirmar-se, será parcialmente consequência da redução do desemprego, mas em grande medida o resultado da persistência de baixos salários. Esta será a novidade que alguns patrões podem agora estar dispostos a expor publicamente.

Sem dúvida, o "mercado de trabalho" na União Europeia (UE) tornou-se mais integrado. As empresas que procuram trabalhadores em Portugal estão a concorrer, mais do que no passado, com empresas em toda a UE e para lá da UE. Num contexto em que os diferenciais salariais não diminuíram (antes aumentaram nos anos da troika), os trabalhadores portugueses, particularmente os mais jovens - que se deparam com o agravamento de custos de habitação e outros que os impede de organizar a vida em Portugal - tendem a comparar as ofertas salariais que lhes são feitas com alternativas disponíveis no plano internacional. Estas, apesar dos inconvenientes do exílio, apresentam-se tentadoras, tanto mais que o desemprego está a diminuir na maioria dos países da UE e estes vêm aumentando os salários. Nestas circunstâncias, os patrões estarão a sentir dificuldade em reter ou atrair trabalhadores. Isto já torna a proposta do presidente da CIP menos surpreendente.

Perante todo o quadro exposto, importa passar à interrogação: o aumento do SMN é o meio mais adequado de resolver o problema da potencial escassez de mão de obra? Parto de uma premissa clara: é imprescindível fazer subir o mais rápido possível o SMN. Contudo, este salário diz respeito apenas a uma parte da força de trabalho - em regra aquela a que se exige menos qualificações - enquanto o problema de escassez de trabalhadores disponíveis diz respeito a todos os níveis de qualificação.

Em Portugal, o SMN tem sido e continuará a ser um importante instrumento de política salarial, mas necessita de ser muito complementado, em particular com a reativação da negociação coletiva. Isso os patrões não propõem. Persistem em mantê-la frágil, em jogar na individualização das relações de trabalho para impedir a recuperação da força e da influência dos sindicatos e para obterem ganhos imediatos. Continuamos com estratégias patronais dominantes que, expressa ou implicitamente, só aceitam melhorar o SMN se ele se tornar cada vez mais o salário da maioria. Tais práticas jamais contribuirão para a resolução do grave problema demográfico que temos, e ajudam os países ricos do centro a aspirarem as capacidades de trabalho das periferias.

*Investigador e professor universitário

O mexicano Obrador, sobretudo ele e a viragem à esquerda dos vizinhos dos EUA


O Expresso Curto logo depois desta curta abertura. Obrador, o México e o resultado das eleições, a viragem à esquerda após 90 anos, e outros temas de interesse é o que vai ter para ler no habitual Curto do Expresso. Deixamos ao seu critério as interpretações do “novelo” escrito por Pedro Cordeiro. Passe bem e seja feliz. (PG)

Tempo de obra ou dor para Obrador

Pedro Cordeiro | Expresso

Buenos días!

À terceira foi de vez. Com promessas de combater a corrupção e levantar os pobres da miséria, Andrés Manuel López Obrador ganhou as presidenciais de ontem no México somando 53% dos votos, segundo dados provisórios do Instituto Nacional Eleitoral (conseguira 35% em 2006 e 31% em 2012, desta vez deixa o rival mais próximo a 30 pontos percentuais de distância). É preciso recuar 36 anos para encontrar triunfo tão retumbante em eleições naquele país. E só recuando 90 anos (em tempos pré-democráticos) se encontra um chefe de Estado mexicano que não venha de uma das duas formações políticas que dominaram as últimas décadas: o Partido Revolucionário Institucional (que governou entre 1929 e 2000 e de 2012 a esta parte e cujo nome sempre me pareceu delicioso oxímoro) e o Partido de Ação Nacional (conservador, no poder entre 2000 e 2012).

Não houve surpresa na vitória de Obrador, conhecido no seu país pelo acrónimo AMLO. É o primeiro esquerdista assumido a ganhar eleições em tempos modernos, num movimento inverso ao do pêndulo político da América Latina de anos recentes, em que conservadores como Sebastián Piñera (Chile), Mauricio Macri (Argentina), Iván Duque (Colômbia), Michel Tmeer (Brasil) ou Pedro Pablo Kuczynski (Peru, entretanto substituído por Martín Vizcarra) substituíram dirigentes mais à esquerda.

AMLO fez o movimento contrário. Deixou o Partido da Revolução Democrática, sob cuja sigla concorrera a anteriores atos eleitorais e que desta feita se aliou ao PAN, e fundou o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), de ideologia mais diluída e retórica antissistema, até no nome. Para ampliar a base, aliou-se aos trabalhistas (esquerda) e ao Partido do Encontro Social, criado por um pastor neo-pentecostal e socialmente conservador. Esta tríplice entente adotou o lema “Juntos faremos História”. Escreve o espanhol “El País” que, se em 2000, quando pela primeira vez voltou costas ao PRI, o México queria alternância, desta vez o que pede é mudança de regime. Para o correspondente do Expresso em Caracas, Daniel Lozano, AMLO representa uma “esquerda atípica”.

Tal bastou para seduzir uma opinião pública mexicana agastada com “os do costume” ou, nas palavras do novo Presidente, “a máfia do poder”; a violência no país, mormente associada ao narcotráfico (vale a pena ler esta reportagem publicada na edição semanal do Expresso), atinge picos (só na campanha para as eleições de ontem, que também foram legislativas e estaduais, houve 130 candidatos assassinados); e para norte perfila-se a sombra de Donald Trump, que será o principal desafio de AMLO no plano internacional. O almejado muro na fronteira (ou a sua conclusão, já que foi iniciado no século passado por Bill Clinton) e o discurso xenófobo do Presidente dos EUA (que insinuou em campanha que os mexicanos eram “violadores”) permitem antecipar tensões. Mas conta “La Jornada”, importante diário mexicano, que Trump estará ansioso por encontrar-se com AMLO.

Ainda assim, existem semelhanças entre AMLO e Trump: ambos foram impelidos por ondas populistas em países fartos do sistema; ambos adotam certa retórica nacionalista; ambos torcem o nariz ao Acordo Norte-Americano de Comércio Livre (NAFTA), embora o mexicano prometa deixá-lo intocado e o estado-unidense nem tanto. A economia foi, aliás, um dos focos de ataque dos adversários de AMLO, que alvitraram que este fará do México uma Venezuela, criando uma economia estatizada e subsidiodependente, e que os choques com Washington (muito embora todos os aspirantes à presidência criticassem Trump) não serão benéficos para o país.

Amanhã AMLO reúne-se com o Presidente cessante, Enrique Peña Nieto (PRI), para iniciar um semestre de transição. Para já, promete unidade, escreve “The Washington Post”, e apela à reconciliação, segundo o relato de outro grande jornal mexicano, “El Universal”. Depois virá a prova dos nove para qualquer líder contestatário: tornar-se ele mesmo a situação, enfiar as mãos na massa e governar. No caso, a crer no escrutínio preliminar, sem maioria absoluta no Senado e na Câmara dos Deputados. Hoje, além de celebrar o êxito nas urnas, é de crer que assista interessado ao Brasil-México, partida dos oitavos-de-final do Mundial de Futebol, a disputar às 15h (hora portuguesa). Com dois ex-campeões mundiais já eliminados (Argentina e Espanha), poderá a seleção mexicana dar uma alegria ao país, mandando para casa a “canarinha”?

OUTRAS NOTÍCIAS

Tensão na “geringonça”. Aquele que se tornou leitmotiv deste e de outros jornais está para durar, como explica a Rosa Pedroso Lima a propósito de declarações de Jerónimo de Sousa. Até às eleições de 2019, prevejo, ou mais além se a fórmula de governo for reeditada. Aproveite-se para recordar, via “público”, a figura de José Manuel Tengarrinha (1932-2018), uma das pessoas que há mais tempo a desejava.

Spannung in der Großen Koalition. O título é o mesmo do parágrafo anterior, mas refere-se à Alemanha e à Grande Coligação entre sociais-democratas e democratas-cristãos que governa o maior país da UE. O ministro do Interior, Horst Seehofer, tenciona demitir-se, informa “The Guardian”. Mais conservador do que Angela Merkel e, sobretudo, mais duro do que a chanceler na política migratória, o também líder da CSU (União Social-Cristã, aliada bávara da CDU de Merkel) não terá ficado satisfeito com o entendimento alcançado no Conselho Europeu da semana passada, que as minhas camaradas Cristina Peres e a Susana Frexes consideraram ter sido “só para italiano ver”. O italiano é o primeiro-ministro Giuseppe Conte, cuja prestação em Bruxelas mereceu críticas a António Costa. Ou talvez seja, por interposto Conte, o ministro do Interior transalpino, Matteo Salvini, líder da xenófoba Liga, que domina o seu país e quer expandir os tentáculos até ao nosso. O certo é que a reunião de quinta e sexta-feira, convocada para aliviar Merkel das divergências no seu Executivo, de pouco serviu. O comunicado final é genérico, nada do que se decidiu obriga qualquer Estado-membro a acolher migrantes e refugiados e já há quem desmintaque tenha havido, sequer, acordo. O assunto é escaldante para a UE. É menos certa a sua sobrevivência (e a do Governo de Merkel, que se arrisca a acompanhar o destino da Mannschaft na Rússia) como a conhecemos do que a previsão de que os barcos não vão parar de chegar.

Já não há quartos para Portugal. Na frente desportiva, o país vive a ressaca da eliminação pelo Uruguai (2-1), sábado à noite. A seleção nacional já regressou a Portugal e o treinador diz-se triste, mas quem hoje vos escreve gostou desta sugestão do “Diário de Notícias”. É um misto de ter idade para recordar décadas (80, 90) em que a qualificação lusa para um grande torneio de futebol era a exceção e não a regra e de querer continuar a vibrar, até dia 15, com o espetáculo do Mundial. Hoje, além do sobredito Brasil-México (SportTV), há o Bélgica-Japão (RTP1, 19h), que opõe um dos onzes mais estimulantes desta edição do campenonato ao potencialmente mais fraco dos participantes nos oitavos-de-final. Amanhã esta fase conclui com o Suécia-Suíça (RTP1, 15h) e o Colômbia-Inglaterra (SportTV, 19h), antes de o Mundial parar por dois dias. Ontem caíram Espanha e Dinamarca, ambas antigas campeãs europeias, a primeira também campeã mundial.

She’s a Material Girl. Afinal Madonna vai pagar 720 euros por mês para usar o terreno que a Câmara Municipal lhe cedeu para estacionar os seus 15 automóveis. Esta história, contada em primeira mão pelo Expresso e que envolveu um primeiro pedido da cantora ao Museu de Arte Antiga, causou perplexidade à oposição autárquica, que exigiu esclarecimentos.

한반도 긴장. Que é como quem diz, tensão na Península. A coreana, entenda-se. Há nos Estados Unidos quem desconfie das boas intenções de Kim Jong-un na sequência do encontro com Trump. O regime norte-coreano estará a ocultar aspetos importantes do programa nuclear (o tal que, diz o americano, já não é problema) e, diz a NBC, a aumentar a produção nas suas instalações. Tudo o que o homem-forte da Casa Branca não desejaria, três semanas após tão amistoso encontro com Kim e a duas de se reunir com Vladimir Putin em Helsínquia. Para já, Trump desvaloriza e fala de “boa química” entre Washington e Pyongyang.

Supremo assunto. A jubilação do veterano e moderado Anthony Kennedy do Supremo Tribunal dos EUA abre caminho à nomeação de um juiz mais consentâneo com os postulados de Trump. A “New Yorker” analisa.

Aux armes, cityoenne. Simone Veil repousa desde ontem no Panteão francês. A Rosa Pedroso Lima evoca esta heroína francesa, homenageada também pelo Presidente francês e com direito ao hino nacional cantado pela soprano Barbara Hendricks. Vale a pena espreitar a fotogaleria de “Le Monde” e refletir sobre o muito que esta mulher deu ao mundo na luta pela igualdade e o muitíssimo por fazer na senda do seu exemplo.

MANCHETES DE HOJE

Jornal de Notícias: “Despesa com medicamentos sempre a subir desde a saída da troika” (ou o fim da austeridade, parte ‘n’)

Correio da Manhã: “Crédito da casa só com 10% na mão” (convém conhecer as novas regras)

Público: “Há 54 presidentes de associações juvenis que têm mais de 60 anos” (60 is the new 18)

i: “Medina obrigado a mostrar contrato com Madonna” (só gostava que tudo se passasse numa cidade como Modena, para termos mais uma aliteração e para esta trapalhada não acontecer naquela onde vivo)

Negócios: “Caixa larga dependência do BCE” (mas não a das injeções de capital do contribuinte)

O Jornal Económico: “Bruxelas ameaça vinho português” (isso é que não!)

A Bola: “José Peseiro: ‘Não tenho medo’” (depois de Cintra, mais um regresso ao Sporting pós-exorcismo)

Record: “Bruno Fernandes: ‘A intenção é ficarmos bem’” (com o clube de Alvalade, claro)

O Jogo: “Hulk: ‘Gostava de ser convidado a voltar’” (vá lá, este refere-se ao Porto)

O QUE ANDO A LER

A edição impressa de ontem do “Diário de Notícias”, por interesse genuíno — é uma referência da nossa imprensa e é inegável o marco que representa a sua passagem a semanário (publicado aos domingos), mantendo presença online — e por dever profissional — tão sincero é o voto de êxito que faço ao vetusto periódico (154 anos é de respeitar) quanto a intenção de fazer mais e melhor por aqui, agora que passamos a ser concorrentes mais diretos. Quanto mais tempo teremos jornais em papel? Talvez mais do que julgam alguns.

O QUE ANDO A OUVIR

Os concertos do Rock in Rio, que anteontem encerrou a sua oitava edição lisboeta. Estive na Bela Vista no passado domingo, a assistir a Agir (competente), Anitta (agradável surpresa, conquanto não seja o meu género de música, num concerto que teve dois aspetos marcantes: o corpo de baile contagiante, de grande diversidade étnica e combatendo preconceitos sobre corpos idealizados; e a interpretação do famoso “Show das poderosas”, única canção que conhecia desta artista cujo nome ignorava, com samples do “Your Latest Trick” dos Dire Straits), Demi Lovato (não de todo a minha praia), Bruno Mars (eletrizante) e, em palcos secundários, surpresas como Lingua Franca (Capicua, Emicida, Valete e Rael, que convidaram Sara Tavares) e enigmas como os YouTubers Windoh ou Sea3po (claro efeito de ter ido ao festival com a primogénita de 9 anos). Os outros dias também tiveram os seus atrativos, e felizmente as transmissões na SIC Radical estão quase todas disponíveis na íntegra. Vou percorrendo a galeria, aguardando pela edição 2020!

NADA MAIS HAVENDO A TRATAR...

...despeço-me com amizade, incitando os que iniciam férias a acreditar que o sol (hoje ausente) acabará por vir. E desejando que os alunos deste país possam em breve saber as notas que o seu trabalho de nove meses valeu e que poderão definir o seu futuro próximo. Aos que ainda tenham exames, boa sorte. A todos os leitores, felicidades. O Expresso estará a informar-vos ao longo de todo o dia e logo à tarde, pelas 18h, há Diário. O Expresso Curto regressa amanhã. Até já!

Portugal | Clientes de gás natural continuam a pagar taxa que foi eliminada há ano e meio


A DECO questiona o Governo sobre a Taxa de Ocupação do Subsolo que continua a ser cobrada depois de ter sido eliminada em 2017.

Passou um ano e meio e a Associação de Defesa do Consumidor (DECO) volta a exigir explicações. Um ano e meio depois de ter sido eliminada, a Taxa de Ocupação do Subsolo ainda está a ser cobrada aos clientes de gás natural quando já devia estar a ser suportada pelas empresas que operam as redes de gás.

Os custos com esta taxa eram suportados pelos consumidores de gás natural de cada município e a cobrança era feita através das faturas do fornecimento do gás natural. A Lei do Orçamento do Estado de 2017 (que entrou em vigor a 1 de janeiro desse ano), determinou que a taxa passaria a ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas e não podia ser refletida na fatura dos consumidores.

Um ano e meio depois, a medida ainda não foi aplicada. Carolina Gouveia, jurista da DECO, pede ao governo que faça rapidamente as necessárias alterações à lei.

"Essas alterações têm de ser feitas com a maior brevidade. A decisão principal já foi tomada e, tendo em conta o diploma de execução orçamental que indicava alguns passos que teriam de ser seguidos, estamos na fase final já há bastante tempo", explica.

Carolina Gouveia defende a importância de esclarecer os consumidores sobre o que é preciso ser feito e porque é que ainda não foi feito. "Essa ausência de esclarecimento é o que choca mais".

A DECO lembra que os consumidores estão a ser prejudicados e por isso vai exigir a devolução dos valores pagos no último ano e meio.

"Esta taxa varia muito de município para município e tem uma parte variável e outra fixa, por isso, depende do consumo e pode ter valores que pesem quase 40% na fatura dos consumidores e noutros locais podem ser valores muito inferiores. O que nós entendemos é que desde 1 de janeiro de 2017 esta taxa não devia estar a ser paga pelos consumidores e que os valores que os consumidores têm pago desde essa data têm de ser devolvidos aos consumidores", lembrando que é uma medida "impactante no orçamento das famílias".

A TSF já pediu esclarecimentos à secretaria de Estado da Energia.

Rui Silva | TSF

Obrador vence eleições. México vira à Esquerda quase 90 anos depois


Andrés Manuel López Obrador prometeu acabar com a corrupção e a impunidade no país e anunciou mesmo que vai dobrar as pensões para idosos logo no primeiro dia do executivo.

Foi presidente da câmara da cidade do México e consegue levar o país a virar à Esquerda depois de quase 90 anos de governos de Direita. Andrés Manuel López Obrador, também conhecido pelas iniciais AMLO, chega à presidência depois de ter sido candidato às eleições de 2006 e 2012. À terceira foi mesmo de vez, depois de se apresentar como um candidato antissistema.

No discurso de vitória, Obrador relembrou que vai combater a corrupção e reduzir a violência. Fala mesmo de "mudanças de fundo".

"As mudanças serão profundas, mas ocorrerão de acordo com a ordem legal estabelecida. Haverá liberdade comercial, liberdade de expressão, de associação e de crenças. Em matéria económica, será respeitada a autonomia do Banco do México. O novo governo manterá disciplina financeira e fiscal e serão reconhecidos os compromissos contraídos com empresas e bancos nacionais e estrangeiros", garantiu.

Durante a campanha o líder do MORENA, o Movimento Regeneração Nacional, prometeu reduzir gastos do Estado, aumentar o investimento e garante que vai colocar Donald Trump no seu lugar.

Prometeu vender o avião presidencial, transformar a residência oficial do presidente num centro cultural, assegurou uma redução dos salários dos altos funcionários da administração e anunciou esta madrugada uma medida inesperada: vai dobrar as pensões para idosos logo no primeiro dia do executivo.

De acordo com o Instituto Nacional Eleitoral Andrés Obrador conseguiu cerca de 53% dos votos, mas as contagens ainda decorrem. Ainda assim, é uma vitória histórica. Obrador fica bem à frente dos candidatos José Antonio Meade, do Partido Revolucionário Institucional, de Ricardo Anaya, da coligação do Partido Ação Nacional e do Partido da Revolução Democrática, e Jaime Rodriguez, o independente conhecido como 'El Bronco'.

As eleições ficam marcadas pelo assassinato de uma ativista política do Partido dos Trabalhadores, pouco antes da abertura das urnas.

A campanha eleitoral foi considerada por vários analistas como a mais violenta da história do país, marcada pela morte de pelo menos 145 políticos ou ativistas e 48 candidatos.

O Partido Revolucionário Institucional (PRI) chegou ao poder em 1929 e só em 2000 perdeu as eleições para o Partido da Ação Nacional (PAN), também de Direita. Em 2012, o PRI reconquistou o lugar, com Enrique Peña Nieto como presidente. Agora, é a vez do MORENA, com López Obrador aos comandos.

Sara de Melo Rocha | TSF | Foto: Carlos Jasso/Reuters

Refugiados | "No deserto há esqueletos de uns e outros que morrem" - reportagem


No Pavilhão Polidesportivo Kiko Narvaez, em Jerez de La Frontera, todos os dias chegam migrantes que fazem a travessia do mediterrâneo. Trazem histórias de desespero para contar.

Está à porta do Pavilhão, a conversar com outros homens nas mesmas condições. É alto, esguio, tem a pele muito escura. Anda há quatro anos em viagem desde os Camarões, o país de origem. Primeiro não quer falar. Depois acede a contar a sua história e a travessia por diversos países.

"Conhece o Deserto? Não é fácil. Eu tive sorte porque só fiz três dias no deserto", conta Jacques. "Por vezes morres no deserto. Não há água, não há nada. Só a areia e o sol, mas Deus ajudou e eu consegui passar".

Jacques tem um longo percurso de vida para contar. Ali todos têm. Tiabi Suleiman, por exemplo, saiu da Costa do Marfim há oito anos. Tem andado de país em país. Em Marrocos foi obrigado a mendigar pelas ruas."Por vezes perto de um Palácio ou na via pública a pedir 1, 2 dirhams para comer."

Decidiu juntar-se a outros homens e arriscar a vida para atravessar o Mediterrâneo. "No Zodíaco, um barco de 5 metros. Viemos a remar até à costa Espanhola".

Jacques conta que quando atravessou o deserto viu cadáveres à sua volta. De homens e animais. "No deserto há esqueletos de uns e outros que morreram. Há também corpos de camelos. O deserto é como o mar mediterrâneo". Um cemitério a céu aberto.

São cerca de 160 homens que estão num pavilhão polidesportivo em Jerez de La Frontera. São auxiliados pela Junta da Andaluzia e a Cruz Vermelha. Dão-lhes roupas, comida, cama, um local para tomarem duche. E também acesso a um telemóvel por dois minutos para que contactem a família ou amigos.

Nenhum destes imigrantes sabe como vai ser o seu futuro, nem para onde irão nos próximos tempos. Têm apenas uma vontade: Ter trabalho para enviar dinheiro para a família. "E paz e um local onde possamos ser considerados".

Reportagem de Maria Augusta Casaca na TSF

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