Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
O presidente da CIP fez a
promessa de nos surpreender com uma proposta de aumento do salário mínimo
nacional (SMN) acima de 600 euros em 2019. Na medida em que não estamos
habituados a propostas destas vindas dos patrões, o caso é para nos
surpreendermos.
De imediato, outros dirigentes de
confederações patronais opuseram-se à ideia. Nada de novo nesta reação: há
muitos empresários que só sabem apostar nos baixos salários; e existem setores
inteiros que têm o SMN como salário geral. Trata-se de patrões e setores de que
muito pouco se pode esperar para se alterar positivamente o perfil da economia
portuguesa.
O valor imaginado por António
Saraiva terá significado? Pode até não passar de propaganda enganosa e
espera-se que não seja moeda de troca para alterações regressivas na legislação
do trabalho. De qualquer forma, interroguemo-nos sobre o que pode justificar
aquela disposição para aumentar o salário mínimo. Admitamos, assim, que há
associações e dirigentes patronais preocupados, de facto, com os efeitos negativos
vindos da prevalência de salários baixos. Admitamos também, que agirão por uma
boa razão: encontrar uma resposta eficaz perante os sinais de escassez de
oferta de trabalho em alguns ramos de atividade. E deve acrescentar-se que, se
tal sinal viesse da indústria, isso seria muito bom, dado o papel influente que
esta tem na qualificação do trabalho e do emprego, ainda mais quando, na
atualidade, o setor pode incorporar áreas de serviços muito qualificantes.
A escassez de trabalhadores
disponíveis de que as associações patronais se queixam, a confirmar-se, será
parcialmente consequência da redução do desemprego, mas em grande medida o
resultado da persistência de baixos salários. Esta será a novidade que alguns
patrões podem agora estar dispostos a expor publicamente.
Sem dúvida, o "mercado de
trabalho" na União Europeia (UE) tornou-se mais integrado. As empresas que
procuram trabalhadores em Portugal estão a concorrer, mais do que no passado,
com empresas em toda a UE e para lá da UE. Num contexto em que os diferenciais
salariais não diminuíram (antes aumentaram nos anos da troika), os
trabalhadores portugueses, particularmente os mais jovens - que se deparam com
o agravamento de custos de habitação e outros que os impede de organizar a vida
em Portugal - tendem a comparar as ofertas salariais que lhes são feitas com
alternativas disponíveis no plano internacional. Estas, apesar dos
inconvenientes do exílio, apresentam-se tentadoras, tanto mais que o desemprego
está a diminuir na maioria dos países da UE e estes vêm aumentando os salários.
Nestas circunstâncias, os patrões estarão a sentir dificuldade em reter ou
atrair trabalhadores. Isto já torna a proposta do presidente da CIP menos
surpreendente.
Perante todo o quadro exposto,
importa passar à interrogação: o aumento do SMN é o meio mais adequado de
resolver o problema da potencial escassez de mão de obra? Parto de uma premissa
clara: é imprescindível fazer subir o mais rápido possível o SMN. Contudo, este
salário diz respeito apenas a uma parte da força de trabalho - em regra aquela
a que se exige menos qualificações - enquanto o problema de escassez de
trabalhadores disponíveis diz respeito a todos os níveis de qualificação.
Em Portugal, o SMN tem sido e
continuará a ser um importante instrumento de política salarial, mas necessita
de ser muito complementado, em particular com a reativação da negociação
coletiva. Isso os patrões não propõem. Persistem em mantê-la frágil, em jogar
na individualização das relações de trabalho para impedir a recuperação da
força e da influência dos sindicatos e para obterem ganhos imediatos.
Continuamos com estratégias patronais dominantes que, expressa ou
implicitamente, só aceitam melhorar o SMN se ele se tornar cada vez mais o
salário da maioria. Tais práticas jamais contribuirão para a resolução do grave
problema demográfico que temos, e ajudam os países ricos do centro a aspirarem
as capacidades de trabalho das periferias.
*Investigador e professor
universitário
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