quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O que mudou em Angola com exonerações de João Lourenço?


As exonerações são a imagem de marca do Presidente angolano e recentemente a lista de governantes exonerados aumentou. Mas cidadãos ouvidos pela DW África dizem que "mexidas" de João Lourenço não trouxeram nada de novo.

Os secretários de Estado dos Transportes para Viação Civil e Transporte Ferroviário bem como o responsável do Memorial António Agostinho Neto foram as mais recentes exonerações. A lista de mudanças, que começou logo após a tomada de posse de João Lourenço, é muito longa. Há, por exemplo, novos rostos nos Miinistérios da Justiça e dos Direitos Humanos, Comunicação Social, Cultura, Educação , Saúde e Transportes. Também há caras novas na Procuradoria-Geral da República (PGR), Banco Nacional de Angola e Sonangol.

As exonerações feitas pelo chefe de Estado trouxeram mudanças? "Houve melhorias sobretudo do ponto de vista do ambiente político. Criou-se um novo ambiente político", responde o cidadão Kudjimbe Camuenho, em declarações à DW África. "Ele enquanto líder precisava afirmar-se e essa afirmação também passava pela exoneração as pessoas fiéis ao Presidente José Eduardo dos Santos", acrescenta.

Quanto à melhoria das condições de vida da população angolana, o morador de Luanda diz que não vê grandes melhorias, "muito pelo contrário, assiste-se um certo retrocesso na vida dos cidadãos."

Mudar a mentalidade dos governantes

Para David Kissadila, especialista em políticas públicas, as melhorias não passam apenas por esse tipo de mudança, também é preciso mudar a mentalidade dos governantes. "Mudanças não se operam com novas nomeações, é necessária uma mudança de mentalidade, na formulação de um novo paradigma e revisão dos instrumentos políticos capazes de corresponder aos anseios da população. Ou seja, criar uma nova postura política de responsabilização de transparência e de prestação de contas", explica.

Em Angola, os serviços públicos de transporte são muito deficitários. Só em Luanda, as empresas disponíveis não cobrem a procura e os cidadãos têm de recorrer aos táxis. David Kissadila diz ter dificuldades em entender essa realidade.

"Neste setor investiu-se grandes recursos financeiros, provenientes sobretudo do empréstimo chinês, mas em termos de resultados sentimos um desastre", critica o especialista. "Os transportes públicos terrestres quase não existem, sobretudo aqui em Luanda. Adquiriram-se tantos autocarros e não se conhece o seu paradeiro. Os transportes marítimos também", lembra.

O Presidente João Lourenço está apenas no primeiro ano do seu mandato e tem mais quatro pela frente. O analista reconhece que serão anos de muitas dificuldades de governação, a julgar pela situação económica e financeira que o país enfrenta.

"Não será fácil a governação de João Lourenço, num país onde os dirigentes são corruptos viciados, onde a crise financeira já se arrasta há quatro anos sem grandes políticas para poder reverter a situação", afirma, lembrando que é preciso diversificar a economia, reduzir as importações e promover a produção nacional. "Isso tudo, até agora, não funciona", conclui.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Angola | Muitos milhões continuam sem saber ler nem escrever


Mais de quatro milhões de angolanos entre os 15 e os 35 anos continuam sem saber ler nem escrever, sendo muitos os factores que justificam o elevado número, assumiu a ministra da Educação de Angola, Maria Cândida Teixeira. Se a estes se juntarem os que da leitura e da escrita apenas têm uma vaga ideia, ficamos com a perspectiva do enormíssimo analfabetismo funcional, onde se incluem os que sabem ler e escrever, mas não lêem nem escrevem.

Maria Cândida Teixeira falava, em Luanda, após a assinatura de um protocolo de cooperação entre o Ministério da Educação (MED) e a Igreja Metodista Unida Angola (IMUA), que visa a criação de turmas de alfabetização nos seus templos da Conferência do Oeste de Angola, que abarca 12 províncias do país.

A governante reconheceu que muitos dos problemas vividos na sociedade angolana, como a violência doméstica, gravidez precoce, criminalidade, prostituição, “entre outros males”, estão ligados à falta ou à pouca instrução e educação das pessoas.

Por esse motivo, ressaltou, o sector da Educação pretende implementar os programas contidos na Agenda 2030, que visa transformar a vida da população através da educação como principal impulsionadora para o desenvolvimento do país e bem-estar dos cidadãos.

Maria Cândida Teixeira referiu estar comprometida em estender e melhorar a rede de ensino pelo país, para que todos cidadãos possam ter acesso a formação académica.

Por seu turno, o assistente do bispo da Igreja Metodista Unida, reverendo Manuel André, afirmou que o protocolo tem o objectivo de “redimensionar o combate sem tréguas ao analfabetismo”.

Salientou que a Igreja Metodista Unida tem, doravante, o compromisso de transformar os templos em centros de escolaridade, para ajudar os cidadãos que necessitam de aprender a ler e a escrever.

Já o especialista de programas da UNESCO em Angola, Nicolau Bubuzi, lembrou que, actualmente, existem mais de 360 milhões de crianças e adolescentes em todos o mundo que estão fora do sistema de ensino.

Por outro lado, acrescentou, seis em cada 10 crianças e adolescentes, o equivalente a 617 milhões de pessoas, não adquirem as competências mínimas em literacia.

Acrescentou que 750 milhões de jovens e adultos ainda não sabem ler nem escrever, dos quais dois terços são mulheres, factores que estão na base da exclusão social, da desigualdade social e do género.

O memorando, assinado pelo director nacional do Ensino de Adulto, Evaristo Pedro, e o reverendo Manuel, prevê que a IMUA disponibilize as turmas e os professores, enquanto o MED vai responsabilizar-se pela formação dos alfabetizadores voluntários e garantir o fornecimento do material didáctico e a certificação dos formandos.

“Vira” o ministro, toca o mesmo

Setembro de 2017. O então ministro da Educação, Pinda Simão, disse, em Luanda, que 25% da população angolana ainda é analfabeta, mas apesar da crise económica e financeira que o país enfrenta, 500.000 pessoas estão a ser alfabetizadas em todo o país.

Apesar de pecar por defeito, esta percentagem de analfabetos é só por si um atestado de incompetência a quem nos desgoverna há 42 anos. Será que mudar de ministro vai alterar a música, embora mantendo a letra?

Pinda Simão, que falava em Luanda por ocasião do Dia Mundial do Analfabetismo, disse que Angola está “comprometida com uma agenda de educação única e renovada, ousada e ambiciosa”.

Aqui é altura para rir. Falar de “uma agenda de educação única e renovada, ousada e ambiciosa” é a expressão exacta de mais uma piada candidata ao anedotário nacional.

O então governante angolano referiu ainda que, porque 24,7% da população angolana não saber ler nem escrever, este é um desafio para toda a sociedade, “de garantir que o analfabetismo não constitui factor de exclusão” para esses cidadãos. O ministro não sabia o que dizia e nem dizia o que sabia.

Segundo Pinda Simão, devido à crise económica (antes a desculpa era a guerra agora é a crise) que Angola enfrenta desde finais de 2014, com a baixa do preço do petróleo no mercado internacional, não têm sido pagos os subsídios a alfabetizadores e facilitadores, bem como para a aquisição dos materiais didácticos.

O titular da pasta da Educação realçou que, apesar das “inúmeras dificuldades resultantes da crise económica, há uma demonstração clara do espírito de sacrifício, que caracteriza os alfabetizadores, facilitadores, formadores e todos os agentes envolvidos no processo”, aos quais reiterou os seus agradecimentos.

Para o então ministro, o desafio para o futuro “passa pela melhoria da qualidade do processo e a criação de condições, para que um maior número de alfabetizados possa dar continuidade aos seus estudos até à conclusão do ensino primário”.

Sobre o lema das celebrações da data, “Analfabetismo num Mundo Digital”, Pinda Simão disse que deviam ser objecto de reflexão questões como o tipo e níveis de alfabetização necessários, num mundo cada vez mais digital, bem como a adaptação dos programas, em termos de metodologias de ensino e aprendizagem.

O então ministro acrescentou que as tecnologias podem ser decisivas para um melhor acesso à educação, informação e conhecimento, tendo assegurado que o Governo adoptou iniciativas no sentido de acelerar o desenvolvimento com o uso das novas tecnologias.

“A governação electrónica, a expansão da rede digital no país e o aumento das condições para um maior acesso à internet são já uma realidade em pelo menos todas as sedes municipais do país. O projecto de construção de 25 mediatecas enquadra-se nos esforços para conferir mais cidadania e mais inclusão”, referiu.

Recorde-se, sobretudo a Pinda Simão, que Angola gastou menos de 2% do total das despesas públicas orçamentadas para o sector global da Educação, nos últimos doze anos, segundo um estudo divulgado no dia 29 de Junho de 2017, assinalando que nesse período o peso da dotação orçamental foi de até 1,72%.

Os dados, apresentados em Luanda, constavam do estudo governamental sobre os “Custos e o Financiamento do Ensino Superior em Angola”, realizado por uma consultora portuguesa, que compila o peso da dotação orçamental dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior de Angola.

Este facto, salienta o documento, “pode dificultar a realização, pelos órgãos do governo, das acções necessárias ao crescimento do sistema educativo, em quantidade e em qualidade”.

De acordo com o estudo, no período em análise, 2004 a 2016, a dotação orçamental do Ministério da Educação registou um acentuado decréscimo, a partir de 2008, passando de 1,37% para 0,68% em 2016, enquanto para o Ministério do Ensino Superior assistiu-se a um crescimento muito acentuado.

“Todavia, o esforço despendido pelo país com os órgãos de Governo, que tutelam a educação superior e não superior, revela uma situação que se nos afigura bastante deficitária, quando se percebe que o total das despesas públicas orçamentadas para esses órgãos não chega aos 2% do Orçamento do Estado, na quase totalidade dos anos em análise”, observa.

O trabalho de investigação, realizado entre Julho de 2016 e Maio de 2017, sublinha que em relação à taxa de alfabetização, o ritmo de crescimento quase que parou nos anos posteriores à década de 1990, contrariando os objectivos de desenvolvimento propostos pelas autoridades angolanas.

O gráfico sobre a taxa de alfabetização espelha que em 1998 a taxa de alfabetização em Angola cifrava-se em 42% e que de 2001 a 2015 a cifra rondou entre 67,4% e 71,2%.

Folha 8 com Lusa

São Tomé | Ordem dos advogados diz que as novas medidas na Cadeia Central violam direitos


Num comunicado lido pelo membro do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, foi denunciada a violação pela Direcção da Cadeia Central, dos direitos humanos e também do Estatuto dos Advogados. Tudo por causa das restrições impostas pelo Ministério da Justiça através da Cadeia Central, ao acesso dos advogados aos seus constituintes que se encontram no estabelecimento prisional.

No comunicado lido à imprensa, a ordem dos advogados denuncia outras acções e medidas do Ministério da Justiça e do Governo, que comprometem a acção dos advogados e põem em causa o acesso a ajustiça por parte dos cidadãos. «Tendo tomado conhecimento do despacho da Direcção dos Serviços Prisionais e de Reinserção Social, que impõe regras para o acesso dos advogados ao referido estabelecimento, e a consequente audiência com os seus constituintes, e ainda do ofício da Direcção Administrativa e Financeira do Ministério da Justiça, Administração Pública e Direitos Humanos, informando  da retirada do orçamento retificativo  da verba de apoio institucional destinada a OASTP para o ano 2018, vem fazer o seguinte pronunciamento».

E o pronunciamento foi de indignação. «A OASTP,  manifesta a sua total  indignação relativamente a alguns requisitos  fixados pela Direcção dos Serviços Prisionais e de Reinserção Social, nomeadamente o impedimento do acesso do advogado estagiário a aquele estabelecimento sem a presença do seu patrono. Repudia ainda, a exigência de requerimento prévio com antecedência de 24 horas imposto aos advogados que pretendem ter audiência com seus constituintes e o poder discricionário dado aos agentes prisionais ao nível do uso da sala de audiência». precisa a ordem dos Advogados.

Violação flagrante dos princípios de Estado de Direito. «Tais requisitos são violadores dos Direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que se encontram naquele estabelecimento nos termos do artigo 41 º, n º 1, alinea f) e n º 2 do Código de Processo Penal. Violadores das garantias do exercício da advocacia previsto nos termos dos  artigos 34 º,38 º, 123 º , e particularmente do Artigo 42.º – Direito de comunicação -réus presos do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 10- 2006), que fixa o seguinte:

“Os advogados têm direito, nos termos da lei, de comunicar, pessoal e reservadamente, com os seus patrocinados, mesmo que estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar», sublinha.

Por outro lado, do ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados diz que recebeu um golpe que amputa as suas pernas. «Relativamente ao ofício da Direcção Administrativa e Financeira do Ministério da Justiça, Administração Pública e Direitos Humanos, informando  da retirada da verba destinada a OASTP para o ano 2018, no valor de STD 450.000,00 , a OASTP manifesta a sua estranheza e preocupação com a retirada do referido valor, uma vez que, o valor de STD 150.000,00(cento e cinquenta mil dobras), corresponde ao Apoio Institucional que a Ordem vinha recebendo por ser uma instituição de direito público crucial para a boa administração da justiça e com um papel social imprescindível. Sendo que  o valor de STD 300.000,00 (trezentas mil dobras) corresponde ao montante utilizado para o pagamento das defesas oficiosas. Facto que, dificultará ainda mais a realização das suas actividades e programas», detalhou.

A Organização dos Advogados, pede bom senso. « vimos pela presente apelar ao bom senso dos órgãos de soberania, de forma  a garantir o exercício dos direitos fundamentais do cidadão, garantir o exercício da  advocacia na sua plenitude em São Tomé e Príncipe», conclui a Ordem dos Advogados.

Abel Veiga | Téla Nón

São Tomé | AN fechou sessão plenária com entrega à justiça do deputado que foi alvo de tiro


Na última semana, São Tomé e Príncipe, registou a última sessão plenária da Assembleia Nacional nesta legislatura de 4 anos, que termina com as eleiçoes legislativas de 7 de Outubro próximo.

10 pontos fizeram parte da ordem do dia da sessão plenária. Mas, a última sessão plenária ficou marcada por aceso debate do ponto número 5, que se refere ao projecto de resolução que autoriza o interrogatório do deputado Delfim Neves da bancada parlamentar do partido PCD, na qualidade de arguido nos autos de instrução preparatória da secção criminal C da procuradoria da República.

Ao contrário da desinformação feita pela TVS, em nenhum momento a Assembleia Nacional votou ou agiu no sentido do levantamento da imunidade parlamentar do deputado em causa.

O debate parlamentar em torno deste ponto trouxe à ribalta a preocupação dos deputados de todas as bancadas parlamentares no que concerne ao respeito pelas leis e, sobretudo pelo Estatuto dos deputados.

Tudo porque o deputado Delfim Neves foi convocado pelo Ministério Público para se apresentar na qualidade de arguido, por causa de um litígio que envolveu a empresa do referido deputado, e um banco da praça financeira são-tomense, no ano 2016.

A empresa do deputado teria solicitado um serviço ao banco, e segundo ele, tal serviço não foi executado. As negociações entre o Banco e a empresa do deputado fracassaram. O banco pediu ao tribunal o pagamento dos serviços prestados, por via da penhora de alguns bens da empresa do deputado.

Numa primeira decisão a juíza do processo indeferiu a penhora por falta de elementos. No entanto alguns dias depois, o deputado foi surpreendido com a presença de oficial de justiça e o advogado do banco.

O oficial de justiça que estava de serviço, abordou o deputado exigindo a penhora da viatura que estava na sua posse. Mas a matrícula da viatura que o Tribunal mandou penhorar, era outra.

O deputado explicou que entrou no seu carro e pôs-se em marcha rumo a sua residência. O oficial de justiça acompanhado pela advogada do banco, segui-o sob ordem da advogada que dizia«pega homem….pega homem….»

Quando chegou no portão da sua residência, sentiu o calor de um tiro perfurando a sua viatura. «Cheguei em casa abrir o portão, o oficial de justiça faz um tiro contra a viatura. Ele desceu do carro com a pistola em punho, e me pediu encarecidamente para não entrar em casa, porque se eu entrasse ele perderia a cabeça. Respondi-lhe que não vou entrar, mas que não sairia de lá enquanto meu advogado não estivesse presente…», detalhou o deputado na última sessão plenária.

Instantes depois, chegou ao local uma equipa de oficiais de justiça incluindo um escrivão, que reprovou o trabalho do oficial de justiça que acompanhava a advogada do banco. « A primeira palavra do escrivão para eles, foi :  vocês cometeram uma burrada, porque quando saiam do tribunal perguntei para que diligência iam, e não responderam. Ele perguntou ao oficial de justiça, qual é a matrícula do carro que vocês deveriam prender? Como vês não é essa viatura», precisou o escrivão.

O artigo 85 da Constituição Política de São Tomé e Príncipe, diz que o deputado não pode ser perseguido, ou preso por crimes praticados fora do exercício das suas funções. O deputado Delfim Neves, apresentou ao Ministério Público uma queixa crime contra o oficial de justiça que disparou contra si. Também apresentou uma exposição sobre o ocorrido à mesa da Assembleia Nacional. «Até hoje nem o ministério público nem a mesa da Assembleia Nacional reagiram», afirmou.

No entanto, na última sessão plenária da Assembleia Nacional, a maioria parlamentar, num total de 29 votos, aprovou a resolução que autoriza Delfim Neves a ser presente no ministério público na qualidade de arguido, no âmbito da queixa que foi feita pelo oficial de justiça que disparou na execução da penhora. O regimento da Assembleia Nacional, obriga que antes de ser presente à justiça, e em função do pedido feito pelo ministério público, o deputado deve ser ouvido em primeiro lugar pela comissão competente da Assembleia Nacional. Nada disso aconteceu.

No contexto da contenda comercial, segundo o deputado a penhora foi executada. Ainda no ano 2016, cerca de 30 dias depois da acção armada do oficial de justiça, a sua residência foi assaltada por homens enviados pelo Tribunal, que arrebentaram a sua garagem e retiraram a viatura que queriam penhorar a favor do banco.

Sensação de injustiça e de perseguição dominou a intervenção dos deputados no debate parlamentar. Delfim Neves, faz parte de figuras políticas são-tomenses problemáticas.

Problemática, porque o seu nome esteve presente em alguns escândalos comerciais ocorridos no país, como o caso STP-Trading, ou seja, a empresa criada pelos comerciantes são-tomenses, para importação através de uma linha de crédito concedida pelo Brasil, de produtos alimentares oriundos do mercado brasileiro, e que resultou num fracasso. Acusado pelos seus adversários políticos de prática de corrupção, nunca a justiça são-tomense confirmou com provas a prática de tais crimes de corrupção, ou seja, nunca foi julgado ou condenado pela justiça são-tomense.

Figura problemática, também porque é forte na campanha eleitoral. Continua a gozar de popularidade em circulos eleitorais da ilha de São Tomé, e a sua popularidade reflecte-se nos resultados eleitorais do seu partido o PCD.

Resistiu a forte acção de asfixia dos últimos 4 anos. Ao invés do seu desaparecimento comercial e consequentemente político, que poderia realizar o plano em curso de “acabar” com o seu partido PCD, Delfim Neves, conseguiu construir uma infraestrutura de valor turístico, que dá emprego a muitos são-tomenses.

Uma resistência problemática, que nas vésperas das eleições legislativas de 7 de Outubro, deverá ser renovada, uma vez que na última sessão plenária da Assembleia Nacional, foi entregue a Justiça como arguido, num caso problemático em que foi alvo de um disparo a queima-roupa.

Os deputados das bancadas da oposição, condenaram a onda de perseguição, lançada contra o deputado do PCD nos últimos 4 anos. A bancada da ADI que sustenta o Governo rejeitou as acusações de perseguição.

Para provar que não há perseguição do poder contra o deputado do PCD, uma deputada da ADI, contou a sua história com os oficiais de justiça. Ela foi abordada pelos oficiais de justiça, mesmo na casa parlamentar, onde foram penhorar e a força um bem seu.  Ainda nesta legislatura, houve um deputado que foi detido pela polícia. Foi outro caso, relatado na última sessão plenária da Assembleia Nacional.

Todos os deputados sentiram que não estão seguros. Perceberam que o seu estatuto especial, está a ser sistematicamente violado.

Resta saber se a próxima legislatura, que começa após as eleições legislativas de 7 de outubro, traga à Assembleia Nacional, novos deputados capazes de cumprir e fazer cumprir as leis. Capazes de recuperar o Estatuto da Assembleia Nacional, como o segundo órgão de soberania do Estado, efectivamente autónomo, como ordena o sistema de governação em vigor, semi-presidencialista de pendor parlamentar.

Abel Veiga | Téla Nón

Passado neonazista assombra partido populista na Suécia


Pesquisas apontam que legenda anti-imigração Democratas Suecos pode obter até 20% dos votos em eleição legislativa. Com raízes em movimento neonazista, agremiação tenta se afastar de imagem de racista.

Instantes depois que Jimmie Akesson, o líder de 39 anos do partido populista Democratas Suecos (SD, na sigla em sueco), pegou no microfone em Malmö, o público começou a entoar gritos como "Não aos racistas em nossas ruas!". Manifestantes seguravam cartazes com os dizeres "Cale a boca, seu racista maldito" ou "SD: nazistas em 1988, nazistas em 2018".

A esmagadora maioria daqueles que saíram de casa para assistir ao discurso de Akesson são o que ele chamaria de "helt vanligt folk", ou "povo completamente comum".

Os antifascistas que compareceram ao local do discurso do político não são os únicos que chamam o partido de nazista. O primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven, descreveu a legenda como "um partido neofascista de tema único", com "raízes nazistas e racistas". E os apoiadores do partido admitem: o estigma é um problema.

"Pode ser difícil com algumas pessoas", disse "UC" Nilsson, de 16 anos e que apoia o SD. Ele foi ao evento com colegas de escola. "Recebemos reações negativas muito fortes porque algumas pessoas não gostam da política do partido. Mas acho que isso é bom para a Suécia: não podemos acolher tantos imigrantes", disse.

"Nacionalismo cultural"

Ideologicamente, os Democratas Suecos são menos extremos do que outras legendas populistas europeias, pregando um "nacionalismo cultural" aberto a todos, não importando onde nasceram ou a cor de sua pele.

Ao mesmo tempo, o partido defende uma imigração altamente restrita. A legenda quer que o país aceite apenas refugiados da Dinamarca, da Noruega e da Finlândia, e também defende um sistema de vistos de trabalho bem mais rígido do que o vigente.

O que faz com que o SD se destaque é que, de fato, o partido tem raízes no movimento neonazista sueco. Até Mattias Karlsson, líder parlamentar e arquiteto ideológico da legenda, reconhece que muitos membros fundadores vieram do grupo "Bevara Sverige Svenskt" ("Mantenha a Suécia Sueca", em tradução livre), abertamente racista.

"Mas essa organização foi desmantelada em 1986, e o SD foi formado em 1988", destaca Karlsson. "Então, o SD não é uma continuação daquela organização."

O primeiro tesoureiro do partido, Gustaf Ekstrom, é ex-membro da Waffen-SS (tropa de elite nazista). O primeiro líder do SD, Anders Klarstrom, atuou no partido nazista Reino Nórdico ("Nordiska rikspartiet").

A questão é se essas origens ainda mancham o partido, apesar dos esforços de Akesson de reformá-lo desde que assumiu sua liderança, em 2005.

"Somos muito firmes e não cedemos em relação a esses temas", disse Karlsson à DW. "Se há algum sinal de xenofobia ou racismo, expulsamos esses representantes imediatamente", explicou.

Julia Kronlid, a mulher com o mais alto posto na liderança do partido, diz que o estigma hoje é menor do que quando ela "se assumiu" como apoiadora do SD, há dez anos.

"Na igreja, quando meu marido e eu dissemos que estávamos entrando para o SD, as pessoas quase se engasgaram com seu café", lembra. "Mas, agora, reconhecem o que eu fiz, e algumas querem entrar para o partido."

No entanto, Cecilia Bladh, outra política do SD oriunda da classe média, reclama que ativistas locais ainda correm o risco de serem afastados por seus empregadores.

"Espero que isso mude, porque, se temos um quinto da população sueca nos apoiando não dá para continuar assim", considera, referindo-se a pesquisas de intenção de voto, em que o SD aparece com cerca de 20%.

Sombra do nazismo

Parte do motivo pelo qual a situação não mudou é que muitos membros do SD claramente ainda são racistas. Na semana passada, o jornal Expressen revelou que um político local escreveu sobre "a praga dos judeus" num grupo fechado do Facebook, e argumentou que "Hitler não estava errado sobre os judeus".

David Baas, autor da reportagem, diz que é normal ativistas do SD postarem comentários racistas como esse em fóruns fechados e no site d mídia social russa VK. "Eles têm duas caras: em seus perfis públicos do Facebook, não escrevem essas coisas. Mas na VK, escrevem algo muito diferente", detalha.

Juntamente com a revista antiextremista Expo, o Expressen também revelou que pelo menos oito atuais candidatos do SD à eleição legislativa do próximo domingo (09/09) são ex-membros de grupos neonazistas, com um deles pagando mensalidades para o Movimento de Resistência Nórdico até 2016.

Andreas Olofsson, que faz campanha para os Democratas Suecos em Klippan, cidade que antigamente abrigava uma fábrica de papel, a uma hora de Malmö, liderou a filial local da neonazista Frente Nacional-Socialista ("Nationalsocialistisk front") no final dos anos 1990.

"Foi um período muito triste para mim", relata Olofsson. "Eu era jovem e burro. Sou uma pessoa completamente diferente agora", afirma.

Tolerância zero com o racismo?

O partido diz vetar todos os candidatos, mas o passado de Olofsson é do conhecimento de todos na cidade, onde também é amplamente perdoado.

Jonathan Leman, pesquisador da Expo e que trabalhou nas investigações, diz que suas descobertas são provas de que a política de tolerância zero "não está enraizada no partido".

"Eles passaram mais tempo contando às pessoas que têm essa política do que a explicando a integrantes do partido e garantindo que ela é ensinada e praticada", coloca.

Em Malmö, o apoiador do SD Ricky Lowenborg começou a perder a paciência com os slogans que se sobrepõem ao pronunciamento de Akesson. "Nazistas? São os social-democratas que são nazistas", disse.

"Meu dinheiro dos impostos vai para essa escória ali. Por isso é que estou furioso", afirmou, referindo-se aos imigrantes, que, segundo ele, querem "construir complexos de mesquitas gigantescos, com minaretes enormes, em todo lugar".

"Não somos nazistas", diz, firme. "Eles pensam que nós somos nazistas, mas não somos, absolutamente não. Eu não sou racista, espero que você escreva isso. Sou casado com uma filipina. Amo estrangeiros", declara.

Richard Orange (de Malmö/rk) | Deutsche Welle

Ministro diz que "migração é mãe de todos os problemas" na Alemanha


Seehofer volta a bater de frente com Merkel ao expressar compreensão com manifestantes de Chemnitz e diz que, se não fosse ministro, também teria saído às ruas.

O ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, voltou a bater de frente com a chanceler federal Angela Merkel ao afirmar a correligionários, nesta quinta-feira (06/09), que a migração é a "mãe de todos os problemas" na Alemanha.

A declaração foi feita às margens de um encontro do seu partido, a União Social Cristã (CSU), em Neuhardenberg e repetida mais tarde em entrevista ao jornal Rheinische Post. "Já venho dizendo isso há três anos", afirmou.

Merkel disse ver a questão de outra maneira. "A questão migratória cria desafios para a Alemanha, e temos enfrentado problemas, mas também temos obtido sucessos", declarou à emissora RTL.

Seehofer disse ainda que, "se não fosse ministro, também teria saído às ruas em Chemnitz", em referência às recentes manifestações motivadas pelo assassinato de um cidadão alemão de 35 anos. Dois imigrantes, um da Síria e o outro do Iraque, são acusados do crime. O ministro, porém, ressalvou que não marcharia ao lado de extremistas de direita.

Vídeos mostram manifestantes agredindo verbalmente ou incitando à violência contra estrangeiros durante os protestos na cidade. Vários políticos alemães, incluindo Merkel, criticaram duramente os acontecimentos e falaram em perseguição e incitação ao ódio contra estrangeiros. Seehofer, porém, manteve-se calado.

Nesta quinta-feira, ele disse compreender os manifestantes que saíram às ruas da cidade e lembrou que na origem dos protestos está um crime, que chamou de brutal. Se as pessoas se revoltam diante disso, não podem ser chamadas de nazistas, acrescentou. Segundo ele, muitos alemães associam suas preocupações sociais à imigração.

As declarações foram dadas a poucas semanas das eleições estaduais de 14 de outubro na Baviera, onde a CSU pode perder a maioria no legislativo diante do avanço da AfD e também do Partido Verde. Os líderes da CSU veem a AfD como principal ameaça e adotaram a estratégia de endurecer o discurso na questão migratória.

Pesquisa recente colocou a CSU com 36%, a AfD com 14% e o Partido Verde com 15%. Na eleição anterior, em 2013, a CSU conquistara 47,7%.

Seehofer é o presidente da CSU, um partido conservador que só existe na Baveira e é tradicional aliado da União Democrata Cristã (CDU), de Merkel.

"Pela primeira vez temos um partido à direita da União [CDU/CSU], que pode conseguir se estabelecer no médio prazo, um país dividido e falta de apoio aos partidos majoritários na sociedade", observou. Segundo ele, se não houver uma mudança de curso, os partidos políticos tradicionais vão perder ainda mais a confiança da população.

Ainda sobre os incidentes em Chemnitz, o ministro disse que deve haver "tolerância zero" contra quem incitar ou cometer atos de violência, também contra policiais. "Isso é inaceitável", afirmou, reiterando que esse critério deve valer para todos, sem exceção. Ele disse ainda que atitudes como fazer a saudação nazista durante os protestos devem ser punidas pela Justiça.

O ministro voltou a defender sua controversa proposta de reforçar o controle das fronteiras no país, afirmando que, se tivesse sido aprovada, um dos suspeitos do assassinato em Chemnitz não teria entrado na Alemanha. "Se tivéssemos a regulamentação pela qual tanto lutei, o suspeito iraquiano não teria entrado no país. Ele já tinha pedido asilo na Bulgária em 2014 e poderia ter sido rejeitado na fronteira", destacou, ressaltando que são casos como esse que "custam a confiança dos cidadãos".

Desde que assumiu o ministério do Interior, no quinto governo Merkel, Seehofer vem defendendo uma posição mais dura em relação à migração, distante da abordagem da chanceler federal. Há poucos meses, o ministro protagonizou uma queda de braço com Merkel sobre a política migratória do governo federal que chegou a ameaçar a continuidade da coalizão governista.

As declarações do ministro não agradaram a liderança do Partido Social-Democrata (SPD), parceiro da CDU/CSU na coalizão governista. O secretário-geral da legenda, Lars Klingbeil, as qualificou de "baboseiras populistas de direita" e disse se perguntar se Seehofer não é "o pai de muitos problemas".

O vice-líder do SPD Ralf Stegner afirmou que Seehofer deveria renunciar se não souber ser o ministro do Interior de todos os alemães. "O senhor ministro da Heimat se esquece que a Alemanha liberal, tolerante e constitucional se tornou a Heimat de muitas pessoas. A diversidade é a nossa força."

RC/dpa/apd/afp/rtr | Deutsche Welle

Uma Itália Soberana, sem Soberania


Manlio Dinucci*

Longe de liderar a política de soberania que proclama, o governo de Conte se comprometeu com a Líbia sob o comando dos EUA. A verdadeira soberania não é medida por discursos, mas por ações, particularmente pelo respeito pela própria Constituição.

A confusão político-mediática originada pelo choque entre “europeístas” e “soberanistas” esconde aquela que, pelo contrário, é a realidade: um europeísmo sem Europa e um soberanismo sem soberania.

A erguer prontamente a bandeira do europeísmo está, neste momento, o Presidente Macron, para fazer avançar o poder francês não somente na Europa, mas também em África.

A França, juntamente com os EUA, promotora da guerra NATO que, em 2011, destruiu o Estado líbio (na qual a Itália desempenhou um papel de primeiro plano), procura por todos os meios, controlar a Líbia:

• os seus ricos recursos - enormes reservas de petróleo, gás natural, água fóssil
• o próprio território líbio, de grande importância geoestratégica.

Para este fim, Macron colabora com as milícias que combatem o “governo” de Fayez al-Serraj, apoiado pela Itália, que, juntamente com a ENI, mantém grandes interesses no país. Este é só um dos exemplos de como a União Europeia, construída sobre os interesses das oligarquias económicas e financeiras das grandes potências, está a desmoronar-se devido a contradições de natureza económica e política, dos quais a questão dos migrantes é apenas a ponta do iceberg.

Perante o predomínio da França e da Alemanha, o Governo 5 Stelle-Lega fez uma escolha vital: aumentar o peso da Itália, ligando-a ainda mais estreitamente aos Estados Unidos. Daí a reunião do Presidente Conte com o Presidente Trump, ao qual os media italianos deram pouca importância. No entanto, nesse encontro foram tomadas decisões que influem notavelmente no posicionamento internacional da Itália.

Em primeiro lugar, decidiu criar-se “um lugar permanente onde se concentram os poderes de comando Itália-USA, no Mediterrâneo Alargado”, ou seja, na área que, na estratégia USA/NATO, se estende do Atlântico ao Mar Negro e, a sul, até ao Golfo Pérsico e ao Oceano Índico.

O comando está realmente nas mãos dos USA, especificamente do Pentágono, enquanto a Itália tem algumas funções secundárias como assistente de gestão e, genericamente, o papel de comparsa.

Segundo Conte, “é uma cooperação estratégica, quase uma geminação, em virtude da qual a Itália se torna um ponto de referência na Europa e um interlocutor privilegiado dos Estados Unidos para os principais desafios a enfrentar”. Anuncia-se, assim, mais um reforço de “cooperação estratégica” com os Estados Unidos, ou seja, o papel “privilegiado” da Itália como ponte de lançamento das forças USA, incluindo as forças nucleares, tanto para Sul como para Leste.

“A Administração americana reconhece à Itália, uma função de liderança como país promotor da estabilização da Líbia», declara Conte, anunciando, implicitamente, que a Itália, e não a França (menos confiável aos olhos de Washington), foi incumbida pela Casa Branca da tarefa de “estabilizar” a Líbia. É necessário investigar de que maneira.

Não bastará a Conferência Internacional sobre a Líbia, que deverá ocorrer no Outono, em Itália, antes das “eleições” líbias patrocinadas pela França, que devem ser realizadas em Dezembro. Acontecerá do lado italiano um compromisso militar directamente no terreno, de custos humanos, materiais e resultados imprevisíveis.

A escolha "soberanista" do Governo Conte reduz ainda mais a soberania nacional, tornando a Itália ainda mais dependente do que decidem em Washington, não apenas na Casa Branca, mas no Pentágono e na Comunidade dos Serviços Secretos/Inteligência(br.), composta por 17 agências federais especializadas em espionagem e operações secretas.

A verdadeira escolha soberana é a concretização real do princípio constitucional de que a Itália repudia a guerra como instrumento de ataque à liberdade de outros povos e como meio de resolver disputas internacionais.


*Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações : Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016.

Como é que a Administração da ONU organiza a guerra

O Secretário Geral da ONU, António Guterres, deve uma explicação
Thierry Meyssan*

O documento interno das Nações Unidas que acabámos de publicar, atesta que a Administração da Organização está a trabalhar contra os objectivos da mesma. A gravidade desta situação implica uma explicação do Secretário Geral, António Guterres, como exigiu o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov. Caso contrário, os Estados Membros poderão pôr em causa a ONU.

Em Outubro de 2017, o Subsecretário Geral da ONU para os Assuntos Políticos, Jeffrey Feltman, redigiu, secretamente, instruções para todas as agências da ONU sobre o comportamento a adoptar perante o conflito na Síria.

Nunca os Estados membros da Organização, ou mesmo os do Conselho de Segurança, foram informados sobre a existência dessas instruções. Até ao momento em que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, os revela, em 20 de Agosto de 2018 [1].

Acabámos de obter uma cópia do mesmo. [2].

Este documento atraiçoa a Carta das Nações Unidas [3] porque altera as suas prioridades. Embora o seu objectivo principal seja “manter a paz e a segurança internacionais”, coloca acima desse objectivo, “o respeito pelos direitos humanos”. Desta maneira, esses direitos tornam-se num instrumento contra a paz.

A expressão “direitos do homem” ou “direitos humanos” existia muito antes de ter qualquer significado jurídico (isto é, antes de puder ser contestada em tribunal). O Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico usou-o, amplamente, no século XIX, para justificar algumas das suas guerras. Assegurou que, para defender esses direitos, é que ele estava pronto a lutar contra o Império Otomano. Na realidade, foi apenas um choque entre o Império Britânico e a Porta Sublime/o Império Turco [4]. Nunca os povos supostamente “libertados” por Londres foram mais felizes sob a alçada desse dono ou de qualquer outro. No século XX, os “direitos humanos” foram, primeiro de tudo, a marca registada das ONGs “sem fronteiras” e a seguir, o slogan usado pelos trotskistas ligados à CIA, os neoconservadores.

Em 2 de Julho de 2012, o antigo assistente de Hillary Clinton, Jeffrey Feltman, torna-se no número 2 das Nações Unidas. Ele presta juramento perante o Secretário Geral, o mui corrupto Ban Ki-moon, sobre a Carta da Organização.
Se a Carta da ONU emprega seis vezes, a expressão “direitos humanos”, ela não faz do mesmo termo um ideal em si. O seu respeito só pode acontecer em tempo de paz. É preciso lembrar que a guerra é um período de inquietação, no qual os direitos individuais estão excluídos. É uma situação terrível em que, para salvar um povo, devemos decidir sacrificar parte dele.

Por este motivo, é que distinguimos a Polícia em relação ao Exército. A Polícia protege os direitos individuais, enquanto o Exército protege os direitos colectivos. A Polícia deve respeitar os “direitos humanos”, enquanto o Exército pode ignorá-los. Parece que os nossos contemporâneos, presos no seu conforto, perderam o sentido dessas distinções elementares.

Se o “direito da Humanidade” era, inicialmente, um manto de conquistas territoriais, levado ao extremo, tornou-se a ideologia de destruição das estruturas dos Estados nacionais. Para que os nossos direitos sejam respeitados, devemos ser “cidadãos do mundo” e aceitar uma “sociedade aberta”, “sem fronteiras”, administrada por um “governo mundial”.

É ignorar a História e a cultura de cada um desses “cidadãos do mundo”, impor-lhes o que parece ser melhor para nós... e, portanto, para eles.

Neste novo documento de Jeffrey Feltman, os “direitos humanos” são, mais uma vez, um pretexto. Esta personalidade participou no governo do Iraque, numa empresa privada concebida sob o modelo da Companhia das Índias, a mal afamada Autoridade Provisória da Coligação [5], mostrando, assim, o pouco respeito que ela tinha pelos direitos dos iraquianos. Ele exprimiu o seu verdadeiro propósito sobre a Síria, numa série de documentos conhecidos como o “Plano Feltman” [6]. Nos quais ele propõe revogar a soberania do povo sírio e estabelecer, como no Iraque, uma governação estrangeira.

Com arrogância, ele escreve: “O Plano de Acção Humanitária deve permanecer humanitário, a fim de garantir que a ONU possa levar a bem as atividades humanitárias essenciais para salvar vidas e assegurar as necessidades básicas das populações. As actividades de desenvolvimento ou reconstrução fora deste Plano, terão que ser reflectidas noutras estruturas que, por natureza, serão negociações mais demoradas com os governos. Isto é essencial, tendo em conta as complexas questões jurídicas e políticas envolvidas”. Por outras palavras, alimentem os refugiados, mas não lutem contra a fome que os consome; que ela seja para nós um argumento de peso, durante as negociações com o Estado sírio.

Os jordanianos, os libaneses, os turcos e os europeus ficarão surpreendidos ao ler: “A ONU não favorecerá o regresso dos refugiados e das pessoas deslocadas, mas apoiará os repatriados para garantir o carácter seguro, digno, informado, voluntário e durável do regresso e da reintegração, bem como o direito dos sírios de procurar asilo”. Retomando a teoria do professor Kelly Greenhill [7], Feltman não deseja ajudar os exilados a regressar ao seu país, mas pretende usar o seu êxodo para enfraquecer a sua pátria.

“A assistência das Nações Unidas não deve ajudar as partes que teriam cometido crimes de guerra ou crimes contra a Humanidade", afirma Feltman, interditando, por precaução, seja qual for o tipo de ajuda.

Ele estabelece que: "Somente quando uma transição política verdadeira e completa for negociada pelas partes, é que a ONU estará pronta a facilitar a reconstrução". Estamos muito longe do ideal da Carta.

Thierry Meyssan* Voltaire.net.org | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “Sergey Lavrov news conference with Gebran Bassil”, by Sergey Lavrov, Voltaire Network, 20 August 2018.
[2] “Parameters and Principles of UN assistance in Syria”, by Jeffrey D. Feltman, Voltaire Network, 3 September 2018.
[3] « Charte des Nations unies », Réseau Voltaire, 26 juin 1945.
[4] Porta Sublime é o nome da porta monumental de honra ao grande vizirato em Constantinopla, sede do governo do sultão do Império Otomano. Este termo é, muitas vezes, utilizado em linguagem diplomática nas chancelarias europeias para designar o Império Turco ou a cidade de Constantinopla, guardiã dos Estreitos. A cidade será designada como Istambul nas línguas turcas a partir de 1936.
[5] « Qui gouverne l’Irak ? », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 13 mai 2004.
[6] “Draft Geneva Communique Implementation Framework”, “Confidence Building Measures”, “Essential Principles”, “Representativness and Inclusivity”, “The Preparatory Phase”, “The Transitional Governing Body”, “The Joint Military Council and Ceasefire Bodies”, “The Invitation to the International Community to Help Combat Terrorist Organizations”, “The Syrian National Council and Legislative Powers during the Trasition”, “Transitional Justice”, “Local Governance”, “Preservation and Reform of State Institutions”, “Explanatory Memorandum”, “Key Principles revealed during Consultations with Syrian Stake-holders”, “Thematic Groups” (documents non publiés). “A Alemanha e a ONU contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2016.
[7] “Strategic Engineered Migration as a Weapon of War”, Kelly M. Greenhill, Civil War Journal, Volume 10, Issue 1, July 2008.

Quem ganha com os contratos de exploração de petróleo em Portugal?


Ricardo Paes Mamede* | Diário de Notícias | opinião

Há mais de 70 anos que se faz prospecção de petróleo em Portugal. Por várias ocasiões se encontrou petróleo, mas nunca em quantidades suficientes que justificassem a sua exploração comercial. Talvez por isso os portugueses se tenham habituado a encarar o tema como encaram o primeiro prémio do Euromilhões: estão convencidos de que a probabilidade de se encontrar grandes quantidades de petróleo é quase nula - pelo que não vale a pena perder muito tempo a pensar nisso; mas se acontecer existir petróleo que justifique a exploração, esperam tornar-se milionários extravagantes da noite para o dia - pelo que não se perde muito em tentar de vez em quando.

Os contratos para a prospecção e exploração de petróleo em Portugal suscitam assim um misto de condescendência e de vaga esperança de um futuro de abundância, quase nunca sendo debatidos em profundidade no espaço público.

A metáfora do Euromilhões é, no entanto, pouco adequada para o problema que temos em mãos. Grande parte da prospecção é hoje feita em zonas pouco pesquisadas no passado (nomeadamente no chamado offshore, i.e. em mar alto) e com recurso a técnicas de pesquisa e prospecção relativamente recentes. Continua a não ser muito provável que se encontre petróleo em grande abundância, mas é possível que exista em quantidade suficiente para que a sua exploração seja viável (depois de descontados os custos de prospecção, investimento e operacionais). Ao contrário do Euromilhões, quem joga (i.e., as empresas petrolíferas) não está a sonhar com um prémio milionário, quase impossível de obter; aspira antes a um retorno suficientemente elevado para justificar a aposta. Ou seja: é bem possível que haja petróleo em Portugal; mas é pouco provável que o país fique rico por isso.

O modesto retorno que se pode esperar para o país não decorre apenas da quantidade de petróleo que possa existir. Decorre também das condições previstas nos contratos de concessão em vigor. De acordo com esses contratos, o Estado Português receberia uma modesta percentagem do valor do petróleo produzido (entre 3% e 7%, em função das quantidades extraídas, no caso dos contratos do litoral alentejano), depois de descontados todos os custos de pesquisa e desenvolvimento dos campos petrolíferos e os custos operacionais. Os contratos estipulam também que a contrapartida para o Estado só começaria a ser paga depois de integralmente cobertos os custos de investimento.

Se tomarmos por referência as previsões de médio prazo para o preço do petróleo, as quantidades produzidas em países próximos e os custos standard envolvidos neste tipo de operações, rapidamente se conclui que o Estado português não ganharia mais do que algumas centésimas do PIB em cada ano (já incluindo as receitas de impostos). Mais problemático ainda, as empresas concessionárias têm uma responsabilidade limitada nos custos de eventuais acidentes ambientais, os quais teriam de ser assumidos pelo Estado e pelas populações e empresas afectadas.

É sabido que insistir na exploração do petróleo é contraditório com a intenção de combater as alterações climáticas: os estudos disponíveis mostram que para manter o aumento da temperatura global abaixo dos dois graus celsius nas próximas décadas seria necessário que pelo menos 80% das reservas de combustíveis fósseis mundiais permanecessem debaixo do solo.

Mas não é necessário ser um político coerente, um cidadão consciente ou um ambientalista convicto para questionar a bondade dos contratos para a exploração de petróleo em Portugal. Os contratos em vigor têm todo o aspecto de mau negócio para o Estado. Infelizmente, a sua história não augura nada de bom.

Os contratos em vigor regem-se por legislação ultrapassada (de 1994), que minimiza os requisitos e as responsabilidades das empresas concessionárias. Algumas concessões têm transitado de empresa para empresa através de simples adendas aos contratos, sem concurso público (é o caso, por exemplo, do famoso furo de Aljezur); outras foram contratadas em vésperas de eleições (como é o caso do furo previsto para a zona de Aljubarrota, cuja concessão foi atribuída em 30.9.2015). Nos contratos encontramos os sinais típicos das portas giratórias entre os sectores público e privado, com assinaturas de representantes das petrolíferas que se destacaram pouco tempo antes em áreas de governo relacionadas; e assinaturas de representantes do Estado que entretanto se tornaram arguidos de processos judiciais por suspeita de beneficiarem ilegitimamente interesses particulares.

O governo não tem sido convincente quando tenta mostrar que os contratos para a exploração de petróleo em Portugal são coerentes com o compromisso que assumiu no combate às alterações climáticas. O mínimo que podemos ainda esperar é que demonstre não estarmos perante mais um caso desastroso de concessões que deixam os principais benefícios do lado dos privados e os principais riscos do lado do Estado e das populações. Ou isso ou que se cancelem os contratos que ainda estão em vigor.

*Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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