quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Tecnologias indígenas: esplendor e captura


Milênios de cultura nutriram uma relação de sintonia entre ser humano e natureza. É do que mais necessitamos, em meio à crise civilizatória. Mas é o que mais desprezamos

Angela Pappiani | Outras Palavras | Imagem: Ricardo Stuckert

Quando as primeiras caravelas vindas da Europa atracaram em terras americanas, elas traziam a bordo o que havia de mais moderno e avançado, a tecnologia mais desenvolvida da época: naves planejadas e construídas para vencer os oceanos, instrumentos de navegação, mapas, armamentos. E o pensamento desbravador e explorador das grandes potências da época, dos senhores supremos, donos de terras, mares e gentes, com mandato divino para aniquilar ou dominar tudo que não fosse à sua semelhança.

Encontraram aqui povos que viviam de maneira oposta, com a tecnologia mais avançada e adaptada às suas necessidades. E esse conhecimento acumulado ao longo de milhares de anos foi fundamental para que os estrangeiros conseguissem aqui permanecer e iniciar seu plano de ocupação e exploração dos novos territórios.

Da mesma forma, em pleno século 21, as frentes de contato de povos isolados continuam chegando a lugares remotos com o que há de mais moderno e avançado: helicópteros, computadores, celulares conectados a satélites, GPSs, o modelo mais moderno de sleeping bag, de repelente, lanterna, roupas com proteção solar.

E, como há cinco séculos, o que se encontra dentro das florestas remotas é conhecimento, sabedoria, sustentabilidade. Arquitetura, engenharia, astronomia, biotecnologia, agricultura, medicina, ciência política, estratégias de guerra, filosofia, espiritualidade, arte.

Cada um dos povos originários que aqui viviam e ainda vivem tem uma forma particular de entender e ocupar o mundo, um idioma, uma história própria, relações comerciais, sociais e políticas e, até há pouco tempo, uma grande movimentação pelos continentes.

Esses povos considerados primitivos domesticaram centenas de plantas selvagens para produzir alimentos, fazendo cruzamentos e aprimorando sementes até atingir a perfeição. O milho, originário de uma gramínea, foi aprimorando em dezenas de diferentes espécies, de cores e sabores diversos, com as mais variadas formas de processamento, e se transformou no alimento mais cultivado e apreciado em todas as Américas, chegando à Europa somente após o retorno dos primeiros exploradores no século XV. Assim como as dezenas de espécies de mandioca, o cacau, o feijão, o tomate, e principalmente as batatas – dezenas de variedades cultivadas no Peru e Bolívia e que dali se expandiram para todo o mundo.

A fartura de alimentos cultivados com técnicas especificas em cada ecossistema e por cada um dos povos, além de frutas nativas e castanhas, surpreenderam os colonizadores — que rapidamente se apropriaram dessa riqueza, usufruindo desse conhecimento milenar.

E não vou nem me atrever a falar sobre as grandes culturas e sociedades Olmeca, Tolteca, Asteca, Maia, Inca, com seu esplendor e riqueza material, totalmente subjugadas pelos espanhóis. Quero focar a conversa nos povos que venceram os séculos de ocupação e massacres e ainda vivem hoje, nossos contemporâneos em tempos tão difíceis de intolerância à diversidade.

Grande parte dos medicamentos que chegam às farmácias têm origem no conhecimento tradicional de plantas originárias das matas, cerrado, caatinga. Ervas, raízes, flores, frutos, seivas, cascas de árvores, uma infinidade de plantas usadas na cura, proteção e no fortalecimento do corpo pelos povos indígenas. Muito desse conhecimento é hoje explorado comercialmente por grandes laboratórios sem nenhum tipo de reconhecimento aos povos que descobriram seus princípios e usos. Seu Casemiro, um ancião do povo Tukano, do Alto Rio Negro(AM), quando perguntado por um pesquisador sobre o uso de determinada planta medicinal, se recusou a responder. Disse que “durante muito tempo esse conhecimento foi entregue generosamente aos estrangeiros porque o povo indígena acreditava que assim estava colaborando para a cura de muita gente”. Mas que agora, quando seu povo precisava de um medicamento, “não tem como pagar tão caro para uma empresa de fora que transformou a cura em negócio”. Essa questão é complexa e mobiliza instituições e governos com grande interesse no assunto, mas o “Direito de Patente, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional”, com o reconhecimento dos povos originários, enfrenta, como sempre, o grande poder econômico.

Esse conhecimento da medicina tradicional vai além do uso das plantas, envolve banhos, sangrias, massagens, envolve a intervenção de pajés e homens de poder que fazem a intermediação com o mundo dos espíritos. Há alguns anos, morreu num hospital de Brasília o querido Tio Raimundo, Serezabdi Xavante, com mais de 85 anos. Era jovem quando os warazu, os estrangeiros, chegaram à sua aldeia no final de década de 1940. Era sábio, guerreiro e caçador dos mais elogiados e tinha um grande conhecimento sobre cura usando as plantas do cerrado. Eu estava na aldeia quando uma menina de uns oito anos foi mordida por uma cobra jararaca. Ele foi chamado. Já era bem idoso, se movia com dificuldade, mas foi para o mato e regressou com uma batatinha.

Ralou o liquido branco e deu numa cuia para a menina tomar. Usou a massa da batata para fazer um curativo sobre a mordida. Fez sua reza enquanto a família da menina chorava o choro cerimonial. Ele ficou ao lado da menina, cuidando, o resto do dia e da noite. Meu coração apertado fazia um esforço para se acalmar e confiar que tudo ficaria bem, mas confesso que queria levar a menina de carro para a cidade para que tomasse soro. Todos ali tinham plena confiança, apesar da dor e da angústia. No dia seguinte a menina estava bem e já se movimentava pela casa, mancando com o pé ainda inchado. Para a tuberculose, que o pegou de jeito, Tio Raimundo não conhecia a cura. As doenças que chegaram com o warazu continuam tirando a vida de velhos, jovens e crianças nas aldeias. E esse conhecimento tradicional, desacreditado e desrespeitado pelos profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento às aldeias, vai sendo substituído pelos comprimidos e injeções, por medicamentos que, quando estão disponíveis para essa população, sempre têm efeitos colaterais.

Enquanto isso, a diversidade da nossa flora vai ao chão para abrir espaço ao agronegócio. A própria configuração atual da floresta ou do cerrado, tão diversa, é fruto da presença e da ação dos povos indígenas. Sobrevoando a floresta amazônica num pequeno avião monomotor, entre Boa Vista, a capital de Roraima e a aldeia Demini, meu companheiro de viagem, o grande líder Davi Kopenawa Yanomami me mostrava, lá embaixo, aldeias antigas e trilhas percorridas pelo povo Yanomami. Mesmo voando a baixa altitude, eu via apenas a floresta, um tapete verde maravilhoso, mas uniforme. Ele, muito paciente, tentava me fazer enxergar além. E como naqueles jogos de ilusão ótica, de repente, eu consegui enxergar claramente o que meu mestre tentava me fazer ver.

Sim, o formato circular da aldeia estava ali, impresso na mata, as trilhas apareciam claras, serpenteando até o rio ou se distanciando. A vegetação nesses lugares era outra, árvores frutíferas, palmeiras, um pomar e jardim construídos ao longo de centenas de anos de ocupação. Pois o povo semeia seus alimentos preferidos em torno da aldeia, as árvores de que necessita ao longo dos caminhos. As sementes do que se come, andando na mata, ficam ali, se desenvolvem, se tornam novas árvores que vão alimentar nos trajetos as futuras gerações. É assim também no cerrado. O povo Xavante sabe para onde ir caçar quando tem vontade de comer anta, pois conhece os hábitos desse animal, sabe onde estão as frutas que ele mais gosta. E dessa maneira, criando as condições para que o cerrado se mantenha, diverso e rico, esse povo caçador pode garantir o sustento da família com a carne mais apreciada.

Logo depois da retomada de um extenso território que havia sido ocupado por fazendas de arroz e gado, na década de 1970, os anciãos Xavante do território de Pimentel Barbosa se preocuparam em recuperar aquela área de cerrado, totalmente devastado. Procuraram ajuda fora da aldeia, pois tinham pressa e acreditavam que a tecnologia tradicional não daria conta da recuperação daquele lugar tão árido e sem vida. Pesquisadores da Embrapa foram consultados e eles também, naquela época, estavam às voltas com a dificuldade de germinação de muitas espécies do cerrado para produção de mudas.

Foram esses cientistas Xavante que esclareceram os mistérios da germinação de cada uma das sementes. Eles tinham o conhecimento para quebrar a dormência. O fogo era fundamental para muitas; para outras, o caminho para despertar passava pelo sistema digestivo dos animais silvestres. “Essa planta nasce depois que fazemos a caçada com fogo, diziam eles, esta outra quando a anta caga a semente, aquela precisa ser comida pelo lobo.” Aliando os conhecimentos dos cientistas da aldeia e da cidade, essa área do cerrado foi recuperada totalmente. É um lugar vivo, que irradia alegria para o povo Xavante, alimentando as novas gerações.

Da mesma forma, os povos que vivem à margem dos grandes rios dominam o conhecimento sobre o fantástico mundo das águas. Conhecem cada espécie de peixes e animais aquáticos, seus hábitos e necessidades. Sabem como manter o equilíbrio dos rios e lagos, preservando a água e o alimento. Sabem fazer canoas, leves e ágeis, capazes de navegar em igarapés rasos e enfrentar os grandes rios. Tecnologias desenvolvidas ao longo de milhares de anos, a partir de pesquisas e tentativas até encontrar a árvore perfeita, o instrumento perfeito, o uso do fogo ou da água para moldar a madeira. Cada povo tem sua forma de construir canoas, cada uma tem características próprias.

Da mesma forma a arquitetura de cada um desses povos é completamente diferente e totalmente adaptada às necessidades da comunidade. O que elas têm em comum é a beleza, a funcionalidade, a capacidade de reter o calor nas noites frias e manter o frescor nos dias quentes, de ser arejada e permitir a saída da fumaça das fogueiras. Cada casa indígena traz a marca desse conhecimento e sabedoria, da pesquisa, aprimoramento e transmissão da tecnologia para as gerações futuras. Difícil imaginar como os povos do alto Xingu construíam suas casas magníficas quando ainda não conheciam o machado ou a motosserra, quando não havia trator ou caminhonetes para transportar a madeira. Os esteios principais da casa são troncos de mais de 8 metros de altura, a madeira que sustenta a cumeeira pode ter 20 metros. O planejamento e execução de tão complexa obra envolve muitas etapas: a localização do material, o corte, o transporte de grandes troncos, de ripas e cipós para amarração, de sapé para a cobertura. Tarefa de toda a família extensa que vai ocupar a casa, trabalho de meses. Da mesma forma, é impactante ver uma casa Yanomami, com o pátio central aberto para o céu, enquanto as paredes laterais descem até o chão, fechando um circulo perfeito que acomoda dezenas de famílias nos espaços laterais. Em meio à floresta fechada, a única grande casa chamada Xabono protege toda a aldeia.

E os povos que vivem à beira de grandes rios fazem suas casas sobre longas pernas, fincadas no chão dos barrancos. As palafitas, com esteios e assoalho de palmeira paxeuba, são leves, abertas para o mundo, pousam como pássaros sobre a floresta, com a vista para o rio, mesmo nas cheias protegem seu povo.

Ailton Krenak definiu assim uma casa indígena: “Nossas casas são assim, como nosso corpo: os troncos, como a coluna vertebral, dão a sustentação; as varas, como as costelas, protegem o coração. As folhas, como nossa pele, abrigam do frio e do calor”.
E a rede de dormir? Tem invenção mais gostosa e aconchegante? Um jeito amoroso de envolver o corpo para que o espírito descanse, para que os sonhos iluminem o pensamento e desvendem os mistérios.

Acima da cabeça, orientando a vida, está o céu, com suas constelações, com seu movimento que os povos conhecem e dão nome, que regulam o tempo de plantar e colher, de caçar e pescar, de fazer as cerimônias, o local e a direção da construção da casa. E como o movimento do céu, o tempo é circular, se repete nos ciclos, respeita o fluxo da natureza. Uma relação de conhecimento e parceria, de pertencimento e respeito.

E ainda hoje, toda essa tecnologia e conhecimento são invisíveis aos olhos da “sociedade nacional”, àqueles que pensam que sua tecnologia é a única e verdadeira, o povo das mercadorias, como diz Davi Yanomami.

A nossa tecnologia “branca ocidental” seguiu um caminho de transformação dos recursos naturais em coisas, cada vez mais complexas, brilhantes, mirabolantes. Coisas que ficam para sempre, mesmo quando já não funcionam mais, viram lixo que vai se acumulando e pesando sobre o planeta. Nós nos orgulhamos dos prédios cada vez mais altos, dos carros cada vez maiores, dos computadores cada vez menores e mais inteligentes, enquanto nossa memória, sem se exercitar, fica mais fraca e esquecida, enquanto nosso corpo se modifica de acordo com as exigências do mercado e se distancia da natureza, interna e externa.

Chegamos às aldeias com modelos de arquitetura em alvenaria para as escolas, com as motocicletas que transformam os corpos indígenas em sedentários dependentes de combustível, com alimentos enlatados e empacotados que causam doenças.

Negamos o conhecimento tradicional e a beleza dessas culturas porque assim podemos convencê-los de que são menos, são ignorantes e incapazes, são indolentes e arcaicos, homens das cavernas ou animais. E assim nos damos o direito de tirar-lhes a vida, o território, a crença, a alma, a alegria de viver. Porque somos superiores, sabemos como desenvolver este país e eles estão atrapalhando o nosso caminho. Estão sentados sobre a riqueza dos minerais mais preciosos, de terras agriculturáveis, de rios que podem se transformar em barragem ou esgoto.

Com sua sabedoria, Davi Kopenawa Yanomami desde a década de 1980 fala que os nape, os “brancos”, estão liberando veneno de dentro da terra e esse veneno sobe como fumaça, causando feridas na pele do céu. Essas feridas abrem buracos por onde o sol vai penetrar e queimar a terra e tudo que está vivo sobre ela. O céu, doente, um dia vai cair e acabar com o mundo. Os Yanomami, que em seus mitos relatam uma primeira queda do céu, sabem bem do que estão falando. Está na hora ouvirmos esses povos, de reconhecermos a sabedoria indígena, aprendermos com eles a cuidar do planeta, antes que seja tarde demais.

*Angela Pappiani - Jornalista, produtora cultural e escritora; diretora na IKORE, agência voltada à temática indígena

A importância do Dia da Consciência Negra


Quem olha para a história desse feriado se conscientiza de como os tempos mudam, avalia o colunista Thomas Milz.

Dia da Consciência Negra é celebrado em vários Estados brasileiros em 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares.

No dia 20 de novembro comemora-se novamente o Dia da Consciência Negra em todo o Brasil. Se bem que eu não sei se "comemorar" é a palavra certa. Atualmente, ouve-se das mais altas instâncias do poder que o ativismo não é mais visto com bons olhos – querem até mesmo que ele acabe. Por outro lado, isso só deverá valer a partir de janeiro – e, com isso, ainda não afeta a data comemorativa no final deste novembro.

Seja como for – a história do surgimento do Dia Nacional da Consciência Negra é extremamente interessante. Há 40 anos, no dia 4 de novembro de 1978, ativistas do Movimento Negro Unificado (MNU) se reuniram no ICBA em Salvador. Lá entraram em acordo para, a partir daquele momento, celebrar o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro.

O dia da morte de Zumbi dos Palmares deveria lembrar que os escravos sequestrados e levados para o Brasil não aceitaram seus destinos calados, mas se rebelaram contra a dominação de seus corpos e almas por estranhos.

E quem poderia culpá-los? Nós, hoje em dia, mal suportamos quando alguém não tem a mesma opinião que a nossa. Imagine só como nos sentiríamos se alguém nos escravizasse à força e nos sequestrasse e levasse através dos oceanos. Mas, por sorte, o mundo evoluiu – se tivéssemos armas, poderíamos até matar a tiros o escravagista numa situação de emergência dessas, em legítima defesa. E todos nos parabenizariam por isso.

A sigla ICBA, aliás, reúne as iniciais do Instituto Cultural Brasil-Alemanha – ou, em outras palavras, o Instituto Goethe em Salvador. Nos anos 1970, ele ofereceu proteção ao MNU contra funcionários da ditadura. Naquela época, estes temeram realizar prisões num instituto cultural alemão. Fora isso, porém, ativistas do movimento negro eram alvos de perseguição, já que falavam sobre "racismo", apesar de isso ser proibido na época. Não o racismo, mas falar sobre ele.

Com a Lei de Segurança Nacional de 29 de setembro de 1969, uma discussão sobre racismo havia ficado praticamente impossível. E, naturalmente, desnecessária, já que, segundo os ditadores militares, o Brasil era, afinal, uma "democracia racial". O termo soa estranho hoje em dia, mas aquele era um decreto sério. Provavelmente, já soava esquisito naquela época.

A própria Lei de Segurança Nacional é, em si, realmente interessante. Em várias partes, tive que sorrir: o artigo 16 diz "Divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas: Pena: detenção, de 6 meses a 2 anos". Ou seja: as notícias falsas, ou fake news, também já eram problema naquela época.

Mas, provavelmente, ninguém teria tido coragem de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal. Segundo o artigo 26, era proibido "impedir ou tentar impedir, por meio de violência ou ameaça de violência, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados: Pena: reclusão, de 4 a 10 anos". Mas eram outros tempos.

Hoje de manhã, uma mulher negra puxou conversa comigo no elevador. "O Brasil está cada vez mais racista", disse. "Fui comprar uma boneca de presente numa loja, mas só tinha bonecas loiras e brancas. Estranho, já que nós, pardos, somos a maioria, não é?", comentou, me desejando um bom dia.

O ICBA, aliás, voltou às manchetes há apenas alguns meses – e, novamente, foi por causa de um movimento pró-libertação. Dessa vez, o Movimento Brasil Livre convocou protestos na frente do instituto porque, aos olhos do MBL, havia uma exposição fotográfica obscena no local. Mas a polícia estava presente – com o objetivo de proteger o ICBA dos manifestantes do movimento pela liberdade.

É. Os tempos mudaram.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

Thomas Milz (rk) | Deutsche Welle

E agora, São Tomé e Príncipe?


Carlos P. Tiny | Téla Nón | opinião

Começo por uma Declaração de princípios: esta é uma “intervenção de cidadania”. Já não faço política partidária, não sou militante de partido algum e não tenho simpatia particular por qualquer das forças politico-partidárias santomenses. Há em todos os partidos gente por quem tenho grande simpatia, assim como há políticos de quem pura e simplesmente não gosto, mas respeito-os. Não renuncio ao meu direito de intervenção cívica quando, aonde e como entender, na defesa do que julgo serem os interesses deste país e deste povo. Como costumo a dizer entre os meus amigos, “não quero ser nem Primeiro, nem o último dos Ministros… nem Presidente, nem Contínuo da República”. Aos que procuram em mim um competidor saibam que não é em mim que o encontrarão.

No panorama político santomense de hoje, diga-se o que se disser, existe o que um amigo meu chamou de uma Nova Maioria (NM). Só não a vê quem não quer, até porque existem dois tipos de cegos: os que não veem porque não podem ver – doença ocular – e os que não vêm porque não querem ver. Por esses a medicina nada pode fazer. Essa Nova Maioria vai mesmo formar o próximo Governo de São Tomé e Príncipe. Não vejo como, legalmente, contornar isso. Deem-se as voltas que se queiram dar, isso vai acontecer.

Ontem chegou-me um vídeo, que espero que não seja “fake news”, – em todo o caso não vi um desmentido do partido interessado…, em que o líder do ADI, um ano antes das eleições, falou de partidos que “perderam a sua alma”, partidos que seriam “sucursais” de outro partido, disse que existem dois “blocos políticos”, e concluiu dizendo que “não pode haver vitória sem que haja maioria absoluta” e que, “se o ADI chegar primeiro sem maioria absoluta, significa derrota do ADI”. De facto foi o que aconteceu, o ADI chegou primeiro sem maioria absoluta e, de acordo com o as próprias palavras do Presidente do ADI, saiu derrotada. Há que sermos consequentes…

A Democracia como a conhecemos nutre-se de duas componentes vitais, uma não existindo sem a outra, sendo as duas igualmente importantes – o Poder e a Oposição. Sem essas duas, repito duas componentes, existe qualquer outra coisa, mas não existe democracia. Tenho sinceramente dificuldade em compreender o que é que faz o ADI fugir da oposição de forma tão obstinada. Lembro-me de, em 2010 quando estávamos no poder e perdemos as eleições, termos avançado sem pestanejar para a transferência de poder para esse mesmo ADI. Estivemos todos os membros do então Governo na tomada de posse do Governo de Patrice Trovoada. O percurso de um político, seja ele quem for, faz-se de vitorias e derrotas. Eu acredito que a derrota faz amadurecer um político. A mim pelo menos o fez.

Dito isso, acho que o ADI deve tomar o seu lugar na oposição e a Nova Maioria deverá formar o novo Governo da Nação. De resto, ou se mudam e bem as coisas, ou até é bem provável que não fique lá por quatro anos pois a probabilidade de a NM, por erros e omissões que possa vir a cometer, acabe por retirar o ADI da oposição mais cedo do que tarde não é desprezível. O tempo, esse grande pedagogo, nos dirá…

Por outro lado, não vejo razões para que essa Nova Maioria queira correr uma corrida de fundo como se de uma prova de velocidade se tratasse. Acho bom lembrar o ditado popular santomense que diz que “nguêmbú flontadu ka molê ni kapuelé”…. Na minha modesta opinião, o Presidente da República tem toda a legitimidade para “tomar o seu tempo” para decidir. Se decidir chamar o ADI, partido que obteve o maior número de mandatos parlamentares, a formar Governo, o que acredito que fará, fá-lo-ia, no respeito pela Constituição e pelas Leis. Todavia, sabemos (e o Presidente da República também sabe) que os ventos não são favoráveis ao ADI e que existe uma maioria parlamentar (espero bem que não se trate de uma maioria “para lamentar”) que derrubará esse eventual Governo, fazendo, e bem, o seu papel no jogo democrático. Assim, não vejo que, depois disso, restem muitas alternativas a Evaristo de Carvalho, para além de chamar JBJ e pedir-lhe para formar Governo.

Oportunidades sim, mas com enormes Desafios

A Nova Maioria tem de facto a oportunidade de reverter um curso de história a que assistimos nos últimos quatro anos e que nos conduziu a um lugar que podemos chamar de tudo menos de Democracia. Há no ADI gente, até mesmo dirigentes, por quem nutro consideração e respeito; gente que se chamou de “Geração Esperança” e em quem pessoalmente depositei de facto Esperança – julgo ser oportuno dizer que aquando do lançamento do partido “Geração Esperança” no Hotel Miramar, salvo erro em 2005 ou 2006, fui o único dirigente do MLSTP a marcar presença nesse acto e nessa altura eu disse claramente que o fazia consciente de que à essa nova Geração, em que eu acreditava, caberia um papel importante na definição do futuro da Nação. Confesso que até hoje não consegui compreender como é que algumas dessas pessoas foram capazes de não ver o que toda a gente via e pactuarem com coisas extremamente graves, lesivas da soberania nacional. Falo, por exemplo, de tropas estrangeiras “no solo sagrado da terra” para usar as palavras da saudosa Alda do Espírito Santo; falo da invasão de militares estrangeiros ao Parlamento para assediar Deputados eleitos da nação, falo da decapitação do Supremo Tribunal de Justiça, etc. São coisas muito graves que um patriota não pode calar em nome de fidelidades politico-partidárias. Contudo, trata-se de gente ainda jovem; e quem na juventude não cometeu erros? Eu cometi-os e muitos…

Enfim, o povo fez o seu julgamento e definiu uma Nova Maioria que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de formar Governo… A propósito, ouvi dizer que o “Supermercado de Deputados” – onde se compra e vende Deputados – encerrou para balanço e espero bem que assim seja…

Até aqui tudo bem, tudo fácil… mas depois daqui é que vem o busílis…olhemos para os Desafios…
Jorge Bom Jesus (JBJ), o putativo Primeiro-ministro, foi eleito Presidente do Mlstp e, dois-três meses depois, ganhou as eleições em aliança com a Coligação PCD/MDFM/UDD. Ele tem de ter consciência de que é muito raro um político ser eleito e dois meses depois ser candidato a Primeiro-ministro; em STP isso aconteceu com o PCD-Grupo de Reflexão em 1991 e agora com o Mlstp de JBJ. Ele tem de se questionar do porquê disso (por experiência pessoal sei que o Mlstp é muito mau em procurar as “causas das coisas que lhe acontecem”). Não querendo deter-me longamente sobre isso (cabe ao Mlstp fazê-lo), direi apenas que nessa vitória alguns actores tiveram um papel muito importante: os militantes e simpatizantes dos diversos partidos da NM seguramente; mas a Sociedade Civil no seu todo bem como a Diáspora santomense, a Juventude, as Mulheres e as Igrejas, foram decisivas.

Revejam-se os vídeos das movimentações populares para reclamar a lisura nos processos de confirmação dos votos, visitem-se os sites das redes sociais, e teremos uma noção mais exacta do que digo… Aproveito para, humildemente homenagear esses diversos actores que, nas redes sociais, em “directos” e em inúmeras entrevistas, nas ruas, em conversas telefônicas com os seus familiares em STP souberam dizer “presente” à sua Nação e ao seu Povo em momento singular da sua existência como nação democrática. Não me permito citar nomes para não ser injusto esquecendo alguns, mas não resisto a mencionar o “Maikel”, o oficial da Polícia Nacional reformado, meu companheiro de bisca 61, de joelhos e com os braços abertos em cruz, em frente ao Tribunal Constitucional, clamando ao seu Deus para que iluminasse os caminhos da democracia e da liberdade na sua amada Pátria. Que força nessa imagem!…

Nunca houve nada como isso em STP. Nunca mais nada será como dantes… essa gente não mais será enganada por nenhum partido politico, novo ou velho, com “pão com chouriço e uma cerveja”, nem tampouco com 20, 40, 100, mil, milhões de dobras ou mesmo de euros… que o tentem fazer e terão a resposta…Estas foram a “mãe de todas as eleições” e… os políticos santomenses têm a oportunidade de acabar de vez com o “banho”, esta infame peste que tomou conta da cena política nacional e ameaça os alicerces da própria sociedade.

A primeira prova a sério a que será submetida essa nova maioria é a formação do Governo que vai apresentar ao país; é o primeiro indicador que dará à Nação das suas reais intenções. Essa nova maioria terá de ter consciência daquilo que a maioria dos santomenses que lhe deram a vitória esperam dela. Seria bom que na formação do próximo governo fossem tidas em conta as aspirações dessas diversas camadas do povo santomense. Transparência, um Governo inclusivo, competente, sério, com adequada representação de mulheres e jovens, um Governo em que se revejam a Sociedade Civil e a Diáspora. É extremamente importante que as pessoas se revejam nesse próximo governo. Seria também muito bom que a diáspora passasse a ter mais voz no dizer da nação na hora de escolher os seus dirigentes, seria bom que fossem estabelecidos palcos para que a sociedade civil se pudesse manifestar e dizer da sua justiça também.

Permitam que isso não aconteça e… falaremos dentro de 6-12 ou 24 meses…

Sejamos claros, e eu já não tenho idade para andar com subtilezas de conveniência e à despropósito. É muito difícil que isso venha a acontecer. A “caça aos tachos” só não é grande nos partidos porque é enorme, escandalosamente grande… Quase todos os “chefões” já se posicionaram, e existem listas que cada um apresenta com o ou os “tachos” que terão de lhes serem atribuídos. Por outras palavras, a ambição é desmesurada, é demais… toda a gente quer ser tudo. Como é evidente, isso põe uma pressão insustentável nas lideranças que lhes torna a vida num inferno. Como do inferno nada de bom se espera, pelo menos na minha educação judaico-cristã, também daí não espero grandes e boas notícias.

Da Oportunidade ao Milagre, mas sem Oportunismos

Com esse autêntico forrobodó que se assiste na classe política santomense em geral, e em particular no seio de alguns senão todos os partidos da Nova Maioria, só um milagre poderá permitir que esta possa parir um Governo que cumpra um mandato de quatro anos. Lamento dizê-lo, mas é a minha opinião, é para mim uma verdade nua e crua…

Daí o meu apelo a todos os políticos e quadros de todos os Partidos, a todos os santomenses que têm (e muitos deles até legitimamente) pretensões, para que facilitem a tarefa a quem tem de tomar as decisões. Meus caros Senhores, por uma vez que seja, calem os vossos egoísmos e ambições pessoais desmesurados e ponham os interesses de São Tomé e Príncipe em primeiro lugar.

Deem uma oportunidade para que Bom Jesus (o Deus feito homem) faça o Milagre e ilumine os caminhos do Jorge Bom Jesus (este, o bom cristão) para que ele saiba aproveitar a Oportunidade, permitindo-lhe fazer um Bom Governo e uma Boa governação.

O mundo não acaba com a formação do próximo governo, meus caros compatriotas. A ver vamos…

Que Deus abençoe São Tomé e Príncipe e dê Sabedoria e Humildade aos seus Líderes Todos.

Angola | Comentário do dia de hoje e para os tempos que correm


Martinho Júnior, Luanda 

Aquela vanguarda que foi um dia o MPLA, foi desbaratada e com ela os imensos resgates que há a realizar em benefício de todo o povo angolano, transformando Angola na pátria bonita que povoou os sonhos de gerações e gerações de combatentes e patriotas da Luta de Libertação em África!...

E agora falta à direcção do estado angolano, de forma tão consensual quanto o que é possível e numa plataforma patriótica, implantar com clarividência, com sabedoria e com vontade, programas alargados de luta contra o subdesenvolvimento e partir, imbuídos duma lógica com sentido de vida, na direcção duma GEOESTRATÉGIA PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL!...

Os paliativos são contraproducentes e semeiam ainda mais miragens e ilusões para além das que já existem!

Martinho Júnior | Luanda, 9 de Novembro de 2018

Angola | 500 detidos na Operação Resgate


Durante os primeiros sete dias da operação, as autoridades encerraram vários estabelecimentos comerciais e mais de 30 templos ilegais e detiveram 509 pessoas. Comerciantes ouvidos pela DW em Luanda criticam operação.

A Operação Resgate, iniciada há uma semana em Angola, permitiu às forças de segurança apreender 536,455 quilogramas de liamba e deter 509 suspeitos de crimes diversos, que permitiram esclarecer 471 casos em investigação, avançou esta terça-feira (13.11) o diretor do Gabinete de Informação e Comunicação Institucional da Polícia Nacional de Angola, comissário Orlando Bernardo.

Numa conferência de imprensa destinada ao balanço da primeira semana de atividade da operação, Orlando Bernardo afirmou ainda que as ações permitiram apreender 47 armas de fogo, bem como 1.140 munições, seis cartuxos e 35 carregadores.

Dada a transversalidade da Operação Resgate, que visa repor a autoridade do Estado em todo o país, as forças envolvidas apreenderam cinco toneladas de acessórios diversos de viaturas com proveniência duvidosa, 20.000 litros de combustível, 2.414 telemóveis, 2.644 metros cúbicos em toros de madeira.

A operação levou também ao encerramento de três locais de tratamento dentário por "más condições de funcionamento" e à aplicação de multas a outras seis por falta de pagamento de impostos, casos registados todos na província de Luanda.

Segundo Orlando Bernardo, foram também encerrados 34 "templos de adoração" e cinco "locais de culto" - 19 em Cabinda, 11 em Luanda e quatro em Malanje -, "que funcionavam sem documentação e em locais inapropriados". 

Críticas da população

A operação visa reforçar a autoridade do Estado em todos os domínios, reduzir os principais fatores que geraram desordem e insegurança, bem como os da violência urbana e da sinistralidade rodoviária, aperfeiçoar os mecanismos e instrumentos para a prevenção e combate à imigração ilegal, e proibir a venda de produtos não autorizados em mercados informais.

Segundo a polícia, a Operação Resgate está a decorrer dentro da normalidade e os resultados "são satisfatórios”. Também não se registam "situações assinaláveis" que comprometam os objetivos da operação.

A situação é de tranquilidade no interior de alguns bairros, apesar de muitos proprietários de cantinas fecharem os estabelecimentos por receio da ação dos polícias. Um dos casos que está a preocupar os populares tem a ver com a escassez de transportes, o vulgo candongueiro. O número de viaturas a fazer o serviço de táxi diminuiu porque muitos fazem a referida atividade de forma ilegal.

Os luandenses continuam a criticar o Governo de Angola por lançar a operação sem sensibilizar a população. "Avisar a população não seria mau. O mal está em atuar assim brutalmente", diz o funcionário público Filipe Makundia.

O mecânico Milton da Costa elogia a operação, mas só na questão relacionada com a imigração ilegal: "Quanto aos estrangeiros o governo está a fazer um bom trabalho porque é assim em toda parte do mundo. Os estrangeiros devem estar legalizados e pagar impostos. É só em Angola onde não se paga impostos". Sobre a "venda desorganizada", o jovem diz que o Governo deveria criar alternativas, "preparar mercados e só depois é que devia tirá-los das ruas. Muitos maridos não trabalham e são elas que sustentam as famílias".

Mercados sob vigilância

Os principais pontos de venda desordenada em Luanda estão localizados nos bairros do São Paulo, Mercado dos Congoleses e Calemba 2, onde as pessoas vendem nas proximidades das estradas. Neste momento, estão sob vigilância e o aparato policial inclui cães e cavalos. Entretanto, já não há bancadas de negócio nos passeios reservados para os peões.

As vendedoras ambulantes ouvidas pela DW África pedem a construção de mais mercados para deixarem de vender nas proximidades da estrada. Muitas dizem que o combate à "zunga” está ameaçar a vida de muitas famílias.

"Se aparecerem mais lugares vamos todos para o mercado e vamos deixar de vender na rua. Também é bom para nós”, diz Madó, uma das comerciantes em São Paulo. "Os mercados que existem já têm donos e para vender lá temos que pagar. Há algumas aqui que não têm maridos e sobrevivem da venda. O meu marido já é falecido, tenho quatro filhos e vivo numa casa arrendada", conta.

Quem vende nas ruas alega que os mercados que existem não têm capacidade para albergar a maior parte das pessoas. Rogério Eurico, vendedor ambulante, considera que o Governo tem condições para construir mais espaços para venda. "É necessário que se criem mercados. Nós não trabalhamos nas empresas e também estamos a sofrer. As nossas mulheres estão ajudar nas despesas da família. É boa essa iniciativa de tirar as pessoas da rua. Mas o governo pode comprar os quintais que estão aqui ao lado para criar mercados", sugere o comerciante de roupa masculina.

Mais receitas e segurança

Orlando Bernardo, porta-voz oficial da Operação Resgate, destacou que foi possível, nos primeiros sete dias, aumentar a arrecadação de receitas do Estado, melhorar a fluidez e segurança no trânsito rodoviário, bem como no saneamento básico em alguns locais habitualmente utilizados para a venda ilegal na via pública.

"A operação despertou a população em relação às perdas que o Estado vinha sofrendo face ao não-pagamento dos impostos por grande parte dos proprietários e estabelecimentos comerciais de prestação de serviços", acrescentou.

No entanto, alertou Orlando Bernardo, apesar das melhorias alcançadas, há correções ainda a fazer, sobretudo na coordenação e interação dos departamentos ministeriais envolvidos na operação, que devem ter maior fluidez na partilha de informação. "A vigilância dos preços de bens e serviços para evitar a especulação face ao encerramento voluntário de um elevado número de estabelecimentos comerciais de locais de venda de produtos de proveniência ilícita, o aumento da capacidade de atendimento das instituições públicas vocacionadas para a legalização das atividades e serviços" são outras "correções necessárias", acrescentou.

Orlando Bernardo falou também da necessidade de serem criadas condições para acomodar os vendedores retirados das ruas para evitar o regresso aos locais desativados, para o que, disse, estão identificados locais que poderão instalar 31.000 vendedores.

"A Operação Resgate não visa somente a repressão de práticas abusivas, incivilidades e transgressões administrativas. É acompanhada também de uma estratégia de comunicação, para a sensibilização e a consciencialização permanente dos cidadãos", sublinhou o porta-voz da operação.

Borralho Ndomba (Luanda), Agência Lusa | Deutsche Welle

Diáspora guineense denuncia à CPLP violação de direitos de estrangeiros em Angola


Lisboa, 13 nov (Lusa) - O Fórum da Diáspora para o Diálogo e o Desenvolvimento da Guiné-Bissau entregou hoje na sede da CPLP em Lisboa, uma carta, subscrita por várias entidades, denunciando a violação dos direitos de cidadãos estrangeiros em Angola.

A informação foi confirmada à Lusa por José Baldé, um dos promotores do documento, que pretende denunciar a forma como são tratados os estrangeiros africanos, alguns deles cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), pelas entidades policiais angolanas.

"Com a autorização do Governo e ainda com total liberdade de filmagem e exibições desses atos bárbaros nas redes sociais, mostrando-os ao mundo inteiro", acrescenta o documento, a que a Lusa teve acesso.

Esta carta, lê-se, "surge na sequência dos atos bárbaros, de discriminação racial e de desrespeito dos direitos humanos e da carta das Nações Unidas (Convenção Internacional de Eliminação de todas as Formas de discriminação Racial), que os nossos compatriotas (estrangeiros africanos - entre eles, vários guineenses) estão a ser sujeitos atualmente em Angola".
O Fórum da Diáspora para o Diálogo e o Desenvolvimento da Guiné-Bissau, associação civil que promove o documento, subscrito, entre outras entidades, pela SOS Racismo, relata situações de abusos de direitos de cidadãs estrangeiros naquele país.

De acordo com o documento, há vários estrangeiros que são tidos como "não documentados", apesar de já residirem há mais de cinco anos em Angola, e que exercem "as suas atividades de comércio, respeitando escrupulosamente todas as leis emanadas pelas autoridades".

Muitos dos que já tinham cartas de residência que lhes permitiam exercer atividades em Angola, "a maioria sendo possuidora de negócios com valores monetários consideráveis", são confrontados com recusas aos pedidos de renovação dos documentos de permanência, ao serem considerados "indocumentados", adianta a missiva.

A carta refere que há centenas de estrangeiros que foram presos e aos quais foram confiscados bens pelas autoridades policiais e fala também do "desinteresse dos dirigentes de alguns países, cujos seus cidadãos estão a ser tratados como animais em Angola pelas suas autoridades, e que nem sequer procuram apurar ou mesmo permitir uma intervenção dos seus diplomatas".

"Perante a falta de um verdadeiro diálogo entre as autoridades angolanas e autoridades cujos concidadãos estão a ser barbaramente massacrados, filmados e publicados nas redes sociais, no caso concreto da falta de pronúncia pública dos governos em causa por temerem o governo e poderio angolano nesse processo, cabe-nos aqui deixar a nossa indignação e discordância face a tal estratégia política deliberadamente omissa pelo Estado angolano", lê-se no documento.

Os signatários da carta apelam à secretária executiva da CPLP, Maria do Carmo Silveira, para que interfira junto do Governo angolano "no sentido de agir onde a justiça nacional se mostra inoperante ou até mesmo conivente".

Consideram ainda que a CPLP deve agir para evitar que os princípios universais da justiça e da razão sejam respeitados, questionando "a moralidade de um Estado que prende estrangeiros africanos que, não sendo julgados nem como criminosos, terroristas ou outros, são ainda assim tratados como animais, ou pior".

Recordam, na carta, que a CPLP foi criada para "manter a união, paz e a segurança dos nossos povos e em comunhão a conservação e preservação da nossa língua comum, fomentar relações cordiais entre as nações, promover o progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos".

"Existem certamente princípios defendidos pela organização da CPLP, cujos propósitos visam o desenvolvimento de relações de igualdade de direitos entre as nações, da cooperação internacional para resolver problemas e da prevalência do Direito Internacional", sublinham.

"Neste momento em que entregamos a Sua Excelência essa missiva, os estrangeiros africanos, na sua maioria da CPLP, são alvos de ataques e discriminações ativas, não reconhecidos na sua especificidade ou gravidade, e relegados à condição de um problema global que deve ser tratado de forma holística, subsistindo assim uma abordagem nociva e um silenciamento político do racismo", conlui o documento.


ATR // PVJ

Recenseados 552 mil potenciais eleitores na Guiné-Bissau até ao último domingo


Bissau, 13 nov (Lusa) - O recenseamento de potenciais eleitores para as legislativas na Guiné-Bissau "decorre normalmente e em ritmo aceitável", tendo sido inscritos até ao último domingo, 552 mil cidadãos, disse hoje à Lusa fonte do Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral (GTAPE).

Os dados não contemplam o registo de potenciais eleitores da diáspora.

Segundo a fonte, o registo de potenciais eleitores tem decorrido "de forma tranquila e rápida" no interior do país, mais do que na capital, Bissau, onde, acrescentou, os cidadãos "denotam alguma apatia em se recensearem".

"Até parece que há zonas em Bissau em que as pessoas não se querem inscrever", indicou a fonte do GTAPE, admitindo a possibilidade de o recenseamento ser prolongado para além de 20 de novembro, de forma a alcançar "pelo menos 75% dos potenciais eleitores" previstos.

Estimativas do GTAPE apontam para um total de 886.922 potenciais eleitores.

A mesma fonte desconhece a data em que os restantes 145 'kits' de equipamentos de registo biométrico prometidos pela Nigéria e os 140 anunciados por Timor-Leste deverão estar disponíveis.

Os dois países têm ajudado no processo do registo de eleitores, tendo já disponibilizados 215 'kits', atualmente em uso.

A nível da Europa, nomeadamente em Portugal, o presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), José Pedro Sambu disse que o recenseamento decorre "com total normalidade" o que já não se observa em Franca, onde, notou, "há alguns constrangimentos" derivado de desentendimentos entre a embaixada guineense e os elementos da equipa técnica enviada de Bissau.

"A entidade encarregue de fazer o recenseamento não recebeu o apoio da embaixada local, mas alguns cidadãos do nosso país disponibilizaram apoios para facilitar os trabalhos", referiu Pedro Sambu, através de um comunicado da CNE a que a Lusa teve acesso.

O presidente da CNE, que esteve recentemente em Portugal e em França, em missão de supervisão do recenseamento, considerou necessário reforçar os 'kits' em território francês.

A mesma recomendação foi feita pelos responsáveis da CNE que estiveram no Senegal, na Gâmbia e na Guiné-Conacri.

Também constataram uma "fraca campanha de informação" aos cidadãos guineenses nesses países, sobre o andamento do recenseamento de potenciais eleitores.

MB // PVJ

BAFIENTA EVOCAÇÃO DA Iª GUERRA MUNDIAL


OU… O EUROCENTRISMO EM TODO O SEU ESPLENDOR


Como numa reinventada novela, a memória da Iª Guerra Mundial é pincelada em pleno século XXI, por uma propaganda eurocêntrica, como se a União Europeia fosse uma plataforma de subtil e continuada Guerra Psicológica a fim das potências dominantes que preenchem o sistema de vassalagem do império da hegemonia unipolar, continuaram a emitir as mensagens da conveniência exclusiva dum “eterno” domínio, de apodrecidas raízes coloniais.

1- Em todo o mundo e na Europa em especial, se está a comemorar o 100º aniversário do Armistício que pôs fim à Iª Guerra Mundial, lembrando muitos dos acontecimentos de então.

Duma forma geral há várias questões que a propósito, saltam à vista, ainda em reforço do espírito e da letra da Conferência de Berlim e das tantas lições que não foram integralmente aprendidas com as duas Guerras Mundiais e se reflectem no comportamento elitista dominante:

Europa contemporânea fora, os acontecimentos de realce relativos à memória da IªGuerra Mundial circunscrevem-se substancialmente no espaço e no tempo, aos que ocorreram no “velho continente”, deforma a colocar os europeus“voltados sobre si mesmos”, sobrevalorizando-os e, quando há alusão a tantos outros que em simultâneo ocorreram noutros continentes, eles são limitados a meras referências, a meras pinceladas à margem da página, subvalorizando-os;

Em África, muito embora o continente fosse palco de tantas refregas, a Iª Guerra Mundial é apenas lembrada por via das buriladas mensagens produzidas no hemisfério norte para agradar aos do hemisfério norte e subalternizar os outros, escamoteadas pelo eurocentrismo contemporâneo e de toda a conveniência (que bons serviços eles prestam) do império da hegemonia unipolar e da NATO!


 2- O exemplo português é uma prova flagrante dessa escalada e escalonada constatação!

O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito da lembrança do Armistício e num discurso de apenas 5 minutos, faz algumas referências às tropas portuguesas em África, isto depois dos dirigentes portugueses estarem presentes em muitos outros actos comemorativos da Iª Guerra Mundial que desde 2014 foram ocorrendo Europa fora, para evidenciar a necessidade de eurocentrismo e por fim fazer uma curta alusão a tensões internas a propósito do recente roubo de armamento ocorrido em Tancos…

Jamais lhe terá passado pela cabeça um dia, alguma vez procurar celebrar o Armistício no Cunene, ou no Rovuma, onde seria justa a denúncia da partilha da África formatada desde a Conferência de Berlim e das injustiças sangrentas desde então semeadas em África e mundo fora!

Para ele, pela omissão, nenhuma questão de fundo em relação às partilhas coloniais de então merece ser abordada… Portugal colonial, Prússia colonial, Império Britânico colonial, França colonial, pura e simplesmente não existiram, conforme sua douta intervenção e se existiram são apenas para a memória “heroica” evocada em meras pinceladas de contingência de uns poucos!

As pinceladas de propaganda fizeram relembrar, ainda que pela quase omissão do continente africano, os termos mil vezes repetidos da propaganda do Estado Novo, apelando ao patriotismo, à heroicidade épica e, no abstracto, conforme às conveniências, aos valores da ética e da moral militar (agora transferidos para as nuvens do eurocentrismo), quando tanta guerra colonial injusta, que tanta dolorosa memória ainda faz fervilhar está por recordar!

A ideologia fascista e colonial deste modo acaba por persistir numa apologia genérica das Forças Armadas Portuguesas com tão triste passado republicano.

Valorizando simbolicamente e no superlativo o papel das Forças Armadas Portugueses, entre desfile e fanfarra o Presidente Português parece ter esquecido que, na frescura da República Portuguesa que tinha sido praticamente acabada de estrear, era sobretudo a questão das partilhas coloniais resultantes da Conferência de Berlim que estava em jogo, que praticamente metade dos efectivos mobilizados foram colocados em Angola e Moçambique (ainda que mesmo antes da entrada de Portugal na Guerra em 1916), que as baixas militares portuguesas foram maiores nos teatros operacionais de África dos que as registadas na Europa, que os contingentes tiveram não só a missão de enfrentar os colonialistas alemães no sul de Angola e no norte de Moçambique (África Ocidental e Oriental Alemã), como também as resistências africanas com que se tiveram de deparar, particularmente no sul de Angola.

Esqueceu também de considerar que Portugal era de facto uma potência colonial europeia periférica e sua decisão de entrar ou não na Iª Guerra Mundial resultava muito mais das “obrigações” de vassalagem para com o Reino Unido, do que por decisão própria…

Afinal, imensa vassalagem obriga, 100 anos depois, nada há a aprender com as injustiças do capitalismo que se foram acumulando de forma sangrenta desde a Conferência de Berlim a ponto de fazerem fermentar duas Guerras Mundiais, sempre na frenética luta pela hegemonia e domínio das potências sobre os outros, a multidão de povos oprimidos de todo o mundo!


3- Em África os contingentes militares portugueses tiveram campanhas muito difíceis, sem ética, nem moral, (mas“heroicas” no espírito de Marcelo) particularmente no norte de Moçambique, onde o General alemão Paul Emil von Lettow-Vorbeck, comandante da campanha colonial prussiana na África Oriental Alemã na Primeira Guerra Mundial, a única campanha colonial dessa guerra onde a Alemanha não foi derrotada, fez a vida cara aos colonialistas britânicos e portugueses, com seus askaris (recrutas locais militarmente bem treinados e preparados) e sua estratégia de guerra de guerrilhas na altura inovadora e provadamente invencível.

Em Angola, em 1914, os contingentes portugueses foram derrotados pelos alemães sob o comando de Erich Victor Carl August Franke (comandante das Schutztruppe no Sudoeste Africano Alemão) no Cuangar e em Naulila, só se refazendo pouco a pouco com reforços que, além das disputas contra os colonialistas alemães no Cunene e Cuando Cubango, enfrentaram e acabaram por vencer a resistência africana sob o comando do rei cuanhama, Mandume Ya Nemufaio, em Môngua.

As baixas portuguesas foram provocadas não só como consequência directa das confrontações armadas, mas por causa das doenças tropicais que contribuíram para dizimar os efectivos, sanitariamente mal preparados e assistidos, quantas vezes entregues à sua sorte!

Os portugueses esqueceram também que os carregadores africanos mobilizados então sob suas ordens, sofreram como se fossem moscas, pesadas baixas, por causa das doenças provocadas pela insuficiente ou nula cobertura sanitária, da deficiente alimentação, dos maus tratos e da guerra, havendo muito poucos relatos dessa situação, tal o valor que era dado aos africanos, ainda que estivessem ao seu serviço.

Hoje como então, os africanos são “danos colaterais”… e como tal é, a censura até na morte actua, se possível pela via da omissão que é para nem gastar tinta e papel!

Nessa altura mesmo assim, o colonialismo português só ficou a ganhar ética e moralmente em relação à praga do colonialismo alemão no Sudoeste Africano, por que Erich Victor Carl August Franke, o comandante prussiano, é apontado como o terrível responsável pelo genocídio herero e nama de então, percussores de outros mais que se lhes seguiriam ao longo do século XX e XXI, até aos nossos dias…


4- Foi nesse ambiente que no sul de Angola, enfrentando os colonialistas alemães e portugueses, que o rei Mandume Ya Nemufaio, comandou a resistência, algo que África deveria lembrar como uma memória dos tempos conturbados da Iª Guerra Mundial num continente devassado pelas disputas entre as potências coloniais ávidas de suas riquezas e opressoras dos seus povos, após a Conferência de Berlim e ajustando por via da guerra as partilhas feitas entre si.

África feita capim pisado pelos elefantes de então, parece que continua, até pela ausência de sua voz, a ser o capim pisado pelos (mesmos) elefantes de hoje!

A memória do rei Mandume, quer para Angola, quer para a Namíbia, quer para África, tem toda a legitimidade ética e moral para ser lembrada e consequentemente valorizada, impondo-se por si, em contraste com a triste memória europeia da Iª Guerra Mundial, na perspectiva de qualquer um dos dois lados dos contentores e na perspectiva do discurso do professor Marcelo, Presidente da República Portuguesa!

As televisões e os meios de difusão europeia massiva que hoje inundam de mensagens o continente africano, como prova da devassa ultraperiferia que o continente continua a ser, desfilarão as conveniências da arrogância, do cinismo e da hipocrisia contemporânea europeia e das intervenções públicas bafientas dos seus dirigentes, na continuidade das alucinações coloniais que não acabaram, pelo contrário, refinaram-se por via das tão doutas quão bafientas cátedras das capitais europeias!...

A África continua a ser um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço… e isso sente-se até nos momentos de celebração da paz, neste caso por via das omissões de Marcelo, que se esqueceu por completo que, aos olhos dos oprimidos de todo o mundo, as potências envolvidas na Iª Guerra Mundial, todas elas com apetites coloniais e neocoloniais, assumem a barbaridade de se portarem sem honra, nem glória, nem ética, nem moral, perante toda a humanidade!

Triste, hipócrita e cínica maneira de celebrar o Armistício, evocando a humanidade e a dignidade… triste, hipócrita e cínica maneira de celebrar a paz!

Que bafientas cátedras, em nome da “civilização judaico-cristã ocidental”, persistem nas capitais dos tão “civilizados”povos do norte!?

Martinho Júnior - Luanda, 9 de Novembro de 2018

Imagens:
Marcelo e a celebração do Armistício;
Cavaco e a bandeira da República Portuguesa içada ao contrário;
Corpo Expedicionário Português em Angola, oficiais da Marinha;
Foto atribuída ao corpo decapitado do rei Mandume;
Monumento ao rei Mandume, no Cunene.

Discurso bafiento – Marcelo Rebelo de Sousa discursa em dia de cem anos do Armistício – "Não vamos tolerar que se repita a sangrenta divisão da Europa", avançou Presidente da República. –  https://www.cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/marcelo-rebelo-de-sousa-discursa-em-dia-de-cem-anos-do-armisticio
A República ao contrário – https://www.youtube.com/watch?v=mtPKp6TPT-0

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