Diante do rápido desgaste de
Bolsonaro, há quem preveja impeachment rápido. Quem dera! O que fotos sugerem é
um esforço do poder econômico e mídia para submeter presidente, por completo, à
agenda ultracapitalista
Antonio Martins | Outras Palavras
Entusiasmado – com justíssimas
razões… – pela rápida erosão do governo Bolsonaro, o jornalista Luís Nassif
formulou, domingo (20/1), uma hipótese
audaz. “A certeza, no quadro político atual é que o governo Bolsonaro acabou”,
escreveu ele. A dúvida seria sobre o que virá depois. Os escândalos envolvendo
o filho Flávio respingariam inevitavelmente sobre o Palácio do Planalto, a
ponto de inviabilizar a continuidade do governo. O comentário pareceu ecoar a
agora célebre capa
de Veja, em que Bolsonaro aparece,
em montagem, com os pés trocados, à la Jânio Quadros – o presidente que renunciou menos
de sete meses após tomar posse, em 1961.
Desde domingo, novos fatos
parecem dar razão a Nassif. O situação de Flávio Bolsonaro parece azedar hora a
hora. De mero receptor
de dinheiro ilegal repassado por assessores “laranjas”, ele passou a especulador
imobiliário suspeito de fraudes e lavagem de dinheiro. Nas últimas
horas, uma série de matérias publicadas com raro destaque nos noticiários da TV
Globo aponta
suas ligações com a cúpula criminosa das milícias cariocas – e o
envolve com os próprios suspeitos da execução
de Marielle Franco.
Mas seria fácil assim virar uma
página tão ameaçadora de nossa História presente? Para acreditar, seria preciso
esquecer o vasto arco de interesses que levou Bolsonaro ao poder – e que aposta
em tirar enorme proveito de suas decisões. Em torno dele não há apenas a classe
média antes incomodada com os pobres nos aeroportos e universidades; os
religiosos fundamentalistas, interessados em silenciar o pensamento crítico nas
escolas; ou o baixo clero parlamentar sedento pelas concessões de um governo
“seu”. Há também a oligarquia financeira.
Repare em Davos, onde o
presidente brasileiro fez, há poucas horas, um discurso pífio.
Nem a indigência da fala, nem a precariedade do personagem, parecem incomodar a
elite dos bilionários globais e seus gurus. Não importa se ele é populista;
“Bolsonaro tem uma agenda de reformas e nós achamos que é boa para seu país.
(…) Estamos realmente felizes”, disse
Francesco Starace, o executivo-chefe da Enel, corporação energética
italiana que controla as distribuidoras de energia do RJ, do CE e agora de SP.
Ainda mais significativo foi o
comentário, também em Davos, de Ricardo Villela Marinho, alto executivo do
Itaú, membro da família que controla acionariamente o banco e seu
estrategista-chefe para a América Latina. “Concordamos com o diagnóstico que a
equipe econômica tem sobre os principais entraves que estão segurando o
crescimento (…), com as primeiras medidas sugeridas para superar estes
entraves”. Além disso, “parece que este governo será mais duro do que os
anteriores e que a ditadura venezuelana não será mais tolerada (…) Cada vez
menos veremos populistas vencendo na América Latina, o que permite um
desenvolvimento mais sustentável da economia, com atuação mais liberal”.
Promover o Impeachment de
Bolsonaro, nos próximos dois anos, implicaria algo indesejável para a
oligarquia financeira. Significaria colocar em risco o plano de anular as
conquistas sociais da Constituição de 1988 e restaurar o padrão de dominação
praticado por 500 anos. O general Mourão assumiria – em meio a grande trauma. É
ainda mais suscetível que o presidente ao pensamento dos quartéis. Quem
assegura que estes desejarão o ultracapitalismo?
Por isso, há uma hipótese mais
provável que a de Nassif: a de um Bolsonaro encoleirado. O grande poder
econômico quer as medidas que o presidente parece disposto a lhe
oferecer; e pouco se importa com seu mau jeito. Já se deu conta de sua quase
inacreditável inaptidão para o jogo político tradicional – e as múltiplas
brechas abertas por tal incapacidade. Já identificou um caminho para fustigá-lo
sem chocar-se com seu grande eleitorado: basta desconstruir, com a força dos
fatos, a imagem de antiestablishment que ele procurou forjar para si
– e com isso minar o núcleo de sua força.
A principal resultante desta
estratégia será ter, em pouco tempo, um presidente totalmente submisso. Sem
outra base poderosa em que se apoiar, Bolsonaro se reduzirá, aos poucos mas
inexoravelmente, a uma espécie de Temer pós-escândalo JBS. Já não fará sequer
restrições parciais à contrarreforma da Previdência (em 2/1, ele
rejeitou “fazer uma tremenda maldade com o povo”). Já não resistirá à
entrega total da Petrobras e do pré-sal.
Assim como ocorreu com Temer, a
estratégia comporta ainda um Plano B. No limite, ela permite ao mesmo tempo encoleirar o
presidente e descomprometer-se dele – caso se torne muito impopular.
Por isso, são nítidos por exemplo os esforços dos noticiários da Globo para
cortejar Mourão, apresentando-o como alguém razoável e destoante das
estrepolias dos Bolsonaro. É também visível o esforço para preparar, desde já,
alternativas como Luciano Huck – também ele presente
em Davos e declarando-se “cada vez mais disposto a participar da vida
política do país”.
* * *
Por trás da aposta em rápido
afastamento de Bolsonaro parece haver uma ilusão comodista, detectada já no ano
passado por Marcos Nobre: a de que o presidente tropeçará em seus próprios pés
e o sistema político tradicional se recomporá naturalmente. Talvez seja por
isso que não se vê oposição diante de medidas como o fim do “Mais Médicos”, a
redução do aumento do salário mínimo, a venda da Embraer, a devastação do SUS,
as “emergências fiscais” decretadas pelos governadores para reduzir direitos e
atacar serviços públicos.
Atônita, sem programa real de
mudanças, a esquerda espera que os dias ruins terminem por si mesmos. Parece
nada compreender sobre o caráter do capitalismo contemporâneo.
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