Jornalista moçambicano Amade
Abubacar está detido há duas semanas em Cabo Delgado , mas ainda não foi presente a
tribunal. É acusado de instigação pública com recurso a meios informáticos. MISA
denuncia falhas grosseiras.
Esperava-se que Amade
Abubacar comparecesse perante o juiz de instrução esta sexta-feira
(18.01), em Macomia, na província nortenha de Cabo Delgado, o que acabou por
não acontecer. Detido
a 5 de janeiro pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM)
quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de novos
ataques armados, o jornalista foi mantido durante dias numa base militar em
Mueda, até esta quarta-feira (16.01) ser transferido
para um comando da polícia.
Amade
Abubacar esteve incomunicável e sem advogado durante 11 dias, mas já
está a receber apoio jurídico de um advogado do Instituto de Comunicação Social
da África Austral (MISA). Sabe-se agora que é acusado de "instigação
pública com recurso a meios informáticos". O jornalista da Rádio e
Televisão Comunitária Nacedje de Macomia foi preso por militares quando
fotografava famílias que abandonavam a região com receio de novos ataques
armados.
Em entrevista à DW África, o
presidente do MISA-Moçambique, Fernando Gonçalves, diz que se trata de uma
"acusação fabricada" e que o processo está "viciado de
irregularidades". Sublinha ainda que "deter civis em quartéis
militares não é prática comum em Moçambique", mas não duvida que casos
semelhantes possam voltar a acontecer em breve.
DW África: Amade Abubacar já foi
transferido de uma base militar em Mueda para um comando da polícia. O MISA,
que pretendia dar assistência jurídica a este jornalista, entretanto já
conseguiu falar com ele?
Fernando Gonçalves (FG): O
nosso advogado já falou com ele, porque hoje (18.01) ele devia comparecer
perante o juiz de instrução para se proceder à legalização da sua detenção e
depois seguir-se o processo. O advogado conseguiu falar com ele, mas até aqui
não tenho informações detalhadas sobre o teor dessa conversa.
DW África: Quando calcula que
será presente em tribunal? Na próxima semana?
FG: Não sei. Hoje, se a
sessão tivesse sido realizada, seria a primeira sessão, que vai legalizar a
detenção e aí o juiz marca o dia em que devem ser apresentados os argumentos.
DW África: Amade Abucar pelo
menos já não se encontra incomunicável e sem advogado.
FG: Mas nós não estamos
satisfeitos porque Amade Abubacar foi detido no dia 5 de janeiro e só agora,
dia 17, é que ele foi transferido do comando militar para a polícia. A nossa
lei não permite que as Forças Armadas tenham sob sua detenção civis que sejam
acusados da prática de qualquer crime. Essa é uma competência da polícia, é a
polícia que trata desses processos. A polícia lavra o processo, envia à
Procuradoria e a Procuradoria envia ao tribunal. Portanto, este processo todo,
para nós, está viciado, está eivado de irregularidades e de grosseiras falhas
na observação da lei.
DW África: A detenção de civis em
estabelecimentos militares, além de ser ilegal, também viola tratados sobre
liberdade de expressão e de imprensa.
FG: Absolutamente. Viola
todos os princípios consagrados em tratados, protocolos, instrumentos de âmbito
internacional de que Moçambique e parte integrante. Não estamos satisfeitos com
esta situação. Entendemos que Amade Abubacar devia ser libertado.
DW África: Agora já se sabe que o
Ministério Público acusa Amade Abubacar de"instigação pública com recurso
a meios informáticos". Como é que o MISA reage a esta acusação?
FG: Para nós, é uma acusação
fabricada. O trabalho jornalístico tem impacto no público e os jornalistas usam
meios informáticos para a transmissão do seu trabalho para o público. Ele
estava apenas a fazer o seu trabalho. Agora, se as pessoas ficam agitadas por
aquilo que ele escreve ou coloca, essa não é a intenção. A intenção é que as
pessoas tenham informação e essa informação é transmitida por meios
informáticos. A não ser que a Procuradoria agora tenha descoberto outros meios
que devem ser utilizados pelos jornalistas para a transmissão da informação em
que trabalham.
DW África: Além de Amade
Abubacar, recentemente também o fotojornalista Estácio Valói foi detido por
militares no norte de Moçambique. São dois casos em menos de um mês. Quem é que
legitima o Exército moçambicano a deter jornalistas? É normal que isto
aconteça em Moçambique?
FG: Não é normal e por isso
é que nos estamos a opor a esse tipo de práticas. E se as Forças Armadas
entendem que uma determinada zona é de acesso restrito porque é uma zona de
guerra, as Forças Armadas podem impedir as pessoas de entrar nessa zona. E se
apanharem alguém que está a entrar, podem dizer: o senhor não entra ou a
senhora não entra. Mas deter civis em quartéis militares não é prática comum em
Moçambique, não corresponde aos desejos de Moçambique de ser tratado como um
Estado de direito democrático.
DW África: Pode dizer-se que Cabo
Delgado, neste momento, é uma região quase proibida para a comunicação social,
apesar de não haver o tal aviso da parte dos militares de que se trata de uma
zona de guerra?
FG: Se há razões de Estado
que não permitem que os jornalistas entrem em Cabo Delgado , é
importante que as instituições do Estado relevantes se pronunciem sobre isso,
mas os jornalistas não podem agir com base em presunções de que é ou não é
permitida a entrada em determinada zona.
DW África: Acredita que já está a
ter efeitos a pressão que tem sido exercida por várias organizações da
sociedade civil e entidades ligadas à defesa da liberdade de imprensa? Vai
também continuar essa exigência pela libertação do jornalista?
FG: Vamos continuar, vamos
acompanhar o processo. E nós defendemos o seguinte: Amade Abubacar foi
detido quando estava a entrevistar pessoas que estavam a ser retiradas de uma
determinada zona. Isso não é proibido por lei em Moçambique. Não é
proibido fotografar refugiados em Moçambique. Portanto ,
vamos bater-nos para que ele seja libertado. Entretanto, é preciso que fique
claro: se Amade Abucar tiver cometido algum ato que está classificado como
crime na legislação moçambicana, ele deve ser entregue à polícia, a polícia
deve elaborar o processo, esse processo dever ser remetido à Procuradoria da
República e a Procuradoria, por sua vez, remete o processo ao tribunal e o
assunto é julgado e ele tem o direito de constituir a sua própria defesa. Ele ficou
11 dias incomunicável, sem acesso a um advogado, sem acesso aos familiares.
Isto não é normal e não se pode permitir.
DW África: Acha que
Amade Abubacar irá fazer o mesmo que o jornalista Estácio Valói, que já disse
que pretende processar os militares que o detiveram em Cabo Delgado ?
Acredita que haverá consequências?
FG: Isso é uma decisão
pessoal dele. A nós o que importa é que devem ser salvaguardados aspectos
importantes que têm que ver a com a liberdade de expressão e com o exercício da
liberdade de imprensa em Moçambique. Amade Abubacar depois saberá decidir
sobre o que quer fazer se julgar que tenha sido injustiçado.
DW África: Tendo em conta o
ambiente de tensão que se vive no norte de Moçambique, o MISA acha provável que
haja mais casos deste género nos próximos tempos?
FG: Não temos dúvidas que
isso possa voltar a acontecer, porque no espaço de um mês houve dois casos
desses. Portanto, não podemos pôr de lado a possibilidade de isso acontecer
numa outra altura.
Madalena Sampaio | Deutsche Welle
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