Isabel Moreira | Expresso | opinião
As recentes acontecimentos no
Bairro da Jamaica foram analisados, como não podia deixar de ser, em si mesmos.
Estando em circulação um vídeo que gerou a revolta de uns e a defesa da atuação
da polícia por parte de outros, não se espera que em cima do acontecimento se
paralise o direito à indignação de quem tem um acumulado de histórias às costas
em nome de uma mesa redonda, com acesso restrito, que “vá ao fundo da questão”
com o mote “não se deve generalizar”.
Bem ou mal comparado, quando
tantas e tantos de nós saímos à rua para protestar contra sentenças sexistas,
exortando ao fim da “justiça machista”, não vi Partidos “institucionalistas” e
vozes tão acesas nos últimos dias a acusarem-nos de “generalizar”, a acusarem-nos
de lançar uma suspeita sobre todas e todos os juízes do país ou a desvalorizar
a importância da Justiça.
O debate profundo sobre o racismo
estrutural, institucional e sobre o apartheid social é um debate urgente, mas
não se pode exigir a quem reage a um caso que merce e terá investigação e a
quem se manifesta na Avenida da Liberdade que tenha cuidadinho, não vá o seu
protesto manchar “toda” uma instituição.
Pelo contrário: cada atuação
policial alegadamente violenta e/ou racista tem de ser denunciada e
investigada; ainda bem que há associações como o SOS racismo com gente que não
se cala há mais de vinte anos; devíamos agradecer a existência, em democracia,
de relatórios como ESTE denunciando que em Portugal o racismo é tolerado
pela Polícia e que as denúncias não são investigadas a fundo.
Afinal, a melhor forma de
dignificar a nossa democracia e as suas instituições é, precisamente,
identificar as suas falhas no curto e no longo prazo.
Ou não?
Afirmar que há um historial de
violência policial contra pessoas racializadas em bairros periféricos é
repudiar a instituição PSP? Claro que não.
Um pouco de seriedade e um pouco
de respeito por quem vive invisível e sem voz e sem direito a ser versão
oficial do que quer que seja.
Não sei o que é viver no Bairro
da Jamaica, agora finalmente com um plano de realojamento em ação. Não sei o que é
ser a preta da periferia sem dinheiro para casa digna condenada ao bairro dos
prédios inacabados. Não sei o que é ser o preto que ali está há mais de vinte
anos à espera de ser gente. Não sei o que é viver policiada, mergulhada na
pobreza e nos dramas socias que a pobreza acarreta. Não sei o que é o insulto
diário, a não identificação da minha pele com a nacionalidade portuguesa, não
sei o que é ouvir e ler “volta para a tua terra”.
Pior.
Não sei de pretos e pretas. Só de
alguns que se safaram.
Desde que me lembro de mim, nos
bairros em que vivi, só sei de gente branca. Quer dizer: a gente branca era e é
a gente “igual”. Da infância até agora, longe da periferia, a gente preta
existe: limpa-nos as casas, faz as obras na via pública e recolhe o lixo.
Isto é assim, mas há pretos e
pretas que se safaram.
É que eu não quero generalizar e
às vezes até vejo pretos.
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