sábado, 16 de fevereiro de 2019

Janeiro integral III


Martinho Júnior, Luanda 

3- Da vitória da revolução cubana haveria que nos manuais escolares africanos fazer ainda lembrar as razões pelas quais essa revolução, por experiência própria teve o cuidado de chegar à conclusão que afinal, consumada uma civilização que comporta tanta barbárie, havia uma espécie em perigo, precisamente numa cidade com o nome de Rio de Janeiro, quando se abriram tantas espectativas sobre as recém-descobertas relativas ao clima e ao ambiente, ainda não havia terminado o século XX…

África, um continente onde existem tantas espécies em fase terminal, terá alguma vez despertado, ou só desperta quando se fazem sentir as correntes de pensamento e as práticas de acção que se alinham com os processos elitistas da inteligência dos poderosos que nos seus tempos livres cumprem com prodigiosas caçadas, em safaris iluminados pelo carbono puro que se arranca desde Kimberley às entranhas da Terra?

A revolução cubana além do mais realizou em teoria e prática a conexão sincrónica América-África, no que ao esforço armado da luta de libertação contra a escravatura, contra o colonialismo e contra o “apartheid” diz respeito, porque elementos que projectaram essa vocação eram inerentes ao próprio berço guerrilheiro da revolução.

A maior cidade do leste da grande-caimão, Santiago de Cuba, é das que fica mais próximo do Haiti, de onde foi recebendo caudais humanos que estiveram por dentro dos nervos mais sensíveis de sua própria revolução.

Por isso Cuba realizou, em teoria e prática, aquilo que alargou desde o génio intelectual e da sabedoria de Eduardo Galeano, quando se referiu com tanta propriedade dialética ao Haiti e à América Latina, ainda que sem espreitar para o outro lado do Atlântico, sem olhar para o nascer do sol, para o berço da humanidade!

Os comandantes revolucionários cubanos levaram a cabo a gesta da Sierra Maestra e a guerrilha revolucionária da Sierra Maestra alimentou-se da mobilização e recrutamento humano que tinha em Santiago de Cuba, bem no leste do país, seu recurso estratégico e desde logo de potencial projecção transatlântica.

Santiago de Cuba, quanto da sua população é proveniente do Haiti, ou é descendente de muitos haitianos que atravessaram as poucas dezenas de milhas entre o Haiti e o este de Cuba depois de 1804, acabando por engrossar com sangue dos afrodescendente que foram dominados pela escravatura e o colonialismo, as fileiras da própria revolução cubana e de suas múltiplas missões internacionalistas e solidárias.

Quando em 1975 a revolução cubana foi em socorro da independência e soberania de Angola em conformidade com os termos duma República Popular, fê-lo precisamente evocando a saga duma escrava que lutou pela liberdade em Cuba e pagou com a sua vida essa ousadia face ao poderio da potência colonial de então.

A escolha do nome de Carlota para a operação transatlântica em socorro do moderno movimento de libertação angolano, 171 anos depois da independência do Haiti em resultado da revolução dos escravos afrodescendentes, foi desde logo a prova confirmada da saga transatlântica da revolução, uma página única de reinterpretação do movimento de libertação que teve de lançar recurso à luta armada para se ver livre do colonialismo e do “apartheid” tal como no princípio do século XIX os escravos do Haiti fizeram quando tiveram de desencadear a sua revolução!

De certo modo Santiago de Cuba foi uma charneira essencial para essa transposição transatlântica, 171 anos depois da independência do Haiti e há ainda vários exemplos vivos dessa luta presentes entre nós, entre eles o santiagueiro general Moracén Limonta, o “Humberto” da IIª Coluna do Che no Congo, hoje também cidadão angolano!

A vinda do Comandante Che Guevara para África em 1965, correspondeu por inteiro a essa geoestratégia que foi um manancial energético tão activo no esforço projectado miolo adentro dos Não-Alinhados.

Dois anos depois do triunfo da revolução cubana, em 1961, já se tinha realizado uma primeira experiência, quando Cuba socorreu a luta armada de libertação da Argélia, mas a saga geoestratégica do empenho dos revolucionários cubanos que deram substância viva à Iª e IIª Coluna do Che em África, permitiu que a luta em África se estendesse de Argel ao Cabo da Boa Esperança, terminando praticamente na hora de se comemorar os 200 anos das independências que ocorreram ao longo do século XIX América Latina e Caribe afora, em especial nos países ocupados pela colonização sob a égide da coroa espanhola!

Essa só pode ser a história que regime oligarca europeu algum quer ouvir contar, que a aristocracia financeira mundial quer alguma vez entender e por isso é essa a história que avassaladoramente nos obriga à ética e à moral de defender o sul neste Janeiro integral!

Martinho Júnior - Luanda, 7 de Fevereiro de 2019

Ilustração… e então chegou Fidel!

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