AbrilAbril | editorial
Afinal de contas, a realidade
indecorosa é sobejamente conhecida e os números também. A cada 8 de Março,
consagrado Dia Internacional da Mulher por proposta da comunista alemã Clara
Zetkin, o diagnóstico é-nos apresentado sob a forma de números.
Estatísticas veiculadas pela
comunicação social que, apesar do tom importante de denúncia, parecem ter
também o condão de cristalizar a injustiça, inconstitucional, de não se cumprir
o mais elementar dos direitos.
«As mães portuguesas são as que
mais trabalham na Europa» (AbrilAbril, 28 de Maio de 2018), «Mulheres são
mais vulneráveis na velhice por desigualdes "acumuladas" ao
longo da vida» (Público, 4 de Janeiro de 2019), «Só há seis países no
mundo que garantem igualdade laboral entre homens e mulheres» (DN, 1 de
Março) são apenas alguns dos títulos que ajudam a ilustrar o abismal
fosso.
À crueza das notícias junta-se um
relatório apresentado esta quinta-feira pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), onde se conclui que as desigualdades entre géneros se mantêm
praticamente inalteradas ao longos das últimas duas décadas.
Entre os factores determinantes
está a questão salarial, com Portugal no pódio dos países onde se encontram
maiores desigualdades. De acordo com o estudo, os homens portugueses ganham em
média mais 22,1% do que as mulheres, sendo a média da diferença salarial em
todo o mundo de 18,8%.
Outra conclusão alarmante do novo
trabalho da OIT é o facto de serem precisos 209 anos para que as mulheres
deixem de ser a principal cuidadora familiar. A longitude do prazo é tão mais
inquietante quanto o facto de se identificar nos cuidados familiares e
domésticos uma das questões determinantes das desigualdades.
Segundo o estudo, as mulheres trabalhadoras
dedicam em média 4,25 horas diárias às tarefas domésticas e familiares,
enquanto os homens empregam apenas 1,23 horas.
Já o direito à maternidade,
fundamental para assegurar a chamada «renovação geracional», continua a ser
sinónimo de penalização das mulheres no trabalho, tendo aumentado 38,4% entre
2005 e 2015.
No plano nacional, o módulo ad
hoc do Inquérito ao Emprego, do segundo semestre de 2018, revela que «para
42% dos trabalhadores por conta de outrem é raramente possível ou mesmo
impossível alterar o seu horário de entrada ou saída para prestarem cuidados a
filhos menores de 15 anos ou a familiares com 15 e mais anos».
Se falarmos da necessidade de se
ausentarem dias completos pelo mesmo motivo, a percentagem aumenta para 58,5%.
Com tamanhos desincentivos, aliados aos reduzidos salários, não admira que
tenhamos uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa.
Aliás, na combinação do emprego
remunerado com tarefas domésticas e/ou cuidados familiares, o Inquérito
Nacional aos Usos do Tempo de Homens e de Mulheres, de 2015, revelou que o
tempo médio diário de trabalho total é de 12h52 para as mulheres e 11h39 para
os homens.
O fenómeno ajuda a perceber
também porque é que as mulheres trabalhadoras realizam menos trabalho
suplementar em relação aos homens, revelando-se assim menos «atractivas» para
as empresas.
Mas a luta pela emancipação e pelo
cumprimento dos direitos femininos está muito para além do binómio
«homem-mulher». À semelhança do que aconteceu com o trabalho infantil, a
exploração das mulheres tem como objectivo nivelar por baixo os salários e as
condições de trabalho.
A sua luta integra-se na dos
explorados contra os exploradores, por isso se torna tão importante chegar à
igualdade.
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