terça-feira, 26 de março de 2019

Brasil | Nunca fomos tão pequenos


Atitude submissa, alienação e oportunismo mofado marcaram visita de Bolsonaro a Trump. Felizmente, mostra o novo Ibope, pode durar pouco – desde que haja uma oposição

Antonio Martins | Outras Palavras

No início da tarde de quarta-feira (20/3), o Ibope tornou públicos os dados da primeira pesquisa de opiniãosobre o governo Bolsonaro feita por um instituto relevante. O desgaste foi rápido, nos dois primeiros meses de mandato. O presidente, que já não assumiu com popularidade excepcional, perdeu 15 pontos percentuais de apoio, em 60 dias. Agora, apenas 34% consideram seu governo “ótimo” ou “bom”. No gráfico abaixo a queda fica mais nítida. Agora, a linha que representa as opiniões favoráveis, descendente já se encontra com o “regular” e se aproxima perigosamente daquela que registra a crítica, os que julgam o governo “ruim” ou “péssimo”.




A fraqueza do índice surge num outro gráfico, que compara a popularidade dos últimos presidentes transcorridos os mesmos 60 dias. Bolsonaro é o último, bem distante de Lula (51%), Dilma (54%), FHC (41%), Collor e Sarney. Fica acima apenas dos segundos períodos de FHC (22%, em meio à maior crise cambial da história brasileira) e Dilma (12%, após aplicar um megaestelionato eleitoral). Por três razões, a visita que o ex-capitão acaba de fazer aos Estados Unidos merece ser lida em sintonia com estes números.

A primeira é a alienação. Levado à Presidência por uma série de circunstâncias excepcionais, Bolsonaro parece ter acreditado que o foi por seus méritos próprios. O afastamento arbitrário de Lula permitiu-lhe ocupar o espaço “antiestablishment”, em meio a uma crise profunda do sistema político. Mas sua apalermada autoconfiança leva-o a crer que esta marca o acompanhará, independentemente de agora ser o “establishment” – e a despeito do que faça. No Brasil, reage às críticas como se estivesse acima delas; insulta os adversários; restringe-se, aos poucos, a dialogar com seus apoiadores mais extremados (uma parcela pequena dos que lhe deram o voto). Nos EUA, esta atitude levou-o das gafes (a visita bizarra à diretora da CIA, o beija-mão a Olavo de Carvalho e a Steve Bannon, o preterimento do chanceler em favor do filho, no encontro com Trump) às declarações incontidas de admiração a seu homólogo. É como se Washington estivesse nos tempos de glória e sua proximidade pessoal com um poder superior o tornasse imune a tudo.

Desta incapacidade de enxergar o cenário político decorreu diretamente a submissão. As concessões aos EUA atropelam-se. Base de Alcântara, com áreas de exclusão onde brasileiros não poderão adentrar (afora as cláusulas do acordo que ainda estão por ser reveladas…). Dispensa de visto de entrada para cidadãos norte-americanos. Renúncia à condição de “país em desenvolvimento” (que dá direito a salvaguardas importantes na OMC). Cumplicidade sem disfarces com Washington, nas ameaças de intervenção militar na Venezuela. Acenos à presença norte-americana na Amazônia. Aceitação implícita das regras da OCDE (em que o governo brasileiro pediu ingresso), inclusive as que obrigam a eliminar por completo restrições à entrada e saída de moeda estrangeira). Tudo Trump obteve, sem nada oferecer – exceto as anedóticas promessas de “examinar com atenção” os interesses brasileiros…

Por fim, há quem enxergue na visita um terceiro elemento – o oportunismo –, também relacionado ao fenômeno que o Ibope acaba de quantificar. Ciente do desgaste interno. Bolsonaro teria tentado criar, no exterior, uma agenda positiva, ou ao menos uma cortina de fumaça. As gafes e extravagâncias seriam, na verdade, encenadas. Quanto mais os atos do presidente fossem capazes de chamar atenção, melhor – para virar a página dos “laranjas”, dos ataques ao Carnaval, da volta aos métodos de sempre para comprar, no Congresso, votos contra a Previdência pública.

Nesse caso, tratou-se de oportunismo mofado. Em outras épocas, os EUA foram admirados por seu progresso material e pela condição de supostos defensores da democracia. Há muito, porém, esta imagem desfez-se. Pesou a realidade das guerras e intervenções, dos novos campos de concentração, da tortura, da arrogância. Seguidas pesquisas apontam que Washington é visto hoje, no mundo todo, como quem “mais ameaça a paz”. A sondagem mais recente feita também no Brasil (em 2014) revelou que 24% dos entrevistados em todo o mundo (e 26% dos brasileiros) veem os EUA como ameaçadores – muitíssimo à frente de países como o Paquistão (8%), a China (6%), o Iraque e a Síria (5%).

De alguma forma, esta impopularidade reflete-se também aos meios de comunicação. Foi raro encontrar, mesmo na velha mídia, quem se entusiasmasse com a visita do presidente. Muito mais frequentes foram os comentários críticos aos resultados pífios da tournée e a seus atos desastrados. Resulta em que hoje, de volta ao Brasil, o presidente depara-se com os mesmos problemas irresolvidos, o mesmo desgaste e a mesma falta de rumos.

Bastaram dois meses para que o governo expusesse o seu vazio. E ele seria ainda maior se houvesse, ainda que tímida, uma oposição. Mas – e aqui está outra grande revelação destes 60 dias – nada parece animar os partidos derrotados em 2018 a voltarem à vida. Do êxodo forçado dos médicos cubanos à proposta de reduzir a menos da metade os benefícios assistenciais dos idosos e desvalidos, passando pela redução do salário mínimo, pelo desmonte dos serviços públicos, pelos retrocessos ambientais, pelo absurdo da “agenda moral” – nenhum ato de Bolsonaro desencadeou uma resposta à altura, muito menos o esboço de um caminho alternativo. Preencher este segundo vazio é cada vez mais indispensável. Enquanto ele persistir, seremos pequenos como nunca.

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