Atitude submissa, alienação e
oportunismo mofado marcaram visita de Bolsonaro a Trump. Felizmente, mostra o
novo Ibope, pode durar pouco – desde que haja uma oposição
Antonio Martins | Outras Palavras
No início da tarde de
quarta-feira (20/3), o Ibope tornou públicos os dados da primeira
pesquisa de opiniãosobre o governo Bolsonaro feita por um instituto
relevante. O desgaste foi rápido, nos dois primeiros meses de mandato. O
presidente, que já não assumiu com popularidade excepcional, perdeu 15 pontos
percentuais de apoio, em 60 dias. Agora, apenas 34% consideram seu governo
“ótimo” ou “bom”. No gráfico abaixo a queda fica mais nítida. Agora, a linha
que representa as opiniões favoráveis, descendente já se encontra com o
“regular” e se aproxima perigosamente daquela que registra a crítica, os que
julgam o governo “ruim” ou “péssimo”.
A fraqueza do índice surge num
outro gráfico, que compara a popularidade dos últimos presidentes transcorridos
os mesmos 60 dias. Bolsonaro é o último, bem distante de Lula (51%), Dilma
(54%), FHC (41%), Collor e Sarney. Fica acima apenas dos segundos períodos de
FHC (22%, em meio à maior crise cambial da história brasileira) e Dilma (12%,
após aplicar um megaestelionato eleitoral). Por três razões, a visita que o
ex-capitão acaba de fazer aos Estados Unidos merece ser lida em sintonia com
estes números.
A primeira é a alienação. Levado
à Presidência por uma série de circunstâncias excepcionais, Bolsonaro parece
ter acreditado que o foi por seus méritos próprios. O afastamento arbitrário de
Lula permitiu-lhe ocupar o espaço “antiestablishment”, em meio a uma crise
profunda do sistema político. Mas sua apalermada autoconfiança leva-o a crer
que esta marca o acompanhará, independentemente de agora ser o
“establishment” – e a despeito do que faça. No Brasil, reage às críticas como
se estivesse acima delas; insulta os adversários; restringe-se, aos poucos, a
dialogar com seus apoiadores mais extremados (uma parcela pequena dos que lhe
deram o voto). Nos EUA, esta atitude levou-o das gafes (a visita bizarra à
diretora da CIA, o beija-mão a Olavo de Carvalho e a Steve Bannon, o
preterimento do chanceler em favor do filho, no encontro com Trump) às
declarações incontidas de admiração a seu homólogo. É como se Washington
estivesse nos tempos de glória e sua proximidade pessoal com um poder superior
o tornasse imune a tudo.
Desta incapacidade de enxergar o
cenário político decorreu diretamente a submissão. As concessões aos EUA
atropelam-se. Base de Alcântara, com áreas de exclusão onde brasileiros não
poderão adentrar (afora as cláusulas do acordo que ainda estão por ser
reveladas…). Dispensa de visto de entrada para cidadãos norte-americanos.
Renúncia à condição de “país em desenvolvimento” (que dá direito a salvaguardas
importantes na OMC). Cumplicidade sem disfarces com Washington, nas ameaças de
intervenção militar na Venezuela. Acenos à presença norte-americana na
Amazônia. Aceitação implícita das regras da OCDE (em que o governo brasileiro
pediu ingresso), inclusive as que obrigam a eliminar por completo restrições à
entrada e saída de moeda estrangeira). Tudo Trump obteve, sem nada oferecer –
exceto as anedóticas promessas de “examinar com atenção” os interesses
brasileiros…
Por fim, há quem enxergue na
visita um terceiro elemento – o oportunismo –, também relacionado ao fenômeno
que o Ibope acaba de quantificar. Ciente do desgaste interno. Bolsonaro teria
tentado criar, no exterior, uma agenda positiva, ou ao menos uma cortina de
fumaça. As gafes e extravagâncias seriam, na verdade, encenadas. Quanto mais os
atos do presidente fossem capazes de chamar atenção, melhor – para virar a
página dos “laranjas”, dos ataques ao Carnaval, da volta aos métodos de sempre
para comprar, no Congresso, votos contra a Previdência pública.
Nesse caso, tratou-se de
oportunismo mofado. Em outras épocas, os EUA foram admirados por seu progresso
material e pela condição de supostos defensores da democracia. Há muito, porém,
esta imagem desfez-se. Pesou a realidade das guerras e intervenções, dos novos
campos de concentração, da tortura, da arrogância. Seguidas pesquisas apontam
que Washington é visto hoje, no mundo todo, como quem “mais ameaça a paz”. A sondagem
mais recente feita também no Brasil (em 2014) revelou que 24% dos
entrevistados em todo o mundo (e 26% dos brasileiros) veem os EUA como
ameaçadores – muitíssimo à frente de países como o Paquistão (8%), a China
(6%), o Iraque e a Síria (5%).
De alguma forma, esta
impopularidade reflete-se também aos meios de comunicação. Foi raro encontrar,
mesmo na velha mídia, quem se entusiasmasse com a visita do presidente. Muito
mais frequentes foram os comentários críticos aos resultados pífios da tournée e
a seus atos desastrados. Resulta em que hoje, de volta ao Brasil, o presidente
depara-se com os mesmos problemas irresolvidos, o mesmo desgaste e a mesma
falta de rumos.
Bastaram dois meses para que o
governo expusesse o seu vazio. E ele seria ainda maior se houvesse, ainda que
tímida, uma oposição. Mas – e aqui está outra grande revelação destes 60 dias – nada parece
animar os partidos derrotados em 2018
a voltarem à vida. Do êxodo forçado dos médicos cubanos
à proposta de reduzir a menos da metade os benefícios assistenciais dos idosos
e desvalidos, passando pela redução do salário mínimo, pelo desmonte dos serviços
públicos, pelos retrocessos ambientais, pelo absurdo da “agenda moral” – nenhum
ato de Bolsonaro desencadeou uma resposta à altura, muito menos o esboço de um
caminho alternativo. Preencher este segundo vazio é cada vez mais
indispensável. Enquanto ele persistir, seremos pequenos como nunca.
Gostou do texto? Contribua para
manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OUTROS QUINHENTOS
Sem comentários:
Enviar um comentário