Imagem do desfile |
A autarquia de Marco de Canaveses
censurou - por eliminação da postagem no Facebook - o post alusivo ao artigo que
apresentamos a seguir, extraído do jornal Público e datado de 7 de Março. Afinal um “desabafo” atualissimo sobre a falsa afirmação de que não existe
racismo e xenofobia em Portugal quando sabemos aeassistimos quotidianamente ao
preconceito de imensos portugueses que estão por aí a desmentir a “crença” do “não
sou racista”, mas… (PG)
A minha etnia não é uma fantasia
de Carnaval
Uma mensagem ao agrupamento de
escolas de Marco de Canaveses, à Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a
Portugal em relação à (in)existência do racismo.
Era uma noite banal, estava no
meu telemóvel e apareceram
no Twitter umas fotos de um desfile de Carnaval, cujas pessoas estavam
aparentemente vestidas de “chineses”. À primeira vista, nem sequer tinha
reparado nesse aspecto, mas foi depois de ler as mensagens dos cartazes nas
mãos das pessoas que me apercebi do que é que se tratava. “Socorro! Quero sair
desta invasão!”, “Os chineses são espertos, apesar de terem olhos em bico”,
diziam. A minha primeira reacção foi de choque. Sei que estes preconceitos
existem, mas a manifestação dos mesmos foi tão directa que tive de pensar
por uns momentos para processar o que li. As pessoas bem dizem que “é Carnaval,
ninguém leva a mal”, mas essa frase nem passou pela minha cabeça. Como é que
não poderia levar a mal quando essas mensagens têm um impacto nas pessoas com
origem chinesa?
Senti-me desconfortável. As tais
fotografias levaram-me ao passado, aos tempos em que não sabia como reagir
quando as pessoas gozavam com a minha aparência ou quando elas faziam
comentários negativos em relação a nós. Desde pequena, formei uma barreira de defesa
em relação a essas atitudes preconceituosas e passei simplesmente a ignorar
cada vez que ouvia palavras ignorantes. Não valia a pena ficar triste e perder
tempo a pensar nessas coisas — era assim que pensava quando era apenas uma
criança.
Porém, naquela noite não consegui
ficar indiferente. Simplesmente não podia. Desde que comecei a estudar no Reino
Unido, e tendo conhecimento das experiências da minha irmã que estuda nos
Estados Unidos, apercebi-me que Portugal tem um problema muito sério em relação
ao racismo. O racismo está tão interiorizado que actos que deviam ser
considerados como sendo tal, não são. Tudo é considerado uma pura brincadeira.
Só porque não expressamos o nosso descontentamento, não significa que aceitamos
tais atitudes. Aliás, a maior parte das pessoas não aceita que está a ser
racista porque não estão conscientes. Há uma falta de espaço na sociedade para
aceitar acusações de racismo quando as mesmas acontecem. Além disso, onde é que
está o nosso direito de nos sentirmos ofendidos?
No dia seguinte, contei ao meu
pai (que partiu para Portugal há mais de 20 anos) o que aconteceu. A reacção
dele foi como a minha — como é que isso pode acontecer e ser publicado na página oficial do Facebook da Câmara Municipal de Marco de
Canaveses, como se fosse uma coisa perfeitamente normal? E quando lhe falei
da minha intenção de escrever sobre os problemas desse desfile, ele apoiou-me,
dizendo: “Nós, os imigrantes, não sabemos muito bem português, por isso não
temos a habilidade para responder apropriadamente quando as pessoas estão a ser
racistas connosco.”
Eu bem sei o que é essa situação.
E, mais do que nunca, quero ser uma das vozes que é capaz de nos representar.
Não consigo evitar pensar sobre as coisas que foram ditas quando as pessoas
envolvidas estavam a preparar-se para o Carnaval, principalmente aquelas que se
vestiram de “chineses.” Sim, somos diferentes. Sim, temos “olhos em bico.” Sim , somos
muitos cá em Portugal.
Mas conhecem a história que nos trouxe para cá em primeiro
lugar? Acham mesmo que os meus pais e outros imigrantes fizeram uma escolha fácil
quando decidiram deixar a sua família, e tudo o que tinham para trás, e imigrar
para um país tão longínquo da terra deles?
Um dia, explicarei isso tudo como
deve de ser. Mas agora, simplesmente, quero chamar a atenção das consequências
desse tipo de desfile. Pensem no tipo de cidadãos que querem formar. Pensem na
possibilidade de formar pessoas com uma mente aberta, livre de preconceitos.
Pensem na possibilidade de uma sociedade portuguesa diversa e rica
culturalmente. Ninguém gosta de pessoas intolerantes, certo?
E eu pensarei nas crianças
chinesas que nasceram cá em Portugal e que viram esse espectáculo, tentando
encontrar a melhor solução para que elas não se sintam desconfortáveis nas suas
peles, porque não há nada de errado em ter origem chinesa. Não devemos sentir
que temos de negar uma parte da nossa identidade para nos sentirmos mais
aceites pela maioria. Podemos ser perfeitamente ambos — portugueses e chineses,
tendo orgulho em ambas as culturas.
De facto, precisamos de mais
vozes. Precisamos de mais diálogo e de compreensão. Se tu és imigrante ou filho
(a) de imigrantes, podemos mudar as coisas. Não ignores, fala quando as pessoas
dizem/fazem coisas ofensivas. Temos que acordar a sociedade e promover a
consciencialização sobre o racismo que está presente em Portugal. Não vale a
pena negar mais. Chega. E talvez, no futuro, as coisas melhorem para as
minorias. Deixa a tua voz ser ouvida.
Nota: O post em causa foi
entretanto eliminado da página de Facebook da autarquia.
*Cortesia de Alberto Monteiro de Castro
*Cortesia de Alberto Monteiro de Castro
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