sexta-feira, 29 de março de 2019

Portugal | A vertigem do desastre


António Galamba  | Jornal i | opinião

O primeiro-ministro colocou o Governo e o partido numa rota de enleio em casos e casinhos e em polémicas em torno das suas exclusivas opções políticas que tem tudo para resultar em desastre.

Tinha tudo para correr bem, está tudo a conjugar-se para que corra mal. Depois de uma legislatura em que comprometeu o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português com o essencial das opções políticas, em que contou com uma Presidência da República convergente e beneficiou de uma conjuntura nacional, europeia e internacional favorável, o primeiro-ministro colocou o Governo e o partido numa rota de enleio em casos e casinhos e em polémicas em torno das suas exclusivas opções políticas que tem tudo para resultar em desastre. Desastre, desde logo, em função das expetativas.

É uma realidade que só pode espantar os incautos ou os deliberados ingénuos. No fundo, o que está a acontecer no plano nacional, com maior visibilidade pública, é uma réplica do modelo de gestão seguido na autarquia da capital.

Condições políticas de gestão que se vão esvaindo, opções políticas e nomeações que vão sustentando o poder, dentro e fora da estrutura autárquica, alguma sobranceria perante a República e os Cidadãos e um funcionamento sobre si mesmo, e não em função da realidade, das dinâmicas das pessoas e do território.

O enleio é tal que mesmo a expetável tentativa de Bloco e PCP se demarcarem dos seus compromissos e responsabilidades com a governação em vésperas de eleições, através de uma gritaria ao nível dos calcanhares, já está a subir pela canela acima, ameaçando a mobilidade governativa que falta. Agora, afinal tiveram de trabalhar “muito penosamente com aqueles que nos diziam apoiar”.


O enleio está a permitir que o Bloco e o PCP façam a demarcação do que não correu tão bem ou não foi tão longe quanto era pretendido e dá alento a uma direita que, até há bem pouco tempo, estava resignada a um papel marginal, sem perspetivas e sem ambiente social para se reafirmar como alternativa. No fundo, o enleio em que o PS foi colocado está a permitir que à esquerda e à direita se exercite a memória seletiva: BE e PCP só são responsáveis pelas opções e medidas positivas da governação pós-2015; PSD e CDS não são responsáveis pela espiral de austeridade dos anos da troika.

O espantoso é que, quase 45 anos sobre a implantação da democracia, num tempo em que o elevado escrutínio digital convive com a profusão de informações falsas ou distorcidas, se possa ter uma conceção do exercício da atividade política e das funções públicas que pressupõe uma perceção de impunidade e uma elevada condescendência dos cidadãos, sem capacidade para discernir, avaliar e decidir.

É espantoso que se possa passar de um quadro de normal exigência da obtenção de uma maioria absoluta nas eleições legislativas para um quadro com pinceladas negativas, apesar do compromisso das esquerdas com o Governo e das fragilidades da oposição à direita.

É espantoso que, no quadro de referência dos apoiantes da solução governativa, não se siga a linha política de que a Europa do que precisa é de uma liderança e uma maioria que concretizem um caminho alternativo ao da austeridade pura e dura, imposta pela direita. Agora, até o ex--ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, reconhece que em relação à austeridade “podíamos ter feito as coisas de forma diferente”. Uma linha que sublinhe que o que foi alcançado nestes últimos anos só foi possível porque Portugal aliviou a austeridade sem entrar em rutura com a União Europeia e com os credores.

Há um arreigado amorfismo, assente em sabe-se lá o quê, que alimenta uma irresponsável vertigem para o desastre. Com a economia a abrandar e demasiadas expetativas a serem goradas, é tempo de arrepiar caminho e cerrar fileiras em torno do caminho que resolveram seguir, dos parceiros que escolheram, das opções que em conjunto fizeram e dos resultados que obtiveram. Este não é um tempo para arrependimentos ou demarcações, é o tempo de afinar comportamentos, de corrigir erros e de cerrar fileiras. É essa pista com sentido único dos que apoiaram a atual solução governativa, nos quais, com quase quatro anos de coerência, não me incluo.

É que, por opções próprias da liderança do PS e por convergências à esquerda e à direita, as europeias estão a transformar--se numa primeira volta das legislativas, o que não seria necessariamente mau se não se estivesse a permitir que se instalasse um vasto conjunto de perceções negativas em relação ao partido e ao seu modelo de governação, apesar dos resultados e do contraste com o passado recente da governação PSD/CDS.

NOTAS FINAIS
Buraco na estrada. A vertigem das alterações climáticas está mais do que sinalizada. Sem chuva, adensa-se a preocupação com o abastecimento de água, o seu uso nas atividades agroalimentares e os impactos da secura no risco de incêndios florestais. É mais que tempo de reformatar os discos rígidos individuais dos comportamentos e muitas das opções políticas na gestão dos recursos naturais.

Óleo no piso. Está à vista de todos a relevância de termos um presidente da Federação Portuguesa de Futebol que é vice- -presidente do comité executivo da UEFA. Em Portugal, é um regabofe: ninguém põe ordem nos sucessivos erros de arbitragem, nos jogos da seleção portuguesa, penáltis que se vislumbram desde as Berlengas não são marcados.

Galho na berma. Há nas vertigens dos últimos anos uma crescente moda de decidir e legislar sem pensar nas consequências. Sob o impulso da proteção dos animais, proibiu-se o abate de animais nos canis municipais sem que se tivessem construído as infraestruturas. Agora, os canis estão sobrelotados. É perguntar ao PAN como se resolve as consequências do seu impulso…

NOTA MESMO FINAL: A partir da próxima semana passo a escrever à segunda.

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