António Galamba
| Jornal i | opinião
O primeiro-ministro colocou o
Governo e o partido numa rota de enleio em casos e casinhos e em polémicas em
torno das suas exclusivas opções políticas que tem tudo para resultar em
desastre.
Tinha tudo para correr bem, está
tudo a conjugar-se para que corra mal. Depois de uma legislatura em que
comprometeu o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português com o essencial
das opções políticas, em que contou com uma Presidência da República
convergente e beneficiou de uma conjuntura nacional, europeia e internacional
favorável, o primeiro-ministro colocou o Governo e o partido numa rota de
enleio em casos e casinhos e em polémicas em torno das suas exclusivas opções
políticas que tem tudo para resultar em desastre. Desastre ,
desde logo, em função das expetativas.
É uma realidade que só pode
espantar os incautos ou os deliberados ingénuos. No fundo, o que está a
acontecer no plano nacional, com maior visibilidade pública, é uma réplica do
modelo de gestão seguido na autarquia da capital.
Condições políticas de gestão que
se vão esvaindo, opções políticas e nomeações que vão sustentando o poder,
dentro e fora da estrutura autárquica, alguma sobranceria perante a República e
os Cidadãos e um funcionamento sobre si mesmo, e não em função da realidade,
das dinâmicas das pessoas e do território.
O enleio é tal que mesmo a
expetável tentativa de Bloco e PCP se demarcarem dos seus compromissos e
responsabilidades com a governação em vésperas de eleições, através de uma
gritaria ao nível dos calcanhares, já está a subir pela canela acima, ameaçando
a mobilidade governativa que falta. Agora, afinal tiveram de trabalhar “muito
penosamente com aqueles que nos diziam apoiar”.
O enleio está a permitir que o
Bloco e o PCP façam a demarcação do que não correu tão bem ou não foi tão longe
quanto era pretendido e dá alento a uma direita que, até há bem pouco tempo,
estava resignada a um papel marginal, sem perspetivas e sem ambiente social
para se reafirmar como alternativa. No fundo, o enleio em que o PS foi colocado
está a permitir que à esquerda e à direita se exercite a memória seletiva: BE e
PCP só são responsáveis pelas opções e medidas positivas da governação
pós-2015; PSD e CDS não são responsáveis pela espiral de austeridade dos anos
da troika.
O espantoso é que, quase 45 anos
sobre a implantação da democracia, num tempo em que o elevado escrutínio
digital convive com a profusão de informações falsas ou distorcidas, se possa
ter uma conceção do exercício da atividade política e das funções públicas que
pressupõe uma perceção de impunidade e uma elevada condescendência dos
cidadãos, sem capacidade para discernir, avaliar e decidir.
É espantoso que se possa passar
de um quadro de normal exigência da obtenção de uma maioria absoluta nas
eleições legislativas para um quadro com pinceladas negativas, apesar do
compromisso das esquerdas com o Governo e das fragilidades da oposição à
direita.
É espantoso que, no quadro de
referência dos apoiantes da solução governativa, não se siga a linha política
de que a Europa do que precisa é de uma liderança e uma maioria que concretizem
um caminho alternativo ao da austeridade pura e dura, imposta pela direita.
Agora, até o ex--ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, reconhece que
em relação à austeridade “podíamos ter feito as coisas de forma diferente”. Uma
linha que sublinhe que o que foi alcançado nestes últimos anos só foi possível
porque Portugal aliviou a austeridade sem entrar em rutura com a União Europeia
e com os credores.
Há um arreigado amorfismo,
assente em sabe-se lá o quê, que alimenta uma irresponsável vertigem para o
desastre. Com a economia a abrandar e demasiadas expetativas a serem goradas, é
tempo de arrepiar caminho e cerrar fileiras em torno do caminho que resolveram
seguir, dos parceiros que escolheram, das opções que em conjunto fizeram e dos
resultados que obtiveram. Este não é um tempo para arrependimentos ou
demarcações, é o tempo de afinar comportamentos, de corrigir erros e de cerrar
fileiras. É essa pista com sentido único dos que apoiaram a atual solução governativa,
nos quais, com quase quatro anos de coerência, não me incluo.
É que, por opções próprias da
liderança do PS e por convergências à esquerda e à direita, as europeias estão
a transformar--se numa primeira volta das legislativas, o que não seria necessariamente
mau se não se estivesse a permitir que se instalasse um vasto conjunto de
perceções negativas em relação ao partido e ao seu modelo de governação, apesar
dos resultados e do contraste com o passado recente da governação PSD/CDS.
NOTAS FINAIS
Buraco na estrada. A
vertigem das alterações climáticas está mais do que sinalizada. Sem chuva,
adensa-se a preocupação com o abastecimento de água, o seu uso nas atividades
agroalimentares e os impactos da secura no risco de incêndios florestais. É
mais que tempo de reformatar os discos rígidos individuais dos comportamentos e
muitas das opções políticas na gestão dos recursos naturais.
Óleo no piso. Está à vista
de todos a relevância de termos um presidente da Federação Portuguesa de
Futebol que é vice- -presidente do comité executivo da UEFA. Em Portugal, é um
regabofe: ninguém põe ordem nos sucessivos erros de arbitragem, nos jogos da
seleção portuguesa, penáltis que se vislumbram desde as Berlengas não são
marcados.
Galho na berma. Há nas
vertigens dos últimos anos uma crescente moda de decidir e legislar sem pensar
nas consequências. Sob o impulso da proteção dos animais, proibiu-se o abate de
animais nos canis municipais sem que se tivessem construído as infraestruturas.
Agora, os canis estão sobrelotados. É perguntar ao PAN como se resolve as
consequências do seu impulso…
NOTA MESMO FINAL: A partir
da próxima semana passo a escrever à segunda.
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