terça-feira, 2 de abril de 2019

Angola | José Agualusa : "Os inimigos de João Lourenço estão dentro do seu partido"


Isaquiel Cori | Jornal de Angola | entrevista

Autor de uma já vasta obra, com créditos firmados em Angola e no exterior, está no país para participar, com o moçambicano Mia Couto, a convite do Goeth-Institute Angola e do colectivo cultural Pés Descalços, numa oficina de escrita criativa. Vai aproveitar para fazer a apresentação do seu último romance, “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, lançado há dois anos em Portugal. José Eduardo Agualusa, que vive actualmente em Moçambique, fala, na entrevista que se segue, sobre a divulgação da sua obra no exterior, a diáspora literária angolana e a necessidade de formar leitores. E como não podia deixar de ser, opina sobre a nova Angola que encontrou.

A parceria com Mia Couto já vem de longe. Chegaram inclusive a escrever vários livros conjuntamente...

Tenho três peças de teatro escritas com o Mia. Essas peças foram reescritas e transformadas em contos. (Conversa interrompida por uma chamada telefónica de Mia Couto, a partir da Ilha de Moçambique). Esse livro de contos, que se chama “O Terrorista Elegante e Outras Histórias”, sai agora, em Abril, na minha actual editora no Brasil. Não tem data de publicação, nem editora sequer, em Portugal. Em Moçambique deve sair este ano, com o selo da Fundação Fernando Couto. A nossa cumplicidade já vem de há muito tempo. Acho que fui a primeira pessoa a escrever uma crítica a um livro do Mia Couto fora de Moçambique. Foi o seu primeiro livro de contos. Lembro-me como se tivesse acontecido ontem da impressão que me produziu aquele primeiro livro de contos do Mia. Foi a edição moçambicana, muito feia. Mas o Mia já estava ali, um escritor inteiro. Fiquei tão emocionado que fiz a recensão crítica, boa, para o jornal Expresso, de Lisboa. Na sequência disso o Mia quis conhecer-me e ficámos amigos. Somos amigos há mais de 35 anos. É verdade que para escrever um texto como nós fizemos tem de haver intimidade boa. O que já temos feito, também, é o lançamento de livros em conjunto, em vários países do mundo. Já fizemos imensas vezes mesas de debate juntos no Brasil, em França, Inglaterra e Espanha. E corre sempre bem. E há outra coisa: a minha actual esposa foi o Mia quem me apresentou.


Isso explica tudo. Está a desenvolver algum projecto de escrita nessa sua estada em Angola? Ou está completamente dedicado à agenda oficial?

Estou a escrever. Temos de aproveitar todos os momentos para escrever. Estou a escrever um novo romance, que eu me comprometi a entregar ao meu editor português até finais de Maio. Não sei se será possível. Mas estou avançado.

É uma nova abordagem sobre a realidade actual de Angola?

É um romance muito particular, que decorre em sete dias na Ilha de Moçambique, onde estou a viver, mas durante um festival de literatura africana. Os personagens são quase todos escritores africanos, vários deles angolanos. É um romance sobre muitas coisas, sobretudo literatura. Mas se tivesse que o definir diria que é um romance sobre o poder da imaginação.

No seu romance “Estação das Chuvas” pegou em personagens da História, da vida real, e pô-los inclusive a falar na primeira pessoa. Isso provocou muita polémica. E agora diz que vai romancear escritores reais...

São escritores todos os personagens, mas ficcionais. O Mia aparece com o seu próprio nome e eu também apareço como personagem. É uma brincadeira divertida. Quanto aos outros personagens, alguns são inspirados em figuras reais, mas são ficcionais.

Mesmo sendo ficcionais são facilmente referenciáveis na vida real?

Alguns talvez, outros não. O interessante na literatura é que você pega num personagem baseado numa figura real, mas se ele resulta adquire vida própria, vai se transformando, vai se tornando cada vez mais complexo e, a partir de um certo momento, já é difícil dizer que ele veio dessa ou daquela pessoa.

Chega desta vez a Angola num contexto em que a transição política vai bastante adiantada. Essa transição está a corresponder a tudo quanto imaginava?

Ninguém imaginava. A verdade é que há pouco tempo, dois anos, vivíamos um período de estagnação, sem grande esperança de mudança. O que o Presidente João Lourenço trouxe foi uma nova esperança, acho que se abriu uma janela de esperança num quotidiano muito sombrio. Por exemplo, uma coisa que claramente para mim João Lourenço trouxe foi o fim do medo entre a sociedade civil. Hoje em Angola respira-se muito melhor. O medo deslocalizou-se no sentido em que aqueles que tinham medo, que era o conjunto da sociedade civil, deixou de o ter. O medo passou para o partido no poder, quem hoje vive com medo são os militantes históricos, os que ainda não sabem bem hoje o que é que vai acontecer. Mas essa Presidência de João Lourenço conseguiu apaziguar o conjunto da sociedade civil. Parece que estamos a caminho de uma democracia mais sólida, mais completa, mas ainda falta muito, por exemplo o Poder Local, que é uma coisa que sempre critiquei. Não podemos falar em democracia sem o Poder Local. E hoje, finalmente parece que estamos a avançar para o Poder Local, o que é um bom sinal. E há outros desafios, como despartidarizar o aparelho do Estado e conseguir que a oposição se torne mais forte e mais credível. A democracia passa não só por um Governo sólido, mas também por uma oposição sólida, qualquer que ela seja e qualquer que seja o Governo.

Há quem acredite que o combate à corrupção até às últimas consequências, doa a quem doer, carrega consigo um enorme potencial de implodir o MPLA e com isso pôr em risco a estabilidade de todo o sistema político...

Por isso é que eu disse que o medo se deslocalizou. Hoje quem tem medo não é a sociedade civil. Quem tem medo é o MPLA, o partido no poder. Dentro desse partido há muita gente que esteve ligada a práticas ilícitas de enriquecimento rápido. Essas pessoas estão assustadas. Agora, esse combate à corrupção é dentro do MPLA que tem de começar, porque foi aí que houve mais enriquecimento rápido. Toda a sociedade, no seu conjunto, tem o dever de apoiar o Presidente João Lourenço, neste momento, no que diz respeito ao combate à corrupção. Aquilo que sustenta o Presidente João Lourenço é o apoio da sociedade civil. A maior parte dos inimigos de João Lourenço não estão fora, estão dentro do seu próprio partido. É preciso apoiar o Presidente João Lourenço neste combate.

Há algum tempo o Agualusa deu uma entrevista ao jornal “Público”, de Portugal, na qual dizia que João Lourenço como Presidente de transição não teria “força para dirigir um partido tão complexo como é o MPLA”. Hoje tem mais fé nas possibilidades de João Lourenço?

Não me lembro de ter dito isso. Mas, de qualquer forma, estamos a assistir a esse combate e João Lourenço tem revelado uma coragem política e uma capacidade de articulação que tem surpreendido. Parece-me que sim, que está a conseguir com avanços e algumas situações que parecem ser um recuo, como a recente libertação de Zenu, que tem estado a provocar algum debate, e a saída do país de Jean-Claude (Bastos de Morais). Eu quando cheguei estava a ouvir a Procuradoria-Geral da República... Nem quero falar muito sobre isso porque, realmente, tenho a sensação de que não conhecemos tudo e custa-me falar de um assunto de que não temos o domínio absoluto. Mas de qualquer forma, em termos de percepção, houve ali um recuo. No mínimo, esta pessoa não devia ter sido autorizada a abandonar o país, até que tudo ficasse devidamente esclarecido, ainda que, de um ponto de vista estritamente legal, a acção dele estivesse sustentada por contratos, evidentemente equivocados, alguém terá de responder por eles. Até acredito que ele não possa ser responsabilizado, mas...

De tudo o que foi dito sobre isso sobressai a ideia de que a sua libertação e autorização de saída do país foi o preço pago pela recuperação dos activos do Fundo Soberano...

Até posso compreender que a primeira intenção era reaver o dinheiro. Mas onde fica a justiça, aos olhos de um povo tão martirizado, a quem essa acção, concretamente, prejudicou, porque foram mi-lhões de dólares retirados do país, quando poderiam ser utilizados para amenizar a situação da 
população, que é má? Onde fica a justiça nesse processo? Esse homem sai livremente e não lhe vai acontecer nada? Como é que explicamos aos nossos filhos que há uma justiça?

Alguma vez se imaginou no papel de um agente político?

Não.

Mesmo fora do quadro partidário?

Todo o escritor, em qualquer um dos nossos países, tem a obrigação de participar em debates que têm a ver com a melhoria da sociedade. É uma obrigação, um dever de escritor. Mas também acho que um escritor que se entrega à política activa, pior ainda partidária, acaba por diminuir a sua voz. O Mário Vargas Llosa quando se envolveu na política activa, concorrendo para a presidência do seu país, o Peru, a voz dele diminuiu. A credibilidade dele diminuiu. Em primeiro lugar eu sou escritor, é o que gosto de fazer, é aquilo que sei fazer. Em segundo, a minha voz pode ter mais influência fora do que dentro da política. O escritor pode usar os livros para suscitar debate e depois aproveitar o facto de ter voz, dar entrevistas, etc..., para participar nas grandes discussões. Quando o escritor se envolve directamente na política a sua voz em vez de ser ampliada reduz. Você para ser político, por exemplo, tem de saber submeter-se a uma disciplina partidária. Eu não sei fazer isso, toda a minha vida fui independente. Só de me imaginar a participar em reuniões... não tenho o menor talento para isso.

Tem sido muito associado a polémicas. Pelos vistos, gosta de uma boa polémica, de estar contra a corrente...

Gosto do pensamento. A democracia para mim é o confronto de ideias. E não é assumir que a minha ideia é a melhor. É assumir que de todo o confronto de ideias pode emergir uma melhor.

Usa muito a História como material para os seus romances. Isso não implica alguns riscos, sobretudo quando se trata da História recente, ainda não sedimentada?

Uma coisa que convém esclarecer logo: o território da ficção não é o território real. A Luanda dos meus livros não é a Luanda real. O objectivo da literatura não é replicar o real, é construir outro universo. Cada escritor cria o seu próprio universo. O escritor que tem sucesso é o que consegue criar o seu próprio universo. E se tiver muito sucesso, consegue que o seu universo se sobreponha à realidade. Por exemplo, Ilhéus e Salvador da Bahia, de Jorge Amado, não eram reais. Mas ele teve tanto sucesso com os seus livros, que essas cidades se foram adaptando aos livros dele. É um processo inverso.

É o caso dos musseques de Luanda que, para muita gente, estarão para sempre associados ao imaginário de Luandino Vieira?

O Luandino Vieira infelizmente merecia muito mais sucesso do que aquele que teve até agora. Mesmo aqui, em Angola, o Luandino não é tão lido. Ultimamente estava a ler o último livro dele, “O Livro dos Rios”, que já não é tão recente e é um livro ex-cepcional. 
O Luandino tem momentos absolutamente geniais. Infelizmente ele é pouco lido, dentro e fora do país. Para você conseguir que a sua ficção se sobreponha à realidade, é preciso um grande sucesso. Um bom exemplo disso é o Gabriel Garcia Marquez. Você sabe onde existia a única Macondo, antes dele escrever “Cem Anos de Solidão”?

Não. Aqui em Angola, no Leste. Há anos que tenho dito “um dia vou a Macondo, no Leste”.

Gabriel Garcia Marquez chegou a saber da nossa Macondo?

Aparentemente não. Mas depois dele escrever o seu livro Macondo ficou tão conhecida que na Colômbia criaram uma cidade chamada Macondo para responder à demanda dos leitores. É o que queria dizer: quando a sua ficção alcança um sucesso muito grande, ela passa a ser real.

O sucesso literário ocorre necessariamente em função da qualidade ou mais da máquina promocional por trás da obra?

Acho que tem muito a ver com a própria obra. Às vezes por muita promoção que haja, não alcança o sucesso. Há escritores com uma obra de grande qualidade, mas essa obra é mais difícil. Em Portugal há o caso do António Lobo Antunes, que é um grande escritor, que nos seus primeiros livros chegou a vender 100 mil exemplares. Hoje é muito difícil, os seus livros alcançam os 10 mil exemplares vendidos.

Como é que se explica? Acho que tem a ver com a própria dificuldade da obra do Lobo Antunes, que se foi tornando cada vez mais difícil de ler. A obra dele exige leitores muito sofisticados. A mesma coisa acontece com o Luandino Vieira, não é qualquer leitor que tem acesso à sua obra, tem que ser uma pessoa com muita leitura. A obra do Luandino no início era muito simples. Mas aqui em Angola há outras razões. A começar pelo preço do livro, que no tempo de partido único era muito barato e as pessoas compravam livros. Se calhar não os liam, mas compravam. Tudo isso tem a ver com a formação de leitores, precisamos formar leitores.

Como é que se forma leitores?

Fazendo com que as pessoas tenham acesso ao livro. Isso deve começar no ensino básico, não só formando professores, mas permitindo que a escola tenha a sua biblioteca. No Brasil, antes desse descalabro absoluto com o senhor Bolsonaro, o Governo Lula, que terá cometido muitos erros, mas também teve muitos acertos, começou a instalar bibliotecas públicas e bibliotecas nas escolas. A dada altura, o Governo brasileiro era o maior comprador de livros no mundo, depois da China. Comprava livros exactamente para instalar bibliotecas em comunidades carentes, nas escolas, etc. Este é um exemplo que devemos copiar. Não se pode desenvolver um país sem a leitura, sem livros. O essencial é levar o livro às pessoas. É mentira que os angolanos não gostam de ler. Todos os dias recebo no Facebook mensagens de angolanos querendo livros. Querem ler. Mas os livros estão caríssimos. 

Estão-me a dizer que o livro que vou lançar agora vai custar 10 mil kwanzas. Quem é que vai comprar esse livro? Eu não comprava. Sempre combati o tempo de partido único, que tinha algumas coisas boas. A gente deitou fora o bebé com a água do banho: uma das coisas boas que existia naquela altura era o apoio do Estado ao livro. O Governo tem que apoiar a edição, tem que apoiar as bibliotecas, o estabelecimento de livrarias... Só se desenvolve um país através da leitura. Há uma ligação directa entre a leitura e o desenvolvimento.

“É escritor angolano quem tem o passaporte angolano”

As suas obras circulam perfeitamente em Portugal, no Brasil e creio que também em Moçambique...

Moçambique é como em Angola. Como os meus livros não estão publicados lá, circulam as edições estrangeiras, que são muito caras. Cá também circulam, só que a preços absurdos.

A sua obra no Brasil circula muito bem. Lembro-me do romance “O Ano em que Zumbi Tomou o Rio”, ambientado em grande parte no Brasil. É esse livro que o fez ganhar fama nesse país?

Não sei. Essa obra é muito particular. Quando foi publicada, a sua recepção no Brasil foi muito fria, porque é um livro que trata do racismo, denuncia o Brasil como um país submetido, podemos dizer assim, a um regime racista. O brasileiro não gosta disso, que venha alguém de fora dizer-lhe isso. O que aconteceu é que fui convidado para a Flip (Festival Literário de Paraty) onde tive a sorte de partilhar uma mesa com o Caetano Veloso, que tinha lido o livro, gostou muito e passou uma hora e meia a fazer grandes elogios ao livro, a declamar pedaços inteiros do livro. Quando acabou a sessão eu fiquei conhecido em todo o Brasil, porque vão àquele festival jornalistas, escritores, editores, toda a gente que trabalha com o livro no Brasil. Sem o Caetano Veloso isso não teria acontecido. Mas esse não é sequer o meu livro mais vendido no Brasil. O que vendeu mais no Brasil foi “As Mulheres do Meu Pai”, que chegou aos 10 mil exemplares. Mas há livros, como “O Vendedor de Passados”, que têm tido edições sucessivas.

Têm surgido vários angolanos lá fora a fazer sucesso com as suas obras literárias. Não acha que essas obras deviam ser mais conhecidas em Angola?

O que está a acontecer com Angola é o princípio de alguma coisa que já vem acontecendo com a Nigéria. Houve um boom da literatura nigeriana, com o aparecimento e afirmação de uma série de nomes a nível internacional. A mais destacada é a Chimamanda Adichie, mas há autores como o Teju Cole, por exemplo, que eu gosto imenso. Há uma outra escitora, que agora vive em Lisboa, que é a Taiye Selasi, meio nigeriana meio ghanense, que tem um único livro que teve sucesso mundial. Todas essas pessoas cresceram, alguns até mesmo nasceram, fora do país, nos EUA ou na Inglaterra. Cresceram com acesso ao livro, esse é o diferencial. São escritores nigerianos, africanos, mas criados na diáspora. Em Angola isso começa a aparecer agora. Temos dois ou três nomes que começam a afirmar-se, estou a pensar no Kalaf Epalanga, que publicou um livro, com relativo sucesso, em Portugal. E há também a Djaimila Pereira de Almeida, que teve muito sucesso em Portugal,o seu livro está a ser traduzido e agora lançou um segundo romance. Era importante que esses nomes fossem conhecidos em Angola.

Esses casos de sucesso, como diz, não se devem também à fortuna desses autores publicarem nos centros mais globais de legitimação e reconhecimento?

Isso com certeza acontece. Ainda agora estive num evento em Nantes, França, e estava a Taiye Selasi e outra escritora nigeriana, que vive na Nigéria, e ela falava precisamente disso, dos escritores que publicam em línguas nacionais e têm muita dificuldade depois em serem reconhecidos e aceites fora.

A dicotomia diáspora versus interior, no caso de Angola, não terá também a ver com a noção estrita de angolanidade, que tenderia a considerar como sendo angolana a obra com determinadas marcas que a identifiquem como tal, de preferência associadas à tradição e à ancestralidade?

A partir do momento em que o país ascende à independência é escritor angolano quem tem o passaporte angolano. Ponto final. Depois você pode discutir as características da sua ficção. Eu não sei, por exemplo, se a Djaimila é angolana de passaporte, mas ela é filha de pai ou de mãe angolana e acho que a literatura angolana a deve reclamar para si. Interessa-nos ter o maior número possível de escritores de qualidade.

No seu caso pessoal, os brasileiros reclamam a sua obra como sendo brasileira?

Não.

E os portugueses reclamam a sua obra como sendo portuguesa?

Isso já aconteceu. Lembro-me que o Vasco Graça Moura, uma vez, num jantar em casa do Miguel Sousa Tavares, fez um grande elogio aos meus livros e dizia “mas você tem de se deixar disso de ser angolano, você é um autor português”. Eu disse-lhe “sou angolano, não consigo ser outra coisa já, todos os meus livros são angolanos”. A afirmação dele pode ser vista como um elogio.

Teve uma infância, adolescência e parte da juventude vividas no Huambo. Mas é curioso que isso não se projecta na sua obra...

Tem razão. Nunca usei muito, directamente, a minha biografia. Mas neste livro, “So-ciedade dos Sonhadores Involuntários”, um dos per­sonagens principais é do Huambo e muitas memórias dele da juventude no Huambo realmente são as minhas. Este livro tem muita coisa ligada ao Huambo.

Não li este livro.

Aliás, o livro tem dois narradores que são do Huambo, têm memórias do Huambo. É engraçado que ao Mia Couto fazem-lhe a mesma pergunta relativamente à Beira, porque ele é da Beira. Agora está a es-crever um romance sobre a Beira, num momento em que aconteceu este desastre horrível. A Beira de que ele fala no livro não existe mais, desapareceu nas inundações.

Continua a ser jornalista?

Quando se é jornalista, continua-se a ser jornalista a vida inteira. Tenho saudades de exercer jornalismo.O melhor do jornalismo é descobrir pessoas. De uma certa maneira, o jornalismo ensinou-me a aproximar-me das pessoas, a descobrir histórias, porque sou uma pessoa tímida.

Torna-se jornalista a partir da literatura ou torna-se escritor a partir do jornalismo?

É uma boa pergunta. Acho que as duas coisas. Comecei a fazer jornalismo no jornal “África”, com o falecido João Van-Dúnem, que era o meu chefe de redacção, uma pessoa da qual tenho muitas saudades. Curiosamente, comecei a escrever sobre ambiente, porque eu era estudante de Silvicultura.E depois passei a escrever crítica literária. Só mais tarde comecei a fazer reportagens.

Qual é a leitura que tem do jornalismo que se vai fazendo em Angola?

O jornalismo em papel em quase todo o mundo decaiu muito. Regra geral, os jornais hoje têm menos qualidade. Nos EUA, de alguma forma com estas coisas das notícias falsas e as novas tecnologias que ajudam a disseminar notícias falsas,uma parte do público retornou à imprensa escrita, que assegura uma certa credibilidade. No caso de Angola melhorou e isso tem a ver com as mudanças no regime. Temos em Angola jornalistas muito bons, mas também temos os muito maus, como em todo o lado.

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