quarta-feira, 24 de abril de 2019

Europa, I love you

Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Se a Europa fosse uma autoestrada, nós seríamos um condutor em contramão de pé atado ao acelerador. Quanto mais a Europa entra nas nossas vidas, maior é a nossa propensão para fugirmos dela. É como rodopiar sem sair do sítio: os portugueses parecem ter as vistas políticas limitadas ao retângulo e os partidos fazem tudo para alimentar essa lógica circular, nivelando por baixo as expectativas que reservam para si próprios. Porque, na verdade, todos têm mais a perder do que a ganhar. As europeias estão condenadas a ser um tubo de ensaio para as legislativas. Um meio caminho andado para um lugar qualquer. E este ano, infelizmente, vamos continuar fiéis à tradição. Basta uma curta viagem pelo território para nos apercebermos de como o desinteresse generalizado se traduziu numa enorme vacuidade dos slogans, em particular de PS, PSD e CDS, que ora ensaiam trôpegas declarações de amor ao ideário europeu, ora tentam colar de forma subtil Bruxelas a São Bento. Ainda que a história, e as mais recentes sondagens, demonstrem que a natureza das eleições é distinta e por isso errónea essa deriva.

Desde que os portugueses votam para o Parlamento Europeu, só por duas ocasiões os números da abstenção não foram cartazes nacionais da vergonha: em 1987 e 1989. Mas isso foi no princípio. Porque desde 1994 que o alheamento tem sido sistemático. E sempre acima dos 60%. Em 2014, atingiu-se mesmo um recorde de 66,16% de abstenção. De resto, não me espantaria que, daqui a um mês, a tragédia fosse mais expressiva. Apostar em candidatos repetentes ou de carisma deslavado certamente que não ajuda, mas a pior coisa que se pode fazer pelas eleições europeias é não debater a Europa. Cabe sobretudo aos líderes políticos reverter este divórcio, centrando o debate e simplificando o discurso. A Europa não nasce e morre na gestão corrente do défice, na austeridade e nas leis esdrúxulas que nos impõem. E muito menos o seu destino pode ficar sujeito a um despertar que nos atormenta de cinco em cinco anos. "Europa, I love you" é uma frase catita para estampar numa t-shirt. Mas quando a bandeira é o nosso futuro coletivo, só temos de esperar (e exigir) mais política e menos marketing.

* Diretor-adjunto

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