Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
Se a Europa fosse uma
autoestrada, nós seríamos um condutor em contramão de pé atado ao acelerador.
Quanto mais a Europa entra nas nossas vidas, maior é a nossa propensão para
fugirmos dela. É como rodopiar sem sair do sítio: os portugueses parecem ter as
vistas políticas limitadas ao retângulo e os partidos fazem tudo para alimentar
essa lógica circular, nivelando por baixo as expectativas que reservam para si
próprios. Porque, na verdade, todos têm mais a perder do que a ganhar. As
europeias estão condenadas a ser um tubo de ensaio para as legislativas. Um
meio caminho andado para um lugar qualquer. E este ano, infelizmente, vamos
continuar fiéis à tradição. Basta uma curta viagem pelo território para nos
apercebermos de como o desinteresse generalizado se traduziu numa enorme
vacuidade dos slogans, em particular de PS, PSD e CDS, que ora ensaiam trôpegas
declarações de amor ao ideário europeu, ora tentam colar de forma subtil
Bruxelas a São Bento. Ainda que a história, e as mais recentes sondagens, demonstrem
que a natureza das eleições é distinta e por isso errónea essa deriva.
Desde que os portugueses votam
para o Parlamento Europeu, só por duas ocasiões os números da abstenção não
foram cartazes nacionais da vergonha: em 1987 e 1989. Mas isso foi no
princípio. Porque desde 1994 que o alheamento tem sido sistemático. E sempre acima
dos 60%. Em 2014, atingiu-se mesmo um recorde de 66,16% de abstenção. De resto,
não me espantaria que, daqui a um mês, a tragédia fosse mais expressiva.
Apostar em candidatos repetentes ou de carisma deslavado certamente que não
ajuda, mas a pior coisa que se pode fazer pelas eleições europeias é não
debater a Europa. Cabe sobretudo aos líderes políticos reverter este divórcio,
centrando o debate e simplificando o discurso. A Europa não nasce e morre na
gestão corrente do défice, na austeridade e nas leis esdrúxulas que nos impõem.
E muito menos o seu destino pode ficar sujeito a um despertar que nos atormenta
de cinco em cinco anos. "Europa, I love you" é uma frase catita para
estampar numa t-shirt. Mas quando a bandeira é o nosso futuro coletivo, só temos
de esperar (e exigir) mais política e menos marketing.
* Diretor-adjunto
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