Pedro Tadeu | Diário de Notícias
| opinião
O grito nas ruas de Lisboa era
este: "Liberdade! Liberdade!"
Na tarde do dia 25 de abril de
1974, há 45 anos, há muito muito tempo, magotes de pessoas comuns saíram de
casa, sem medo, para apoiar o golpe militar que tentava derrubar o governo do
Estado Novo.
A multidão nas ruas caucionou a
natureza do Movimento dos Capitães: não era apenas um protesto de militares
insatisfeitos, era mesmo uma revolução, porque implicava o fim da ditadura e a
construção de um regime onde a voz do povo fosse ouvida.
Os portugueses exigiam a
libertação de Portugal do jugo das elites desse tempo, políticos e donos da
riqueza que tentavam condicionar, com censura, polícia ideológica e delação,
todas as palavras, todos os pensamentos, toda a vida da sociedade.
A "longa noite fascista",
como então se dizia, estava no poder absoluto há 48 anos, há muito muito tempo.
Também fora aclamada nas ruas por multidões fartas da corrupção e do desgoverno
da Primeira República, mas, no dia da "Revolução dos Cravos",
ninguém, seriamente, a quis a defender. O fascismo caiu de podre.
"Uma gaivota voava,
voava" e "como ela, somos livres, somos livres de voar". Estes
versos estavam no refrão da canção mais popular desses dias, cantada por uma
hoje esquecida Ermelinda Duarte.
Outra canção, porém, explicava
porque a liberdade saudada nas manifestações de alegria popular, sem mais nada,
de nada serve: "Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão,
habitação, saúde, educação". Sérgio Godinho, o cantautor, nunca ficou
esquecido ao longo destes 45 anos.
Todos os partidos queriam,
portanto, a liberdade, mas também a paz, o pão, habitação, saúde e educação.
Todos os partidos, em luta sem tréguas pelo poder, estavam bizarramente unidos
nessa ideia de "construir uma via para o socialismo".
O PCP de Álvaro Cunhal queria o
socialismo. O PS de Mário Soares queria o socialismo. Uma dezena de outros
partidos de esquerda e de extrema-esquerda queriam o socialismo. O PPD de Sá
Carneiro também queria construir o socialismo em Portugal. Até o PPM
queria uma monarquia socialista com, anunciava na propaganda da época,
"muitos reis e um só povo, no trono".
Só o CDS de Freitas do Amaral
(que acabou por ser ministro de um governo do Partido Socialista) e alguns
pequenos grupos de extrema-direita recusavam ir na onda.
Quando as pessoas de direita dos
dias de hoje protestam por a esquerda comportar-se como "dona do 25 de
abril", têm razão: o 25 de abril foi de muitos, de milhões, mas não foi,
realmente, de todos.
O 25 de abril de 1974 excluiu,
logo à partida, todos os que estavam contra a liberdade e, nesse tempo, as
pessoas mais relevantes da direita eram contra a liberdade.
O 25 de abril reivindicou a
construção do socialismo e, por isso, excluiu as pessoas de direita, porque
elas são, por definição, contra o socialismo.
Sim, o 25 de abril é mesmo de
esquerda, mas é bom que a direita queira que o 25 de abril seja também dela.
Enquanto houver pessoas de
direita a reivindicar uma sociedade livre e economicamente justa, enquanto
houver pessoas de direita a saudar os valores de abril, enquanto houver pessoas
de direita a defender que o 25 de abril também é delas, poderemos estar longe
da ideia socialista da fundação da nossa democracia mas estaremos certamente
bastante mais longe da ideia fascista que o 25 de abril derrubou - e os tempos
que correm precisam muito de pessoas de direita que recusem novos fascismos.
O 25 de abril foi inicialmente de
esquerda, sim, mas a ideia de liberdade de expressão e pensamento, bem como o
projeto de justiça económica e social que a sequência dada pelo povo ao
Movimento dos Capitães trouxe para o país, podem e devem, hoje em dia, ser de
todos, da esquerda e da direita.
O problema não é a direita querer
que o 25 de abril seja também seu. O problema é alguma esquerda, ao longo
destes 45 anos, corrompida, intolerante, sectária, autista, arrogante,
elitista, despesista, desnorteada, esquecida, politiqueira, fazer muitas vezes
aquilo que a direita, por o 25 de abril de 1974, como era inevitável, a ter
excluído, não poder, afinal, alguma vez vir a fazer: trair a Revolução dos
Cravos.
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