Lisboa, 27 abr 2019 (Lusa) - A
eurodeputada socialista Ana Gomes insurgiu-se hoje contra o regime fiscal dos
residentes não habituais em vigor em Portugal, considerando-o uma
"discriminação total" contra os portugueses, e defendeu que são precisos
"eurocríticos e não eurobeatos".
Estas mensagens foram deixadas
pela ainda deputada do PS no Parlamento Europeu numa conferência promovida pelo
Bloco de Esquerda sobre combate aos paraísos fiscais, que decorreu na Fundação
José Saramago, em Lisboa.
Falando antes da intervenção da
coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, a antiga diplomata começou
por elogiar medidas adotadas por este Governo para reforçar a transparência no
sistema fiscal nacional, como a ilegalização das ações ao portador, mas,
depois, deixou duras críticas à vigência do regime fiscal aplicado a residentes
não habituais no país.
"Os pensionistas portugueses
continuam a levar uma talhada nos impostos, mas os pensionistas franceses ou
finlandeses têm vindo para cá com isenção por dez anos. Até mesmo os
portugueses residentes no estrangeiro beneficiam desta isenção de impostos.
Como é que isto é possível?", questionou a eurodeputadas socialista num
tom de indignação.
Ana Gomes falou em seguida nos
"esquemas dos vistos 'gold' dos chineses", tirando depois a conclusão
de que "tudo isto é absurdo e uma discriminação total contra os cidadãos
portugueses".
"Não há qualquer
justificação económica para tudo isto. Invocava-se uma política de captação de
grandes cérebros para Portugal, mas a maior parte dos beneficiários deste
esquema são pensionistas de outros países e que nunca tiveram qualquer trabalho
qualificado", sustentou.
A eurodeputada do PS referiu que
tomou a iniciativa de confrontar Bruxelas com esta legislação em vigor em
Portugal.
"E a Comissão Europeia
considerou que, de facto, se trata de um esquema discriminatório. Porém, na
verdade, até hoje, nada foi feito. Querem apresentar-nos estas questões como
complexas, mas nós não somos parvos nenhuns", advertiu, num recado ao
Governo.
Na sua intervenção de fundo, Ana
Gomes classificou como essencial à construção do projeto europeu a existência
de uma harmonização fiscal entre os diferentes Estados-membros e defendeu a
regra da maioria qualificada para a adoção de decisões neste domínio.
"Caso contrário não vamos
lá, porque basta o Luxemburgo ou a Irlanda para bloquear", avisou, antes
de advogar também a importância de a União Europeia avançar para "uma
definição comum no que respeita a base coletável", assim como para a
constituição de uma forte unidade de informação financeira ao nível europeu.
"As questões da fiscalidade
são centrais para a democracia e para a segurança dos próprios Estados-membros.
Em matéria de União Europeia não precisamos de gente eurobeata, mas sim de
gente eurocrítica", contrapôs, num discurso que foi muito aplaudido por
uma plateia maioritariamente bloquista.
Antes de Ana Gomes, a cabeça de
lista do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu, Marisa Matias, criticou
legislação fiscal ainda do século XX para tentar controlar fluxos financeiros
no século XXI, insurgiu-se contra a política financeira "cada vez mais
agressiva seguida pelas multinacionais" e lamentou a existência de um
clima de "concorrência cada vez mais cerrada" entre Estados-membros
da União Europeia.
Marisa Matias ligou mesmo a fuga
ao fisco, o branqueamento de capitais e a corrupção à alta criminalidade,
lembrando então que foram já mortos dois jornalistas que estavam a investigar
esquemas de fraude fiscal em Malta e na Eslováquia.
"A União Europeia vive com
esquemas predadores e há quem chame a isto otimização fiscal e não fuga ao
fisco", apontou a eurodeputada do Bloco de Esquerda, numa intervenção em
que se mostrou indignada por as multinacionais "apenas pagarem 4,3% do
total da receita fiscal" da União.
"Estamos perante uma total
hipocrisia e uma enorme injustiça fiscal", acrescentou Marisa Matias.
Lusa | Notícias ao Minuto
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