Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Analisando a greve dos Motoristas
de Transporte de Matérias Perigosas, a justeza das suas reivindicações, o
comportamento dos atores envolvidos, os impactos daquela luta na sociedade; e,
procurando refletir sobre o que nestes dias preocupava o comum dos cidadãos,
tenho esperança que todo este processo nos ajude a tomar consciência de algumas
realidades de que porventura andamos esquecidos.
O trabalho é e continuará a ser
central na economia e na sociedade. Alteram-se formas da sua organização e
prestação, alteram-se os instrumentos de trabalho e as profissões. Há mudanças
fortes vindas da evolução tecnológica e científica, há verdades e mentiras nas
apregoadas desmaterialização e individualização do trabalho, mas tudo isso não
anula aquela centralidade.
O trabalho continuará a ser, por
muito tempo, o elo fundamental na cadeia de relações que fazem funcionar a
sociedade. Ele tem expressões organizativas aos níveis do individual, do grupo
e de coletivos bem amplos. É imperioso identificar e valorizar as profissões,
reconhecer e estruturar carreiras, retribuir justamente o trabalho, combater as
precariedades e as práticas ilegais ou semilegais que hoje invadem as relações
de trabalho.
Numa sociedade feita de
interdependências, em que todos dependemos de todos como produtores e
consumidores, basta que alguns, porventura poucos, interrompam a cadeia de
produção e aprovisionamento para que possam surgir colapsos.
A desvalorização e o
desequilíbrio de poderes nas relações de trabalho que em Portugal se acentuou
desde 2002 e que o anterior Governo, na sua radicalidade antilaboral,
aprofundou como estratégia nacional, é um caldo de cultura, de desesperança e
de conflitualidade.
Não há democracia sem sindicatos
estruturados, representativos e ativos. Quando os poderes económico e político
não respondem em tempo útil e com equilíbrio às justas reivindicações dos
trabalhadores, acumulam-se problemas e podem emergir movimentos e
contramovimentos suscetíveis de assumirem formas políticas em certa medida
patológicas.
A FECTRANS (Federação do Setor
dos Transportes da CGTP-IN) andou quase 20 anos para conseguir negociar um novo
contrato coletivo de trabalho para o setor dos transportes. Aliás, as
reivindicações dos motoristas de transporte de matérias perigosas reganharam
força após a negociação desse contrato que, constituindo um ganho para o
conjunto dos trabalhadores do setor, já não podia responder a problemas
acumulados em alguns subsetores ou profissões.
Parte da Direita e a
extrema-direita procuram cavalgar estes protestos para ganharem na luta
política, sempre com o objetivo de explorar contradições, desacreditar o
sindicalismo em geral e tentar conquistar condições para, amanhã no poder,
atacarem os direitos fundamentais de quem trabalha.
A revisão da legislação do
trabalho em curso mantém alguns conteúdos que facilitam situações geradoras
destes conflitos a que vimos assistindo, não incentiva quanto devia a
negociação coletiva e não contribui o suficiente para o reequilíbrio de poderes
entre trabalhadores e patrões, para a existência efetiva de organização dos
trabalhadores nas empresas e do diálogo permanente entre as partes.
O imediatismo não pode vencer o
debate sério dos problemas.
* Investigador e professor
universitário
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