Inês Cardoso* | Jornal de Notícias
| opinião
O voto de quem paga mais impostos
deve contar mais? A pergunta assusta de tão perigosa, mas chegou a estar
enunciada entre os tópicos de um evento para estudantes de um colégio em
Lisboa, entretanto reformulado face às críticas públicas.
A mera sugestão contida na
pergunta deveria arrepiar quem a incluiu na divulgação do evento e denota total
incapacidade de perceber os princípios de justiça social inerentes ao pagamento
de impostos.
Arranca hoje a operação de
entrega das declarações de IRS e é óbvia a carga negativa com que a encaramos.
Em média, trabalhamos 163 dias só para pagar impostos. É fácil, por isso,
procurar argumentos para os diabolizar. São excessivos e mal geridos pelos
sucessivos decisores políticos. É injusta a forma como o esforço é distribuído
entre a população. É inadmissível a permissividade com que se encaram offshores
e se convive com a evasão fiscal.
É tudo verdade, mas é igualmente
certo que a relação com os impostos tem tanto de político e ideológico como de
compromisso individual. A primeira parte da equação resolve-se nas urnas e na
responsabilização de quem gere os cofres públicos e traça as políticas fiscais.
A segunda define-nos como cidadãos com sentido (ou não) do dever comum.
À conta dos excessos de Donald
Trump e da incapacidade que a Europa tem demonstrado no acolhimento de
imigrantes, tem-se falado muito de muros. Mas a intolerância tem muitas formas,
nem sempre evidentes nem físicas ou territoriais. Erguemos muros raciais, de
diferenças de género, de clivagem na ideologia política. E, mais impercetíveis
ainda, muros com que procuramos proteger o nosso dinheiro, o nosso conforto e o
nosso individualismo. Podemos apontar desculpas esfarrapadas para nos
justificarmos, mas todas as variáveis dos muros acabam por nos afastar dos
outros. Só nos fazem mais pequeninos.
*Diretora-adjunta
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