A Lei Orgânica da Autoridade
Nacional de Proteção Civil aprovada em Conselho de Ministros e promulgada pelo
Presidente da República não cumpre os princípios consignados na Lei de Bases da
Proteção Civil.
Após um conjunto de hesitações e
peripécias, foi publicada a Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção
Civil, agora designada Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil
(ANEPC).
O diploma aprovado em Conselho de
Ministros e promulgado pelo Presidente da República, possui um problema básico:
não cumpre os princípios consignados na Lei de Bases da Proteção Civil,
aprovada pela Assembleia da República (Lei 27/2006, alterada pela Lei 80/2015).
A ANEPC, através da qual o Estado
exerce tutela sobre o sistema de proteção civil, não se esgota em si mesmo. Mas
na visão do Governo, plasmada neste diploma, todos os principais agentes
(Corpos de Bombeiros, Forças de Segurança e Forças Armadas) são subordinados à
ANEPC e ao seu Presidente, numa concentração de poderes que viola o espirito da
Lei de Bases, claramente construída tendo por base o principio da
subsidiariedade e da cooperação, que atribui responsabilidades políticas e
operacionais aos patamares nacional, regional (circunscrito às Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira), distrital e municipal.
A alteração mais relevante deste
diploma é a estruturação orgânica da ANEPC em 5 regiões (NUT II) e 23
Sub-regiões (coincidentes com as CIM existentes no território do Continente),
substituindo a organização vigente, de base nacional, regional (Regiões
Autónomas) e municipal. Por via desta alteração, para além do Comando Nacional
de Operações de Socorro dotado de respetiva sala de operações, são constituídas
mais 5 salas de operações (Regiões) e 23 salas de operações (Sub-regiões CIM e
AM), o que totaliza 29 salas de operações. Acresce dizer que é necessário dotar
estas infraestruturas de recursos humanos e tecnológicos.
Atualmente a estrutura da ANPC
possui 19 salas de operações (1 nacional mais 18 distritais). Criam-se assim
mais 10 salas de operações com a inevitável multiplicação de custos e sem
racionalidade operacional.
Importa ter presente que todos os
demais agentes que integram o sistema de proteção civil estão organizados de
forma territorialmente diferente. Por exemplo a GNR e a PSP estão estruturadas
por distrito e o INEM possui 5 Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU)
correspondentes às NUT II.
Isto significa que se perde uma
oportunidade para criar Salas de Despacho Conjuntas, ou seja, salas onde
interagem no mesmo espaço os diversos agentes do sistema que concorrem para os
domínios do Security e do Safety, conforme as boas práticas internacionais desde
há muito aconselham.
O diploma estabelece ainda que
“As estruturas regionais e sub-regionais da ANEPC entram em funcionamento de
forma faseada, definida por despacho do membro do Governo responsável pela área
da administração interna”. Mantem-se assim a estrutura e o modelo organizativo
em funções, até ver. Não se esclarece quando, onde e como se irá processar o
faseamento da entrada em funcionamento do novo modelo, uma vez que a estrutura
operacional atua como um todo e em simultâneo, nas 24 horas dos 365 dias do
ano, não sendo por isso possível criar zonas piloto para experimentação da nova
estrutura.
Neste diploma consagra-se o
designado Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência, a regulamentar
no prazo de 90 dias, presidido pelo Presidente da ANEPC. Para o efeito
equipara-se este a subsecretário de Estado, “dispondo de gabinete próprio, nos termos
da legislação aplicável aos gabinetes dos membros do Governo”. Apesar de se
remeter para diploma próprio a regulamentação deste sistema, a Lei Orgânica da
ANEPC define que “O Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência integra
o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, órgão colegial de
coordenação e apoio do Governo em matéria de planeamento civil de emergência,
na dependência do Primeiro Ministro ou, por delegação, no membro responsável
pela área da administração interna”.
Para além da “inovação” de se
criar dentro de um serviço de tutela do Estado dedicado à função proteção civil
um outro sistema, doutrinariamente diferente do primeiro, faz-se uma confusão
primária entre serviço e sistema, sintomático da continuada ausência de
pensamento estratégico que vem caracterizando o processo legislativo promovido
no domínio da Segurança Interna.
Em resumo, volta a perder-se uma
oportunidade de quebrar o vicio de produção legislativa que vem caracterizando,
legislatura após legislatura, os sucessivos governos no domínio da Proteção
Civil, sem dimensão estratégica ou conhecimento técnico-científico.
Será que faz parte?
O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AE90)
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