segunda-feira, 8 de abril de 2019

Portugal | Mais uma oportunidade perdida


A Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil aprovada em Conselho de Ministros e promulgada pelo Presidente da República não cumpre os princípios consignados na Lei de Bases da Proteção Civil.

Duarte Caldeira | Abril Abril | opinião

Após um conjunto de hesitações e peripécias, foi publicada a Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil, agora designada Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).

O diploma aprovado em Conselho de Ministros e promulgado pelo Presidente da República, possui um problema básico: não cumpre os princípios consignados na Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Assembleia da República (Lei 27/2006, alterada pela Lei 80/2015).

A ANEPC, através da qual o Estado exerce tutela sobre o sistema de proteção civil, não se esgota em si mesmo. Mas na visão do Governo, plasmada neste diploma, todos os principais agentes (Corpos de Bombeiros, Forças de Segurança e Forças Armadas) são subordinados à ANEPC e ao seu Presidente, numa concentração de poderes que viola o espirito da Lei de Bases, claramente construída tendo por base o principio da subsidiariedade e da cooperação, que atribui responsabilidades políticas e operacionais aos patamares nacional, regional (circunscrito às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira), distrital e municipal.


A alteração mais relevante deste diploma é a estruturação orgânica da ANEPC em 5 regiões (NUT II) e 23 Sub-regiões (coincidentes com as CIM existentes no território do Continente), substituindo a organização vigente, de base nacional, regional (Regiões Autónomas) e municipal. Por via desta alteração, para além do Comando Nacional de Operações de Socorro dotado de respetiva sala de operações, são constituídas mais 5 salas de operações (Regiões) e 23 salas de operações (Sub-regiões CIM e AM), o que totaliza 29 salas de operações. Acresce dizer que é necessário dotar estas infraestruturas de recursos humanos e tecnológicos.

Atualmente a estrutura da ANPC possui 19 salas de operações (1 nacional mais 18 distritais). Criam-se assim mais 10 salas de operações com a inevitável multiplicação de custos e sem racionalidade operacional.

Importa ter presente que todos os demais agentes que integram o sistema de proteção civil estão organizados de forma territorialmente diferente. Por exemplo a GNR e a PSP estão estruturadas por distrito e o INEM possui 5 Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) correspondentes às NUT II.

Isto significa que se perde uma oportunidade para criar Salas de Despacho Conjuntas, ou seja, salas onde interagem no mesmo espaço os diversos agentes do sistema que concorrem para os domínios do Security e do Safety, conforme as boas práticas internacionais desde há muito aconselham.

O diploma estabelece ainda que “As estruturas regionais e sub-regionais da ANEPC entram em funcionamento de forma faseada, definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da administração interna”. Mantem-se assim a estrutura e o modelo organizativo em funções, até ver. Não se esclarece quando, onde e como se irá processar o faseamento da entrada em funcionamento do novo modelo, uma vez que a estrutura operacional atua como um todo e em simultâneo, nas 24 horas dos 365 dias do ano, não sendo por isso possível criar zonas piloto para experimentação da nova estrutura.

Neste diploma consagra-se o designado Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência, a regulamentar no prazo de 90 dias, presidido pelo Presidente da ANEPC. Para o efeito equipara-se este a subsecretário de Estado, “dispondo de gabinete próprio, nos termos da legislação aplicável aos gabinetes dos membros do Governo”. Apesar de se remeter para diploma próprio a regulamentação deste sistema, a Lei Orgânica da ANEPC define que “O Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência integra o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, órgão colegial de coordenação e apoio do Governo em matéria de planeamento civil de emergência, na dependência do Primeiro Ministro ou, por delegação, no membro responsável pela área da administração interna”.

Para além da “inovação” de se criar dentro de um serviço de tutela do Estado dedicado à função proteção civil um outro sistema, doutrinariamente diferente do primeiro, faz-se uma confusão primária entre serviço e sistema, sintomático da continuada ausência de pensamento estratégico que vem caracterizando o processo legislativo promovido no domínio da Segurança Interna.

Em resumo, volta a perder-se uma oportunidade de quebrar o vicio de produção legislativa que vem caracterizando, legislatura após legislatura, os sucessivos governos no domínio da Proteção Civil, sem dimensão estratégica ou conhecimento técnico-científico.
Será que faz parte?

O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AE90)

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