sexta-feira, 26 de abril de 2019

Portugal | Marcelo e Governo reforçam alinhamento com a China


Com uma representação do mais alto nível no Fórum da nova Rota da Seda, Portugal assume o interesse em atrair ainda mais investimento chinês. Independentemente das desconfianças diplomáticas de Bruxelas

Presidente da República chega esta sexta-feira a Pequim, com três membros do Governo, para uma visita que será uma afirmação política da vontade de alinhamento com a China, sinalizando a abertura de Portugal para mais e maiores investimentos chineses no nosso país.

Principal sinal disso mesmo é a presença e participação de Marcelo Rebelo de Sousa no 2.º Fórum da Iniciativa Faixa e Rota (Belt and Road Iniciative; BRI), o maior e mais ambicioso plano alguma vez delineado por Pequim para investimentos no estrangeiro, inspirado na velha Rota da Seda, que ligou (e quer voltar a ligar) a Ásia, a Europa e África.

Depois da participação no Fórum BRI, que junta chefes de Estado e de Governo de cerca de 40 países (e onde as estrelas são o anfitrião, Xi Jinping, e o Presidente russo, Vladimir Putin), Marcelo faz uma visita de Estado à China, que em quatro dias o levará, para além de Pequim, a Xangai e a Macau.



Este ano celebram-se duas décadas sobre a devolução de Macau à soberania chinesa, e passam quarenta anos sobre o reatar de relações diplomáticas entre os dois países. Apesar das relações bilaterais existirem há quinhentos anos (os primeiros navegadores portugueses chegaram à China em 1513), foram interrompidas durante o Estado Novo, e retomadas apenas em fevereiro de 1979, após o PREC. Uma decisão a que, então, o PCP se opôs fortemente, estando à época alinhado com Moscovo e em ruptura com o comunismo em versão maoista.

NOVO CONSENSO NACIONAL

Passados todos estes anos, a China tornou-se um improvável consenso nacional. O PCP tornou-se um dos maiores defensores do regime de Pequim, mas essa defesa tornou-se transversal, da esquerda à direita. Foi o Governo PSD-CDS que abriu caminho, nos anos da troika, aos fortes investimentos chineses em sectores estratégicos da economia nacional (da EDP à REN, passando pela banca, pelo sector dos seguros e da saúde, entre outros), uma atitude de abertura ao capital chinês que se mantém viva com o atual Governo, e a que Marcelo Rebelo de Sousa pretende dar o seu incentivo durante esta viagem, em que estará acompanhado dos ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e do Ambiente e Transição Energética, Matos Fernandes, para além do secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias.

O consenso português sobre a abertura ao reforço do capital chinês no nosso país contrasta com as dúvidas que a União Europeia, enquanto tal, tem levantado em relação a esta penetração de Pequim em sectores sensíveis da economia de Estados-membros da União. Resistências que tem sido lideradas sobretudo por Berlim e Paris, que não veem com bons olhos a aproximação de vinte países da UE à Belt and Road Iniciative. Porém, ao mesmo tempo que têm protagonizado um discurso centrado na importância da UE encontrar os seus próprios mecanismos de articulação com a China e a Ásia, em vez de ir atrás do plano lançado por Xi Jinping em 2013, Angela Merkel e François Macron tudo têm feito para captar capital chinês para os seus países - assim como todos os restantes Estados-membros, incluindo o que está de saída, Reino Unido.

PORTUGAL APRESENTA-SE COM O SUPREMO MAGISTRADO

Pelo meio destas subtilezas diplomáticas, a presença de Marcelo Rebelo de Sousa no segundo Fórum da BRI dá um sinal político inequívoco - apesar de Portugal não se ter associado formalmente ao projeto da Faixa e Rota, faz-se representar em Pequim pelo mais alto magistrado da Nação, o que não coincide com o seu estatuto de país com um mero memorando de cooperação, assinado apenas em dezembro, durante a visita de Xi a Lisboa e Porto.

Na União Europeia há dezassete países que são membros da BRI - essencialmente da Europa de Leste e Central, o que tem reforçado o caráter euro-asiático desta iniciativa. Outros três têm acordos de cooperação, como o que foi assinado por Portugal em dezembro, e por Espanha em novembro. Aliás, o primeiro-ministro espanhol era esperado em Pequim este fim-de-semana, plano que só não se concretizou porque o seu Governo caiu, havendo eleições em Espanha este domingo.

Foi na visita de Xi a Portugal, em dezembro, que este convidou o seu homólogo a estar presente no Fórum que decorre este sábado, o que Marcelo prontamente aceitou. De acordo com fontes diplomáticas portuguesas, Lisboa só não esteve representado a este nível no primeiro Fórum da Iniciativa Faixa e Rota, em 2017, porque coincidiu com as comemorações do 13 de maio, quando o Papá Francisco visitou Portugal.

Vários países da Europa de Leste fazem-se representar pelo presidente ou pelo primeiro-ministro, mas capitais como Paris e Madrid enviaram o ministro dos Negócios Estrangeiros, enquanto de Berlim chega o ministro da Economia.

Se a diplomacia se faz destes sinais protocolares, o sinal dado por Portugal é claro na aposta em associar-se à Nova Rota da Seda, que através de investimentos em infraestruturas e conectividade visa, entre outros objetivos, ligar Pequim a África e à Europa através de uma faixa terrestre de estradas e caminhos de ferro com investimento chinês, e de uma rota marítima passando por portos financiados ou explorados também por capitais oriundos da China. A hipótese de ficar em mãos chinesas o segundo terminal do Porto de Sines está em cima da mesa e não deixará de ser abordada nos contactos destes dias.

Marcelo falará na sessão de sábado à tarde, sobre a agenda de desenvolvimento verde e sustentável 2030, lançada pela ONU, e à qual a BRI se associou, fazendo da promoção da sustentabilidade ambiental uma das traves-mestras do seu programa (ou, na perspetiva dos mais céticos, usando a agenda verde como um slogan que ajuda a vender melhor a marca Belt and Road).

UMA VISITA DE ESTADO HABITUAL

Ainda antes da participação na cimeira Belt and Road - e da foto de família ao lado de chefes de Estado como Putin ou o moçambicano Filipe Nyusi, mas também de líderes de instituições internacionais, como António Guterres e Christine Lagarde - Marcelo Rebelo de Sousa visita esta sexta-feira a Grande Muralha da China. Será um arranque em grande para uma viagem inédita: Marcelo já conhece Macau, mas nunca esteve em Pequim ou em qualquer outra parte do território continental chinês.

O Presidente vai visitar também a Cidade Proibida, o outro grande bilhete postal da capital chinesa, e deverá ir ainda a um templo budista e dar um passeio pelo bairro boémio de Sa Li Tun, perto do hotel onde fica hospedado. Esta é a componente turística da visita; as que mais importam são as componentes política e económica.

Na vertente política haverá encontros bilaterais com o Presidente e o primeiro-ministro chineses, e na agenda económica, para além da BRI, constam encontros com os principais investidores chineses em Portugal, e com os maiores exportadores portugueses para a China. Em Xangai e Macau, será acentuada uma outra componente das relações bilaterais: a língua e a cultura.

No fundo, os ingredientes que se tornaram tradicionais nas relações entre os dois países. Desse ponto de vista, esta será uma visita de Estado habitual, se tivermos em conta que, desde que os dois países reataram relações diplomáticas, todos os Presidentes portugueses visitaram a China, e todos os chefes de Estado chineses estiveram em Portugal. E, agora que esta relação tem milhões de euros de investimento a dar-lhe cola (foram mais de dez mil milhões só desde os anos da troika), os dois países parecem mais próximos do que nunca.

Felipe Santos Costa, em Pequim | Expresso | Foto: How Hwee Young/EPA

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