Justiça civil, justiça militar... Meterem os pés pelas mãos pertence-lhes? Depois do furto de armas em
Tancos, que deu e continua a dar brado, mas que continua envolto em neblina,
ficámos a saber ao de leve sobre a rebaldaria que vai nas Forças Armadas de
Portugal no que diz respeito a armamento. Inquéritos e mais inquéritos sobre
armas e munições roubadas (desaparecidas) atinge, pelo menos, as quase quatro
dezenas. Mas, não. Isso não é rebaldaria, isso não é paióis e outros depósitos
de armamento e munições terem andado ao deus dará. Falta saber se ainda assim
acontece. Essa é a maior probabilidade. Mas, que não. Dizem uns quantos, os dos
poderes, civis e militares. Há ainda os que falam em… negócios escuros. Em quem
acreditar? Podemos ficar descansados? O texto no DN aprofunda alguns pormenores
e por maiores. Nebulosas é o que não falta. Leia a peça, já a seguir.
Redação PG
Armas e munições roubadas em
quartéis: 36 inquéritos, diz PGR. Apenas seis, contrapõem militares
Nos últimos cinco anos, o MP
registou 36 inquéritos por "furto de material em instalações militares
(armas, munições e outro material bélico)". A PJM alega que foram apenas
seis - os restantes são granadas, munições e outros artefactos encontrados fora
dos quartéis
Desde 2014 até ao final de 2018, o
Ministério Público (MP) instaurou 36 inquéritos por "furtos de armas,
munições e outro material bélico" em instalações militares. Segundo dados
da Procuradoria-Geral da República (PGR) - relativos apenas ao Departamento de
Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa - destes processos, cujas
investigações foram atribuídas à Polícia Judiciária Militar (PJM) por serem
"crimes estritamente militares", foram apenas deduzidas cinco
acusações. Ou seja, a esmagadora maioria (86%) foi arquivada.
A eficácia da PJM na investigação
aos furtos tem sido criticada em alguns meios judiciais e até militares,
principalmente desde o roubo no quartel dos Comandos na Carregueira e nas
instalações dos fuzileiros na base naval do Alfeite - ambos arquivados.
Este desempenho terá sido também
um dos fatores que contribuíram, além da tipologia dos crimes em causa
(terrorismo, tráfico de armas internacional e associação criminosa), para a decisão da PGR de retirar à PJM a investigação ao
furto de Tancos e entregá-la à PJ civil.
Nas contas da PGR, mesmo
excluindo os dez inquéritos já abertos em 2018 - dos quais sete ainda não foram
concluídos mas três foram já arquivados - dos 26 instaurados em 2014, 2015,
2016 e 2017, 18 deles (73%) foram arquivados. Acusações foram deduzidas apenas
três em 2016, uma em 2015 e outra em 2014.
Apenas duas secções do Ministério
Público investigam "crimes estritamente militares": uma no DIAP de
Lisboa e outra no DIAP do Porto, sendo que em relação a este último ainda não
foram recolhidos os dados estatísticos, solicitados pelo DN.
Confrontada com a aparente fraca
taxa de sucesso na identificação de autores de furtos nos quartéis e no
esclarecimento dos mesmos, a PJM contrapõe números radicalmente diferentes e
põe em causa a contabilidade da PGR.
"Ocorrências de reduzida
significância"
O porta-voz da direção da PJM
sustenta que, "dos 36 inquéritos referenciados, 89% das investigações
reportam-se a deteções de ocorrências de reduzida significância, correspondendo
a situações comuns de achados de artefactos militares como, por exemplo,
munições, granadas de treino, entre outros, em terrenos agrícolas, matas, rios,
barragens, lixeiras e por vezes nas ruas, que, por via da comunicação legal,
por parte de outros Órgãos de Polícia Criminal, designadamente a PSP, a GNR e a
Polícia Marítima, são tramitados pela Polícia Judiciária Militar".
Afirma ainda que "nestes 89%
incluem-se ainda a entrega voluntária, por familiares de ex-militares já
falecidos, de diversos objetos com cariz de "material guerra""
bem como "extravio de equipamentos rádios ou ainda aquelas investigações
que resultam de extração de certidão do Ministério Público, potenciada por
outros Órgãos de Polícia Criminal quando, no âmbito da sua investigação
criminal, também se confrontam com artefactos que aparentam ser material de
guerra".
Assim, nas contas da PJM,
"apenas seis inquéritos" são "qualificados" por este órgão
de polícia criminal " como efetivos "extravios/furtos de material de
guerra", Desta meia dúzia, de acordo ainda com a PJM, foram deduzidas duas
acusações, dois inquéritos ainda estão em investigação e dois foram arquivados
- um porque se tratava de "um extravio acidental, em ambiente operacional
marítimo" e, o outro, "por insuficiência probatória na determinação
do agente do crime", mas tendo a arma em questão sido
"recuperada".
Auditoria sem resultados
conhecidos
Na sequência da recuperação do
material furtado em Tancos, que foi investigada pelo MP e levou à detenção de
altos quadros da PJM, incluindo o seu ex-diretor coronel Luís Vieira, o ex-ministro Azeredo Lopes ordenou à Inspeção-Geral
da Defesa Nacional a realização de uma "auditoria extraordinária aos
procedimentos internos" desta polícia.
A PJM não se quis responder à
pergunta do DN sobre se a referida auditoria também tinha analisado elevada
taxa de arquivamentos, segundo os registos da PGR: "este corpo superior de
polícia, que não se pronuncia sobre uma auditoria que não é da sua autoria".
Contudo, na audição da Comissão Parlamentar de Inquérito, o atual
diretor Paulo Isabel, quando indagado pelos deputados sobre os resultados da
mesma, revelou que esta inspeção extraordinária "focou tudo o que é
investigação criminal e a relação com autoridades judiciárias", concluindo
que, "em termos gerais, havia necessidade e espaço melhorar processos de
auditoria interna". E nada mais adiantou.
Perante as discrepâncias entre a
PGR e a PJM, o DN pediu esclarecimentos ao gabinete de Lucília Gago, mas ainda
não obteve resposta. Perguntou também se, perante a tão reduzida taxa de
acusações,alguma vez tinha sido instaurado um inquérito pela Inpeção do
Ministério Público para identifcar as causas - aguardando igualmente esta
resposta.
Marques Vidal ao ataque
O DN tinha requerido à PGR as
estatísticas globais dos furtos em instalações militares logo a 7 de julho de
2017, poucos dias depois do assalto aos paióis, quando se discutia a
competência da PJM para a investigação. Apesar de várias insistências durante
estes dois anos, só nesta semana, depois da ex-procuradora-geral da República
ter feito referência à existência destes dados, no Parlamento, a PGR os
disponibilizou - embora ainda sem as informações do DIAP do Porto.
Na sua audição na comissão parlamentar de inquérito, a ex-PGR
Joana Marques Vidal,responsável por essa decisão, referiu que na altura
tinha pedido esses números, tendo constatado que "era considerável o
número de casos em que a investigação a cargo da PJM não vislumbrou
êxito".
Ressalvando que estes resultados
deveriam "ser investigados porque podem não querer dizer nada", a
magistrada salientou, no entanto, aos deputados que essas participações
"de furtos de material em instalações militares e de inquéritos contra
desconhecidos" "foram arquivadas por falta de prova e, pode dizer-se,
por falta de capacidade de investigação".
Antes desta audição, já o ex-diretor da PJ, Almeida Rodrigues, tinha também deixado a sugestão de uma alteração legislativa, que permitisse que este género de crimes, mesmo em instalações militares, passasse a ser investigado pela PJ.
Antes desta audição, já o ex-diretor da PJ, Almeida Rodrigues, tinha também deixado a sugestão de uma alteração legislativa, que permitisse que este género de crimes, mesmo em instalações militares, passasse a ser investigado pela PJ.
(Notícia atualizada com a
resposta da PJM)
Valentina Marcelino
| Diário de Notícias | Foto: © Paulo Spranger/Global Imagens
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