Bill Shorten |
As sondagens dão uma pequena
vantagem ao Partido Trabalhista, mas é possível que nenhum partido alcance a
maioria. Numa Austrália cada vez menos dividida em apenas dois campos
ideológicos, os pequenos grupos populistas e de extrema-direita vão ganhando
apoio.
Alexandre Martins | Público
Ao fim de seis anos de uma
governação de centro-direita na Austrália, marcada por divisões internas no
Partido Liberal, uma economia em passo lento e políticas de imigração cada vez
mais restritivas, os eleitores australianos parecem dispostos a devolver o
poder ao centro-esquerda nas eleições legislativas deste sábado.
Pelo menos é essa a tendência das
sondagens, ainda que a distância entre os dois maiores partidos seja tão curta
que ninguém arrisca fazer apostas no jogo das certezas absolutas.
O cenário de grande incerteza
pode também levar a um beco sem saída quando as previsões iniciais forem
anunciadas, a partir das 20h de sábado (hora local, 11h da manhã em Portugal
continental): é possível que tudo acabe num parlamento sem nenhuma maioria e
com pouca vontade de fazer acordos.
E se isso acontecer, será apenas
a terceira vez que em quase 120 anos que a Câmara dos Representantes
australiana arranca sem uma maioria – ou do Partido Trabalhista
(centro-esquerda) ou da velha coligação entre o Partido Liberal e o Partido
Nacional Australiano (centro-direita).
Surpresas de última hora
Nos últimos dias da campanha
eleitoral, a discussão sobre os grandes temas deu lugar a dois casos que podem
ter influência na hora do voto, e que servem para ilustrar o actual ambiente
conturbado na política australiana.
Num momento em que se discutia as
propostas fiscais muito distintas dos dois maiores partidos – o corte de
impostos do centro-direita contra o aumento dos gastos sociais do
centro-esquerda –, o Partido Trabalhista viu-se no centro de uma campanha de
desinformação amplificada pela extrema-direita. Nas redes sociais
multiplicaram-se as acusações de que um governo trabalhista iria aplicar uma
taxa de 40% sobre as heranças – uma proposta que não está no programa dos
trabalhistas e a que o partido chamou “fake news”.
Mas é impossível saber que impacto
terá este caso nas eleições, como salientou a editora de política australiana no jornal Guardian,
Katharine Murphy: “Esta fake news está a circular muito pelo
Facebook, aparentemente de forma orgânica, por isso não há muito a fazer. Se a
refutam, estão a falar dela. Se não a refutam, ficam à mercê da invenção.”
Do outro lado, o Partido Liberal
viu-se no meio de um escândalo que abala a credibilidade do primeiro-ministro,
Scott Morrison, perante o seu eleitorado anti-imigração.
Como ministro da Imigração e do
Controlo das Fronteiras, entre 2013 e 2014, Morrison proibiu
a entrada de barcos com requerentes de asilo em águas australianas e
reforçou o plano de transferência dos que conseguem chegar a terra para
centros de detenção em ilhas no Pacífico – uma política muito
criticada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. No
seu gabinete de primeiro-ministro, Scott Morrison tem um pequeno modelo de um barco de transporte de migrantes –
com a inscrição “Eu parei estes”.
Mas na quinta-feira, o site norte-americano
Politico revelou que o governo australiano fez um acordo secreto com os EUA, em 2016, que pôs o actual
primeiro-ministro na defensiva nas últimas horas de campanha. Nesse acordo, a
Austrália aceitou receber no país, como “imigrantes humanitários”, dois
ruandeses acusados do assassínio de oito turistas no Ruanda, em 1999, incluindo
dois cidadãos norte-americanos – o processo nos EUA chegou a um impasse quando
um juiz norte-americano deliberou que os dois suspeitos, antigos membros de um
grupo armado da maioria hutu, foram torturados no seu país.
O acordo foi feito pelo então
primeiro-ministro, Michael Turnbull, mas o seu sucessor, Scott Morrison, viu-se
obrigado a explicar que os dois ruandeses foram investigados de forma exaustiva
antes de terem sido aceites – ao mesmo tempo que o seu governo se opõe à
transferência de refugiados doentes dos centros de detenção no Pacífico para
hospitais na Austrália, mediante uma avaliação de dois médicos aprovada por
um painel de outros cinco médicos.
Eleitores de costas voltadas
Seja qual for o resultado das
eleições de sábado, o maior problema político do país não vai desaparecer tão
cedo. A desconfiança e a desilusão dos eleitores com os dois principais
partidos, que tem aberto caminho ao aparecimento de pequenas formações e
candidatos populistas, nunca foram tão vincadas desde o fim da II Guerra
Mundial.
Numa sondagem feita antes das
últimas eleições legislativas, em 2016, 40% dos quase 3000 inquiridos disseram
que estão descontentes com a democracia australiana; 56% disseram que o governo
do país apenas responde a um punhado de grandes interesses; e 74% disseram que
os políticos no governo “só querem cuidar de eles próprios”.
A desilusão de muitos eleitores,
num sistema que garante uma grande afluência às urnas porque o voto é obrigatório sob pena de multa, agravou-se
na última década.
Em 2010, os trabalhistas só
conseguiram maioria com o apoio de independentes e dos Verdes, uma solução de
recurso que nunca tinha acontecido nos 70 anos anteriores, desde 1940.
E depois disso, o cenário ficou
ainda mais complicado para o histórico bipartidarismo australiano. Desde 2010,
o país já teve cinco primeiros-ministros, incluindo uma troca de chefes de
governo na coligação de centro-direita, em Agosto do ano passado, quando Scott
Morrison substituiu Malcolm Turnbull no auge de uma luta interna pela liderança
do Partido Liberal.
No sábado, as atenções vão estar
centradas na Câmara dos Representantes, onde a coligação de centro-direita
agarrou a maioria à tangente em 2016, com os 76 lugares necessários para se
governar sozinho na Austrália.
As sondagens indicam que o
governo do primeiro-ministro Scott Morrison está em risco, e que os
trabalhistas de Bill Shorten podem recuperar sete deputados e garantir os
mágicos 76. Mas os analistas aconselham muita cautela.
“Há coisas que só podemos
perceber na noite de sábado”, disse o director da empresa de sondagens
Essential, Peter Lewis, num artigo publicado no jornalGuardian. “Ainda que os
progressistas [trabalhistas] devam pôr o champanhe no gelo, também devem ter à
mão algum whisky, à cautela.”
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