HOJE JÁ É TARDE DEMAIS
Martinho Júnior, Luanda
EM SAUDAÇÃO AO 25 DE MAIO, DIA DE
ÁFRICA, QUANDO HÁ 56 ANOS, EM GRANDE PARTE EM FUNÇÃO DA LUTA DE LIBERTAÇÃO, SE
CRIOU A ENTÃO “OUA”, ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA (https://www.officeholidays.com/countries/africa/african_unity_day.php)!
No Cunene, de há pouco mais de
100 anos a esta parte, estão-se jogando algumas das sagas mais decisivas do
povo angolano e da África Austral.
Redescobrir essas sagas em nome
da vida e das futuras gerações, é garantir a construção da plataforma do
renascimento africano, no âmbito duma geoestratégia para um desenvolvimento
sustentável que deveria ter sido justamente implementada em Angola de há pouco
mais de 100 anos a esta parte, precisamente desde o momento em que ocorreu
(perdendo-se tanto tempo) a conquista colonial!
Na luta contra a desertificação e
a seca, foram roubados a África mais de 100 anos, pelo que na aplicação da
lógica com sentido de vida torna-se premente acordar face aos atrasos que a que
temos sido sujeitos em função dos processos histórico e antropológico, ganhando
capacidade de consciência crítica em relação aos factores causais dos fenómenos
correntes da expansão para norte dos desertos do Namibe e do Kalahári, do
aquecimento de toda a região em conformidade com os parâmetros do aquecimento
global, do ardente rigor da seca que está a pôr em causa a vida
transfronteiriça envolvendo todo o sul de Angola e o norte da Namíbia e da
premência em instalar uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável,
garante do controlo e gestão da região central das grandes nascentes e da “rosa-dos-rios” dela
derivada!
Hoje já é tarde demais, por que o
possível esforço de luta contemporânea, o esforço angolano de hoje, só pôde ser
realizado depois de vencido o colonialismo, depois de vencido o “apartheid”,
depois de vencidas algumas de suas sequelas e ganhando consciência crítica e de
vanguarda face ao capitalismo neoliberal que tem sido inculcado em África
formatando mentalidades nas elites servis, quando tudo se deveria ter iniciado
em tempo oportuno precisamente há pouco mais de 100 anos!
Também por esta razão tenho
considerado que Angola tem apenas (sobre)vivido (?) em “séculos de
solidão”!
01- A partir do momento em que a
colonização portuguesa em meados do século XIX, procurava em África sair das
feitorias e fortes do litoral, para dar os primeiros passos intervencionistas
em direcção ao interior do continente, o poder que chegou por mar procurou
dominar assenhoreando-se de espaço vital e das linhas de água interior
correspondentes, sabendo que isso seria determinante para o êxito de sua
própria“missão” colonizadora. (Constate-se por exemplo: http://angola-inteligente.over-blog.com/article-historia-de-angola-78297489.html).
A costa dominaram desde logo no
século XV, mas no interior só começaram a penetrar na segunda metade do século
XIX (https://www.academia.edu/1862040/Redes_mercantis_e_expans%C3%A3o_territorial._A_penetra%C3%A7%C3%A3o_portuguesa_no_vale_do_Zambeze_e_na_%C3%81frica_central_durante_o_s%C3%A9culo_XIX_1798_1890_._Stvdia_54_55_1996_165-210._ISSN_0870-0028)…
Foi para isso que serviram as
fortalezas espalhadas ao longo do enredo atlântico angolano: garantir
simultaneamente apoios a quem circulasse por mar e, apenas quatro séculos
depois, a quem procurasse penetrar no mais profundo do continente africano (https://www.revistamilitar.pt/artigo/923)!
Por essa razão, enquanto
lentamente se abandonavam as premissas inerentes ao “tráfico negreiro”,
que haviam arregimentado sua clientela autóctone a fim de realizar continente
adentro as “guerras de kwata-kwata” providenciando o fornecimento de
escravos (https://roselindagonalvez.wordpress.com/o-trafico-de-escravos-em-angola/),
os colonizadores começaram somente no século XIX a arriscar na expansão em
direcção ao interior, combatendo com vista a subjugar todas as resistências que
encontrassem pelo caminho, tomando medidas em relação à concorrência e
começando a conhecer um continente que para eles era “opaco”, “exaustivo” e
hostil.
Ao contrário do que fizeram na
Ásia, em África os colonizadores portugueses impuseram abruptamente a partir da
orla costeira a sua força dominante, avassaladoramente despótica, na conquista
do espaço vital, única forma deles próprios poderem sobreviver e agarrar-se
paulatinamente e de forma progressiva em direcção ao miolo do interior
continental…
Na Ásia o jogo foi
obrigatoriamente outro:
Na Índia começando por conquistar
alguns pontos de apoio na costa e fundar algumas fortalezas, foram-se aliando
aos suseranos para com eles e sob sua cobertura se instalarem sem se reocuparem
muito com interior, tal como na China se aliaram aos mandarins,
sempre com o comércio como principal interesse e conveniência e de forma a,
tendo em conta a sua exígua força humana, ganharem campo de manobra e a cultura
fluida apenas pronta para os negócios e as conexões familiares forjadas neles
ou a partir deles…
Por essa razão na Índia os “bem
comportados” portugueses consolidaram os “prémios” de Goa, Damão
e Diu e na China o território de Macau (https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugueses_na_%C3%81sia)!
Nas ilhas do Japão a sua manobra
foi contudo muito mais circunscrita e sujeita ao poder dos habitantes das ilhas
que não se deixaram familiarizar: em resultado disso, nem suficiente campo de
manobra conseguiram!...
Desse modo, os portugueses não
foram tão “decisivos” na Ásia (apesar de serem os primeiros europeus
a chegar por mar), antes iniciaram processos recíprocos de aculturação nas
orlas costeiras (e nunca em direcção ao interior do subcontinente indiano, ou
do sudeste asiático), mas em África tornaram-se tão “decisivos” quanto
Angola ainda hoje continua a ser “planificada”, “estruturada” e “assimilada”,
em termos de linhas de ocupação e de intervenção, como se Diogo Cão (http://cvc.instituto-camoes.pt/navegaport/d15.html)
desse hoje à costa de forma omnipresente com seus padrões de pedra, impedindo
na superestrutura ideológica e mental que o estado angolano assuma
independência geoestratégica em benefício de todo o povo angolano e dos povos
da região, particularmente os do interior!
Em resultado disso o triângulo do
litoral é, no quadrilátero angolano, o que concentra em termos de ocupação a
esmagadora maioria dos polos de desenvolvimento económico e cerca de ¾ partes
da população total, enquanto os outros três triângulos, em especial os situados
a leste e a sul, sendo triângulos de intervenção, estão rarefeitos em
população, estruturas e infraestruturas, com uma insignificante malha
político-administrativa e praticamente sem polos de desenvolvimento e atracção
humana (http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/08/angola-demografia-identidade-nacional.html).
02- Enquanto na Ásia a fim de
fazer comércio com meios humanos exíguos, os portugueses foram quase sempre
servis e benquistos, em África, com a mesma exiguidade de meios humanos,
começaram logo por exaurir de forma mais bárbara que lhes foi possível o
manancial africano: implementaram a escravatura com vista a suprir sus
actividades económicas nas Américas levando para lá, à força, mão-de-obra
escrava e com isso prepararam terreno para as iniciativas da conquista do
interior garantindo para seu domínio a ocupação do espaço vital e das linhas
hidrográficas interiores (https://grupo02_8b.blogs.sapo.pt/4382.html).
Foi assim que todos os
colonialismos europeus prepararam a Conferência de Berlim nos anos de 1884 e
1885, dividindo África entre si e como se os africanos não existissem, impondo
sua exclusiva vontade e não dando tempo nem espaço ao que os africanos tivessem
o que quer que fosse para dizer (https://www.todamateria.com.br/conferencia-de-berlim/)!
Em nenhum outro continente houve
uma Conferência desse género e, mesmo aqueles que chegavam atrasados, como o
Rei Leopoldo, compensavam em ampla malvadez e em poucos anos, o que outros já
haviam feito durante séculos (https://www.wook.pt/livro/o-fantasma-do-rei-leopoldo-uma-historia-de-voracidade-terror-e-heroismo-na-africa-colonial/58223)!
Alguns dos “paladinos” da
democracia de hoje procuram fazer esquecer o que antes de forma tão
barbaramente empenhada levaram a cabo e seus “civilizados” afiliados
em direitos humanos jamais abordam essa tão complicada questão da divisão
colonial que excluiu por inteiro os povos africanos… é mais fácil e prático
agarrarem-se aos oportunismos neoliberais dos nossos dias, de que se socorrem e
aos seus argumentos como se nem introdução à história e à antropologia houvesse
que ser!
A tradicional hipocrisia e
cinismo à portuguesa teve essa forja de experiências, que alimentam ainda hoje
os relacionamentos internacionais na perspectiva dos interesses da oligarquia
portuguesa avassalada pela União Europeia e pela NATO: servis e sempre
disponíveis em função dos interesses dos fortes (sobretudo dos interesses do
quadro da hegemonia unipolar) e reitores por vezes dos mais perversos
contraditórios e ambiguidades em relação aos outros, conforme se pode constatar
no que toca às suas decisões de assimilação em direcção a África e no apoio ao
fraccionismo de Juan Guaidó na Venezuela Bolivariana, onde existem mais de
500.000 lusodescendentes, a maior parte deles bolivarianos ou seus apoiantes! (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/02/o-encaixe-dos-teleguiados-guaidos-tugas.html).
Ao longo das iniciativas armadas
de penetração no continente africano levadas a cabo pelo colonialismo
português, esteve patente todo esse caudal de hipocrisia, de cinismo, de
ambiguidade e de contraditórios e logicamente é também esse o quadro do seu
comportamento na sua iniciativa colonial (e posterior) em Angola que integrou
indelevelmente as ardentes sagas da região a leste do Cunene, que até 1845 era
desconhecida para eles e por conseguinte dada como inexistente!
Martinho Júnior | Luanda, 13 de Maio de 2019
Imagens:
01- As rotas de Diogo Cão e a
implantação de padrões e demais sinais;
02- Padrão implantado por Diogo
Cão no Cabo Negro (Angola);
03- Mapas de antes e depois da
Conferência de Berlim;
04- Imagem da Conferência de
Berlim sob os auspícios de Bismarck;
05- O além Cunene não existia até
1845.
Sem comentários:
Enviar um comentário