segunda-feira, 15 de julho de 2019

Portugal | Deputados ganham seis mil euros para ir a casa


Deslocações de deputados custaram à Assembleia da República mais de 1,3 milhões de euros, em 2018. Parlamentares têm "lucro" com o abono.

No ano passado, a Assembleia da República gastou mais de 1,3 milhões de euros com o abono de deslocação à residência dos deputados, o que dá uma média de 6156 euros por cada um, se dividirmos o valor pelos 213 parlamentares que usufruíram deste subsídio. Este ano, o valor já vai em 803 mil euros, o que significa que, até julho, os deputados terão recebido em média 3773 euros para as viagens semanais até casa. Mas aquele que é mais um de vários apoios transformou-se num abono que está a dar "lucro" a muitos deputados.

Como o regulamento da atribuição deste subsídio só prevê o pagamento calculado ao quilómetro (0,36 cêntimos) entre o Parlamento e a sua residência, numa deslocação terrestre por carro particular, quem opta pelos transportes públicos acaba muitas vezes por ser beneficiado.

Exemplificando: um eleito pelo Porto recebe, em média, 108 euros pelos cerca de 300 km percorridos, mas de comboio o bilhete custa 31,20 euros no Alfa e 19 euros na Rede Expressos. O montante varia consoante a deslocação e podem acrescer custos adicionais, como táxis.


A verdade é que a maioria dos deputados dos círculos fora de Lisboa - principalmente os de Aveiro, Coimbra, Porto, Braga ou Viana do Castelo - deslocam-se de comboio ou autocarro, o que lhes permite um encaixe que pode chegar aos 100 euros por viagem, entre o que recebem para uso do carro particular e o preço do transporte público.

Esta modalidade mantém-se há muitos anos e a recente alteração das regras - para responder às exigências de um relatório crítico do Tribunal de Contas (TdC) ao modo de atribuição de subsídios e também às polémicas com a questão da declaração das moradas - voltou a não apertar a malha. À exceção do PS, os partidos admitem mexer no regulamento na próxima legislatura.

Transversal às bancadas

O abono cobre a distância entre a residência declarada no início de cada sessão legislativa e a Assembleia da República, que consiste no pagamento de 0,36 cêntimos por quilómetro, com base num único pressuposto: o carro particular.

Só que basta estar atento aos comboios que saem de Lisboa à sexta-feira à tarde para ver o meio de deslocação usado pela maioria dos deputados de todas as cores partidárias. Um deputado do PS confessou, ao JN, que "chegam a ir 10 ou 15 deputados juntos num mesmo comboio".

Ao JN, a Secretaria-geral do Parlamento disse que o abono é atribuído a 213 deputados, "não tendo por referência os transportes públicos". Este ano, até julho, em média, cada um destes parlamentares encaixou 3373 euros deste abono. E assim se irá manter, tendo em conta que o novo regulamento, aprovado há uma semana, nada mudou.

Para João Paulo Batalha, presidente da associação cívica Integridade e Transparência, responsável pelo ranking nacional da corrupção, "não se está perante um abono mas um complemento salarial. Aliás, o Parlamento é relativamente generoso a dar estes apoios".

"O aproveitamento deste abono em concreto não tem nada de errado, desde que seja assumido. O sistema deveria ser claro, com um protocolo suportado por pagamentos de despesas contra fatura ou mapa de quilómetros do carro. Mas tudo depende de quanto os deputados querem fazer uma coisa pensada ou atabalhoada sobre as regras que os devem reger".

Partidos falam de prazos

Segundo Pedro Delgado Alves, do PS, que esteve envolvido na negociação do novo regulamento, que teve por base uma proposta do socialista Jorge Lacão - que o JN tentou ouvir sem sucesso -,"há uma regra geral para o cálculo de transporte terrestre que é a mesma de toda a Administração Pública". "Não se mudou a regra porque é a mesma", explicou.

Contudo, à Direita e à Esquerda considera-se que não se foi longe o suficiente no regulamento que entra em vigor na próxima legislatura, tendo em conta o pouco tempo para se fazerem alterações mais profundas.

"O que se alcançou foi o denominador comum e o mínimo que pudesse responder ao Tribunal de Contas e à questão dos denominados deputados-paraquedistas. Esta é a solução possível e não a desejável", admitiu o social-democrata António Leitão Amaro, que defendeu que "se deveria ter ido mais longe".

Nisso acredita o centrista António Carlos Monteiro: "pelo CDS, deveríamos mexer no sistema todo". "Não foi essa a vontade maioritária. Pelo CDS, que graças a Deus não teve nenhum deputado envolvido nas polémicas das moradas, este assunto deverá ser alvo de discussão na próxima legislatura", afiançou.

Do lado do BE, também se admite voltar ao assunto. "Existia da nossa parte vontade de rever de forma mais profunda a atribuição deste e doutros abonos. O que foi conseguido, não era o que desejávamos", criticou o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares.

Nuno Miguel Ropio | Diário de Notícias

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