Inês Pereira | AbrilAbril | opinião
Todos sabiam que o fim do serviço
militar obrigatório (SMO) nos conduziria à situação actual. Quem decidiu não
quis saber do impacto dessa decisão e, de resto, são os mesmos que hoje não têm
solução para a resolução do problema.
Na semana passada assistimos ao
retomar da chaga dos fogos na floresta e ao impacto da entrevista do Almirante
Silva Ribeiro, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), que
refere ser «insustentável» a situação dos efetivos das Forças Armadas.
Em ambos os casos estamos em face
de situações recorrentes de há muitos anos, causas e medidas para as superar
conhecidas, mas que as velhas políticas de mais de 40 anos não superaram nem
superarão.
A direita está órfã de ideias
catalisadoras e de «diabos» que cavalguem a onda (que não se forma) por
mais diferenciadas que sejam as ignições a que recorre, sejam as do alegado
estado caótico na Saúde e na Justiça, do falhanço do regime ou do são todos
iguais.
No caso das Forças Armadas, o PS
mostrou-se incapaz de escolher um caminho diferente do anterior, com os
resultados que se conhecem e a entrevista do almirante Silva Ribeiro, de alguma
forma, ilustra.
Aliás, em relação às afirmações
do CEMGFA relativas à situação dos efectivos, alguns sectores procuraram
cavalgá-las, como se de uma novidade se tratasse e, porventura, na expectativa
que o diabo pudesse vir fardado.
O problema do
recrutamento e a sua retenção nas Forças Armadas precisa de dinheiro para ser
resolvido. Todos o sabiam, como sabiam que o fim do Serviço Militar Obrigatório
(SMO) nos conduziria à situação actual, nomeadamente porque quem
decidiu não quis saber do impacto dessa decisão no futuro da instituição
militar e, de resto, são os mesmos que hoje não apresentam nenhuma solução
credível para a resolução do problema.
A este propósito, vale a pena
citar o ensaio do coronel de artilharia Morais da Siva. Primeiro, quando
recorda a afirmação do deputado comunista João Amaral, feita em 1999, de que
«não se pode dar um salto como este [Forças Armadas profissionalizadas] para depois
verificar que afinal o sistema não funciona, que não há gente suficiente para
as necessidades, que se provocou uma crise grave nas Forças Armadas
designadamente quanto à sua aceitação pelo país, que se retirou toda a eficácia
a quaisquer mecanismos que assentem na obrigatoriedade do serviço militar,
deixando a componente militar de defesa poder degradar-se e perder os padrões
mínimos que o país lhe exige».1
Depois, quando o próprio coronel
afirma: «É claro que os “achistas”, que nunca calçaram botas, ouviram,
bocejaram e apregoaram a excelência da política seguida. Recordo o ministro
Severiano Teixeira que, em 2006, anunciava a reforma histórica do Exército de
base territorial para outro de base operacional o que significava a mudança de
um Exército que estava fundamentalmente voltado para as missões no território
para outro de missões no exterior. Ainda hoje vivo pasmado com esta enormidade
pelo seu ineditismo na história militar do meu País. Pouco tempo volvido, em
2007, qual dilecto aluno do Severiano, o então ministro da Administração
Interna, hoje PM da República, dizia “E o facto de hoje o exército ter deixado
de ser um exército territorial e ser sobretudo um exército consumido para a sua
projecção internacional, a única força militar que pode assegurar a quadrícula
nacional é a GNR. É uma força de reserva, de retaguarda".»
Entretanto, o ministro da Defesa
Nacional, em artigo de opinião, dá hoje conta da possibilidade, em estudo, de
alargar, ao Exército e à Força Aérea, o quadro permanente de praças já
existente na Armada, embora seja importante lembrar que este ramo continua com
falta de praças e o respectivo quadro permanente está, há muitos anos, longe de
estar preenchido, nomeadamente por falta de meios financeiros. Lá voltamos à
velha questão do dinheiro e das prioridades que lhe damos na sua aplicação...
Agora, não deixa de nos
surpreender que o Governo esteja a estudar a possibilidade de extensão do quadro
permanente de praças e tenha feito sair, há menos de um ano, uma lei de
recrutamento especial que permite contratos até de 18 anos. Havendo um quadro
permanente de praças, a lei de recrutamento especial, tal como está, não fará
sentido, e vice-versa!
Por fim, e porque a memória não é
curta, é preciso lembrar que, quem hoje se apresenta como tendo as
«chaves» das soluções para todos os males da instituição militar,
defendendo, entre outros aspectos, o escrutínio democrático dos «assuntos
militares» e das Forças Armadas, tenha também muito a ver com a situação a que
elas chegaram.
Não se pode fazer carreira, junto
dos seus correligionários, nos gabinetes e corredores do poder, sem assumir as
responsabilidades pelo que se fez ou, como neste caso, pelo que não foi feito!
Lá diz o ditado: quem não quer
ser lobo não lhe veste a pele.
Nota
1.O
leitor poderá encontrar, em artigo de Jorge Aires, um desenvolvimento do tema Soberania e Componente Militar de
Defesa.
Na imagem: Militares da Unidade
de Elite do Exército Português em parada. Centro de Tropas de Operações
Especiais em Lamego, 23 de setembro de 2016 | Foto: Nuno André Ferreira /
Lusa
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