Manuel Carvalho da Silva
* | Jornal de Notícias | opinião
Assistimos esta semana a uma
discussão vazia sobre o "estado da nação", quando tanto precisamos de
análises sérias sobre os problemas muito concretos que marcam a vida dos
portugueses e portuguesas e de propostas simples para a sua resolução. Diz-se
que este tipo de discussão é natural em período de campanha eleitoral. Digo não
a esse argumento. Primeiro, porque todos os debates regulares sobre a situação
do país devem ser rigorosos. Segundo, a campanha eleitoral para as eleições de
outubro não deve ser vazia de respostas objetivas, pois isso esvaziará a
democracia e afastará as pessoas do ato do dever de votar.
Os portugueses não precisam de um
concurso entre partidos sobre a melhor propaganda para vender a promessa de
"mais investimento público" ou de "descer impostos".
Precisamos sim de garantias reais para fazer chegar os recursos disponíveis
aonde eles são necessários e têm de ser investidos - não basta o compromisso de
colocar verbas nos orçamentos do Estado. Na questão fiscal, o que interessa
mesmo é saber-se com rigor três coisas: i) as receitas que o país pode ter e de
que precisa, à luz da sua capacidade económica e financeira e dos serviços que
o Estado deverá garantir às pessoas; ii) conhecer-se as medidas que vão impedir
a fuga fiscal; iii) garantir que a carga fiscal seja distribuída com mais
justiça e aplicar o princípio mais solidário de todos, que é, cada cidadão
pagar em cada ano os impostos correspondentes à riqueza adquirida nesse ano.
Precisamos que se abandone a
lengalenga das reformas estruturais, que ao longo dos anos tem servido para
cavar injustiças e aumentar a exploração, para aprofundar o enredo da
financeirização da economia e para atrasar resoluções de problemas. Os partidos
devem apresentar políticas estratégicas para o desenvolvimento da sociedade,
acompanhadas de respostas às realidades do presente contínuo, base fundamental
na construção do futuro. Por exemplo, a Direita tenta instalar na sociedade a
ideia de que os serviços públicos estão em situação de caos com o intuito de
oferecer grandes negócios a interesses privados. Instalada tal conceção,
tornar-se-ia inviável adotar mudanças positivas na gestão e organização dos
serviços, na responsabilização e capacitação dos trabalhadores da Administração
Pública. Mas esta batalha só será ganha se o Governo abandonar o confronto de
posições assente no mero esgrimir de estatísticas e leituras generalistas, e
tratar mesmo de recrutar e formar trabalhadores em áreas de carência evidente,
se investir em equipamentos, se propiciar condições para uma gestão dinâmica e
feita em tempo útil.
No plano laboral colocam-se
desafios muito simples que à partida nenhum "parceiro social" põe em
causa. Deixo três exemplos: i) inscrever na lei que não pode haver caducidade
unilateral de contratos coletivos de trabalho e criar os mecanismos que
assegurem tal princípio; ii) impor o respeito pela hierarquia das leis e
regulações, ou seja, um regulamento ou acordo numa empresa não pode ferir
princípios estabelecidos ao nível de um setor e a legislação e acordos neste plano
não podem pôr em causa normas e princípios inscritos nas leis nacionais; iii)
dar um forte impulso à valorização do salário mínimo nacional.
*Investigador e professor
universitário
Ler mais do autor em JN
Sem comentários:
Enviar um comentário