"Não se pode tirar a roupa
nova do rei que fez carreira desfilando nu." As provas de que o
provável futuro PM britânico é incapaz de dizer a verdade são contundentes. Mas
o eleitorado conservador não se importa.
A última aparição de Boris
Johnson no leste de Londres – a última antes de o Partido Conservador eleger,
nesta segunda-feira (22/07), seu futuro líder e, portanto, o novo
primeiro-ministro britânico – foi uma daquelas cenas teatrais que o candidato
adora.
Acenando com um arenque embalado
a vácuo, supostamente comprado num defumador de peixes da Ilha de Man, ele
comentou: "Por décadas a fio, esses arenques eram simplesmente
enviados pelo correio, mas burocratas de Bruxelas fizeram os custos
explodirem. Eles exigem que cada peixe seja acompanhado de um
'travesseiro' de gelo." Segundo ele, isso é sem sentido, caro e
ambientalmente nocivo. Depois do Brexit, o Reino Unido poderá libertar-se desse
tipo de normas, pontificou Johnson.
Acontece que a história é totalmente
falsa. Por um lado, a ilha situada entre a Irlanda e a Grã-Bretanha não faz
parte União Europeia, e só segue os regulamentos de Bruxelas se assim o
desejar. Como esclareceu imediatamente um porta-voz da Comissão Europeia, em
Bruxelas, a UE não é responsável por normas de higiene e segurança nos
transportes nacionais, só no âmbito transnacional. Portanto a famigerada caixa
de gelo para o arenque defumado é obra de algum burocrata de Londres.
É por causa deste e outros
incidentes que Martin Wolf, comentarista-chefe do Financial Times, chama
Boris Johnson de um "fantasista em série", desqualificado para o mais
alto cargo estatal britânico. E ele não exibiu suas fantasias
incontroláveis apenas em relação a arenques, como também a respeito de uma
bicicleta.
Na última segunda-feira, o
ex-jornalista Johnson foi indagado qual fora a última vez em que havia chorado:
quando sua amada bicicleta "Bikey" foi roubada diante do
Parlamento, respondeu. "Eu possui essa bicicleta durante todo o meu
tempo como prefeito, ela nunca foi roubada, e eu prendia-a com uma corrente por
toda a cidade. Mal Sadiq Khan [o prefeito do Partido Trabalhista] assumiu, ela
foi roubada."
A intenção da anedota era dar uma
rasteira num adversário político, só que o próprio Johnson forneceu a prova de
que a história não procedia: em 2014 ele escreveu em sua coluna que
"Bikey" havia sido danificada num buraco no asfalto e se tornou
sucata. Na época, ele mesmo era o prefeito de Londres.
Nas mais recentes eleições
municipais, em maio, ele tuitou que já votara no Partido Conservador, e que
seus compatriotas deveriam seguir o exemplo. O defeito é que em Londres, onde
ele reside, não houvera pleito local. O tuíte desapareceu rapidamente da rede.
Estes são apenas alguns exemplos
da relação relaxada – para expressar de forma branda – de Boris Johnson com a
verdade. "Boris é, claro, uma figura, maior do que o tamanho natural, às
vezes bastante difícil. Com frequência não se pode confiar nele", avaliou
Anne McElvoy, do semanário The Economist, falando à emissora alemã
Deutschlandfunk.
"Eu fui chefe de Boris
Johnson, ele é totalmente inapto para PM", escreveu seu antigo superior no
jornal The Daily Telegraph, Max Hastings. Há algumas semanas, ele partiu
para a ofensiva direta contra o ex-colega: Johnson "não reconheceria a
verdade, nem que fosse confrontado com ela numa acareação".
Num debate recente, o político se
esquivou de responder quantos filhos realmente tem. Diz-se que ele teria
vários, de casos extraconjugais, e seus assessores devem ter-lhe esclarecido
que uma cifra falsa em tal questão poderia desencadear um escândalo de verdade.
No entanto é inútil fazer polémica
contra Johnson, admite o ex-chefe Hastings: "Não se pode tirar a roupa
nova do rei de um homem que construiu sua carreira desfilando sem roupa
nenhuma," Pois, por mais que se critiquem suas falhas, seus
correligionários não se deixam impressionar.
Embora nunca, na história
britânica recente, um candidato ao cargo de primeiro-ministro tenha recebido
críticas tão avassaladoras, ou sido reunidas tantas provas de sua relação
criativa com a verdade e de sua incapacidade de aprender os detalhes da função
governamental, parece inevitável o ingresso de Boris Johnson em 10 Downing Street,
a sede do governo, nesta semana.
A decisão cabe aos cerca de
160 mil membros do Partido Conservador, numa espécie de protoeleição.
Compondo apenas cerca de 0,3% do eleitorado nacional, eles não são
representativos, enquanto grupo: na maioria, são homens brancos, abastados, de
mais idade - mais de 40% deles com mais de 66 anos de idade.
Quando, em 2007, Gordon Brown
assumiu de Tony Blair a chefia de governo, sem novas eleições, Johnson escreveu
que o procedimento era "antidemocrático". Doze anos depois,
aparentemente o veredicto não se aplica a ele mesmo.
Antigas figuras de proa do
partido, como Michael Heseltine e o ex-PM John Major, condenaram em alto e bom
som o atual candidato e sua ambição pelo mais alto posto estatal. Nada tem sido
capaz de deter Boris Johnson, e ao que tudo indica, ele já pode ir mandando
encher as caixas da mudança, assim que os resultados sejam anunciados.
John Major promete tudo fazer
para evitar um Brexit sem acordo sob Johnson. No entanto, segundo a autora
do The Economist Anne McElvoy, "Boris é também às vezes bastante
esperto e flexível, mais flexível do que leva a crer, com suas palavras de
ordem". "Ele vai tentar negociar mais uma vez. Seja como for, não vai
partir direto para um 'no deal'."
A revista política
conservadora National Review afirma que "se chegou o tempo de
Boris Johnson, então o relógio não está mais funcionando". Esse pode ser o
caso no Reino Unido, porém na União Europeia o tique-taque prossegue: em 31 de
outubro é novamente dia de Brexit. Até lá, o provável novo chefe de governo
precisa ter se decidido se realmente concretizará sua promessa mais recente, de
que tirar o país da UE é uma questão de "vida ou de morte".
Barbara Wesel (av) | Deutsche
Welle
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