Thomas Scripps | WSWS*
O Ministério da Defesa (MoD, na
sigla em inglês) pagou pelo menos 400 mil libras à Escola de Estudos Orientais
e Africanos (SOAS, na sigla em inglês) da Universidade de Londres desde 2016
com o objetivo de oferecer “consultoria cultural” para as suas operações
estrangeiras. Palestras foram dadas por onze membros do quadro de pesquisadores
da SOAS, incluindo Gilbert Achcar, um importante representante do Secretariado
Unificado pablista.
De acordo com informações obtidas
por estudantes da SOAS através da Lei de Liberdade de Informação, a
universidade organizou “Semanas de Estudos Regionais” sobre a Europa do Leste e
a Ásia Central, o Oriente Médio e a África do Norte, e a África Subsaariana.
Membros da Unidade Cultural Especializada de Defesa (DCSU, na sigla em inglês)
das forças armadas participaram das palestras organizadas pela SOAS.
A DCSU é uma organização secreta
criada em 2010 “no espírito das operações de contrainsurgência” para oferecer
apoio às tropas britânicas ao redor do mundo. Uma Carta de Doutrina de 2013
publicada pelo MoD explicou a “necessidade de desenvolver e explorar
especialistas ... que tenham um profundo entendimento da linguagem, dos
costumes, valores e narrativas daquela cultura” para “planejar e executar
operações militares” e “identificar ameaças e oportunidades”.
Até 2016, a DCSU havia enviado
90 “Consultores Culturais” da ativa e da reserva para pelo menos 22 países,
incluindo Chade, Nigéria, Somália, Uganda, Quênia, Mali, República Democrática
do Congo, Afeganistão, Iraque, Jordânia, Qatar, Arábia Saudita, Tunísia, Líbia,
Argélia, Letônia, Estônia, Lituânia, Ucrânia, Chipre, Bósnia-Herzegovina e
Chile. Os consultores treinados da unidade são descritos como tendo uma
“posição única” com uma “contribuição central” para a influência militar
britânica.
O tema de uma das palestras da
SOAS em fevereiro foi “a guerra no Sahel”, a região da África ao sul do deserto
do Saara. Em 2018, Sir Richard Ottaway, ex-presidente do Comitê para Assuntos
Estrangeiros do Parlamento, escreveu que havia alertado em 2014 sobre “um
‘padrão preocupante de distração’ por parte do Reino Unido em relação aos
acontecimentos na região do Sahel, e defendeu a expansão urgente de nossa
presença e conhecimento sobre toda a região”. Ainda segundo ele, “Mais
urgentemente na África, o Reino Unido precisa aumentar sua influência
diplomática e de segurança na região”.
Em julho, os militares britânicos enviaram três helicópteros e 120 soldados para o norte do Mali como parte de um “pivô para o Sahel” estratégico na África. Em fevereiro deste ano, mais 250 soldados foram enviados para a região.
Em julho, os militares britânicos enviaram três helicópteros e 120 soldados para o norte do Mali como parte de um “pivô para o Sahel” estratégico na África. Em fevereiro deste ano, mais 250 soldados foram enviados para a região.
O acordo da SOAS com o MoD é mais
uma prova da integração entre as forças armadas e a academia que está ocorrendo
nas grandes potências imperialistas do mundo. Recursos significativos no ensino
superior estão sendo colocados ao serviço do aparato militar e de segurança.
Acima de tudo, esse processo depende da cooptação de uma camada de acadêmicos
para servir diretamente ao estado. Representantes de diversos grupos da
pseudo-esquerda nesse meio pequeno-burguês privilegiado têm um papel crucial.
Achcar respondeu às revelações
contra ele e a SOAS sem arrependimento, alegando em uma carta aberta que as
palestras da SOAS “são essencialmente sobre história, política, [questões]
socioeconômicas da região, dadas por acadêmicos críticos para militares de
baixa patente”. Ele também diz que “é importante deixar que vozes críticas
sejam ouvidas, mesmo entre os militares... Deveríamos deixar que os militares e
funcionários de segurança deste país sejam unicamente expostos à educação de
direita?”.
As referências aos “militares de
baixa patente” e deixar que “vozes críticas sejam ouvidas” são uma clara
fraude. Achcar e seus colegas não estão dando palestras de insurgência para
soldados da infantaria. Eles estão oferecendo consultoria para uma unidade
altamente especializada que oferece apoio único para operações militares em
teatros geoestratégicos decisivos. O treinamento dado pela DSCU inclui um curso
para militares de uma e duas estrelas e da brigada de quartéis-generais. A DCSU
é idêntica em todas as características essenciais ao Sistema de Terreno Humano
do Exército dos EUA (2007-2014), que foi criticado pela Associação Americana de
Antropologia por ser uma “aplicação inaceitável do conhecimento de antropologia”.
A verdadeira explicação para a
relação íntima de Achcar com o estado encontra-se na história de sua tendência
política. O Secretariado Unificado foi formado em 1963 após o Partido
Socialista dos Trabalhadores (SWP, na sigla em inglês) dos EUA rejeitar suas
tradições trotskistas e se reunificar sem princípios com organizações
pablistas. Os pablistas haviam se separado do trotskismo em 1953, alegando que
o conflito com o imperialismo estadunidense estava objetivamente forçando a
burocracia stalinista a seguir uma trajetória revolucionária.
Um processo parecido de
“autorreforma” e orientação revolucionária inconsciente estava acontecendo
dentro dos movimentos socialdemocratas e nacionalistas burgueses, o que
significava que qualquer luta pela independência política da classe
trabalhadora e por sua mobilização revolucionária sob a liderança da Quarta
Internacional precisava ser abandonada. Os grupos e líderes pablistas, ao invés
disso, iriam se integrar no “real movimento de massas” tal como existia em cada
país – como assessores e pressionando-os à esquerda. Ao longo dos anos, a
política liquidacionista dos pablistas os levou a se tornarem defensores cada
vez mais explícitos do imperialismo e de seus instrumentos políticos.
Um momento importante na degeneração
política do SWP foi sua reação à publicação do documento Security and the
Fourth International (Segurança e a Quarta Internacional), uma
investigação sobre o assassinato de Trotsky lançada pelo Comitê Internacional
da Quarta Internacional (CIQI) em 1975. A investigação revelou as atividades dos
agentes da GPU stalinista dentro do SWP nos anos 1930 e 1940, incluindo de um
de seus líderes, Joseph Hansen, que iniciou uma relação com o FBI como
informante imediatamente após a morte de Trotsky.
Como foi mostrado com detalhes na
recente publicação do CIQI, Agents:
The FBI and GPU Infiltration of the Trotskyist Movement (Agentes: O
FBI e a infiltração da GPU no movimento trotskista), depois da Segunda Guerra,
o FBI possuía pelo menos 20 “informantes secretos” em destacadas posições no
SWP, que reportavam diretamente e regularmente ao FBI. Sob Hansen, 12 dos 13
membros do SWP que eram estudantes na pequena e conservadora Faculdade Carleton
acabaram no comitê nacional do partido. Abaixo dos destacados agentes havia uma
rede mais ampla de informantes em braços locais do SWP.
A política antissocialista dos
pablistas, aliada à extensa infiltração pelo estado, permitiu sua integração
cada vez maior com as estruturas políticas do governo imperialista – incluindo
o aparato de estado. Esse processo encontra expressão consumada em Achcar,
cujos escritos sobre o Oriente Médio e a África encaixam-se na estratégia do
imperialismo britânico e estadunidense, e que agora se sabe que foi pago como
consultor pelo estado britânico.
Em 2011, Achcar apoiou a
Resolução do Conselho de Segurança de 1973 da ONU que autorizou a guerra de
pilhagem imperialista contra a Líbia, escrevendo que “Aqui temos um caso em que
a população está verdadeiramente sob perigo, e em que não há alternativa
plausível que possa protegê-la [...] Não se pode, em nome de princípios
anti-imperialistas, opor-se a uma ação que vai impedir o massacre de civis”.
Ele também criticou as potências
imperialistas por não lançar mais bombas sobre a população líbia, descrevendo
ataques aéreos que mataram dezenas de milhares como “discretos”. Ele exigiu que
mais armas fossem enviadas para a oposição anti-Gaddafi, conforme
“consistentemente e insistentemente requisitado” por ela. Essa oposição apoiada
pelos EUA, à qual o Secretariado Unificado estendeu “total solidariedade”, era
liderada por um grupo reacionário de ex-autoridades governamentais e líderes
tribais fundamentalistas islâmicos.
Achcar foi igualmente agressivo
em relação ao apoio à intervenção imperialista na Síria, participando de um
encontro de 2011 do Conselho Nacional Sírio, um grupo de pessoas ligadas às
inteligências estadunidense e francesa. Ele aconselhou a oposição síria à
Bashar al-Assad – liderada por um conjunto de milícias fundamentalistas
islâmicas ligadas à CIA –a buscar assistência indireta ao invés de uma
intervenção direta de Washington.
Em 2013, ele descreveu as
análises que relacionavam os interesses e o envolvimento do imperialismo na
região como um “tipo de teoria da conspiração daqueles que se declaram
anti-imperialistas e tendem a ver a mão do imperialismo por trás de tudo”. Ele
mentiu ao dizer que os EUA “se recusam a entregar armas para a insurgência
apesar de pedidos insistentes”.
Em março de 2018, com a operação
de mudança de regime fracassando, ele se juntou aos chamados por uma
intervenção militar total dos EUA e outras potências imperialistas através de
uma carta aberta publicada na New York Review of Books, “Porque o mundo
deve agir já na Síria”.
Sobre os corpos de centenas de
milhares de mortos e duas sociedades destruídas, Achcar continua sua incansável
defesa das guerras imperialistas. Em julho 2018, ele organizou o evento
“Anti-imperialismo inconsistente e solidariedade seletiva” na SOAS para o
lançamento do livro Indefensible:
Democracy, Counterrevolution, and the Rhetoric of Anti-Imperialism(Indefensável:
Democracia, contrarrevolução e a retórica do anti-imperialismo), de Rohini
Hensman. O livro de Hensman apoia praticamente todas as guerras e operações
estrangeiras lançadas pelo Partido Democrata desde a dissolução stalinista da
União Soviética em 1991. Ele é um ataque ácido contra todos os oponentes sérios
do imperialismo, denunciando os jornalistas John Pilger e Seymour Hersh, o
fundador do WikiLeaks, Julian Assange, e o World Socialist Web Site.
Os conselhos de Achcar ao Sudão
revelam o quão alinhado são seus escritos à estratégia do imperialismo mundial,
defendendo uma política para os trabalhadores e a juventude que estão lutando
contra o governo que é orientada para as forças armadas.
Segundo Achcar, “A força
principal dos revolucionários sudaneses é sua grande influência sobre os
soldados e oficiais, alguns dos quais até mesmo usaram suas armas para defender
os manifestantes [...] Esse fator determinará o destino da revolução sudanesa”.
Em um artigo para a revista Jacobin,
ele diz que os militares foram “dissuadidos” de “tentar afogar a revolução em
sangue”. Além disso, “A simpatia das tropas pelo movimento popular foi
determinante para os generais se livrarem de Bashir. O mais importante agora é
que o movimento consolide seu apoio entre os soldados e oficiais de baixa
patente das forças armadas”.
Essa é uma posição profundamente
antimarxista que busca substituir a organização da classe trabalhadora em um
partido revolucionário independente por apelos morais para os guardas armados
do estado capitalista. Dada a experiência dos trabalhadores no Egito em 2013,
esse é um conselho criminoso. A mesma posição foi defendida pelos Socialistas
Revolucionários (RS, na sigla em inglês) no Egito, cuja conferência “Dias
socialistas” em 2011 contou com a participação de Achcar. Os RS ajudaram a
entregar o poder para o açougueiro da revolução egípcia, o general Abdel Fattah
el-Sisi, mesmo quando ele massacrava manifestantes nas ruas. Apoiado pelas
potências imperialistas mundiais, o general el-Sisi consolidou uma ditadura
sanguinária que frequentemente executa opositores políticos.
O “pivô para o Sahel” do Reino
Unido sem dúvida será acompanhado por discussões para a supressão militar
igualmente sangrenta no Sudão. O maior obstáculo contra as ambições predatórias
do Reino Unido e o resto das potências imperialistas mundiais é a classe
trabalhadora cada vez mais militante da África. Mas, como foi demonstrado no
Egito, essa imensa força social só poderá triunfar se adquirir e agir segundo
uma perspectiva socialista internacional. Achcar trabalha publicamente contra
essa perspectiva para desarmar a classe trabalhadora, enquanto discute com as
forças da repressão militar em reuniões a porta fechadas organizadas pela SOAS.
Qualquer genuína organização
socialista ou mesmo progressista teria expulsado Achcar imediatamente depois de
ficar sabendo de suas relações com o MoD. Mas o Secretariado Unificado não fará
nada por ele ter dado conselhos pagos para as forças armadas, o que apenas
formaliza uma relação política de longa data. A Jacobin, ligada aos
Socialistas Democráticos dos EUA (DSA, na sigla em inglês), e o canal Democracy
Now!, também não levantarão a menor queixa contra Achcar. Eles ofereceram uma
plataforma a Achcar durante anos para discutir estratégias em nome do governo
estadunidense.
A SOAS foi fundada em 1916 para
promover os interesses de longo prazo do imperialismo britânico na África e na
Ásia, treinando um quadro de administradores coloniais. Entre os ex-alunos
estão vários chefes de estado, diplomatas e funcionários públicos em ex-países
coloniais. Hoje, o mesmo treinamento é oferecido por líderes das tendências da
pseudo-esquerda que são inimigos mortais da classe trabalhadora internacional.
*World Socialist Web Site | Publicado
originalmente em 6 de Agosto de 2019
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