sábado, 31 de agosto de 2019

Portugal | Furto de Tancos, tragédias e "sangria de efetivos" marcou a área militar


O furto de material de guerra em Tancos, em 2017, teve impactos que ultrapassaram a área militar, marcando uma legislatura que termina com um ex-ministro arguido e, na Defesa, com o problema da falta de efetivos por resolver.

A falta de efetivos militares nas fileiras e a saúde militar continuam, ao fim de quatro anos, a preocupar as Forças Armadas, numa área que foi atravessada por algumas tragédias e várias polémicas, com o furto de Tancos a ditar a saída do primeiro titular da pasta na legislatura, José Azeredo Lopes.

O mandato de Azeredo Lopes no cargo de ministro da Defesa cessou a 12 de outubro de 2018, quando se demitiu sob pressão dos desenvolvimentos da investigação judicial à operação da Polícia Judiciária Militar que levou à descoberta do material furtado, três meses e meio depois do furto.

A 4 de julho, o ex-ministro foi constituído arguido no processo e confessou que considera a decisão do Ministério Público "absolutamente inexplicável" tendo em conta o seu envolvimento "que foi apenas de tutela política".

As Forças Armadas tiveram, nos últimos quatro anos, de enfrentar restrições financeiras ao seu funcionamento, mas é a escassez de pessoal para as fileiras que mais preocupa as chefias, que falam em "sobrecarga de esforço", segundo foi assumido num seminário promovido pelo Ministério da Defesa.


Apesar de terem sido tomadas algumas medidas para reforçar o recrutamento militar e para a profissionalização, o máximo que o Governo pode dizer é que estancou a "sangria de efetivos", na expressão do ministro que sucedeu a Azeredo Lopes, João Gomes Cravinho.

Com 26.154 militares em 2016, as Forças Armadas terminaram 2018 com 26.500, ainda longe do objetivo, 31 mil, e os ramos têm "grandes deficiências de praças", segundo o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, almirante Silva Ribeiro.

Quanto a resultados, a estimativa o ministro da Defesa estimou que nos próximos dois ou três anos "haverá uma melhoria nos números", em resultado de várias medidas tomadas, como o "plano para a profissionalização", o aumento do salário à entrada nas Forças Armadas de 580 para 630 euros e ainda o "plano para a igualdade" visando atrair mais mulheres para as fileiras.

Com um perfil mais conciliador e diplomático no debate parlamentar, João Gomes Cravinho viu passar na Assembleia da República, com o voto favorável do PS, PSD, CDS-PP e com a inédita abstenção do PCP, a Lei de Programação Militar, que define os investimentos em equipamentos até 2030.

O montante mais elevado, 827 milhões de euros, serão aplicados no programa de aquisição à empresa brasileira Embraer de cinco aviões de transporte tático e estratégico e de um simulador, para substituir os C-130 da Força Aérea, e o primeiro avião estará ao serviço da FAP em 2023.

O reforço da capacidade de ciberdefesa, a compra de um novo sistema de proteção do soldado e verbas que garantem a modernização das três fragatas da classe Vasco da Gama para a Marinha, estão entre as principais medidas.

No plano parlamentar, a legislatura fica ainda marcada na área da Defesa pela decisão do Governo de retirar a proposta de lei que consagrava o estatuto do antigo combatente, face a propostas de alteração que, a serem aprovadas, aumentariam a despesa e, de acordo com o Executivo, poderiam causar problemas de sustentabilidade financeira no futuro.

Na saúde militar, deverá ser assinado "em breve" um despacho do ministro da Defesa com medidas para o fortalecimento do setor, incidindo no modelo de organização, capacidades do Hospital das Forças Armadas e sustentabilidade, na sequência de um estudo pedido à ex-ministra da Saúde Ana Gomes.

O ano de 2019 marcou também uma mudança significativa para a Força Aérea, que passou a gerir os meios aéreos de combate a incêndios, no âmbito do sistema de proteção civil.

Para além do caso de Tancos, que ditou a saída não só de Azeredo Lopes, mas também do ex-Chefe do Estado-Maior do Exército Rovisco Duarte, (substituído pelo general Nunes da Fonseca) outros casos polémicos e duas tragédias, ainda sob a tutela do anterior ministro, geraram controvérsia e deixaram marcas na instituição militar.

Em julho de 2016, três militares morreram num acidente durante um treino da Força Aérea na base aérea n.º 6, no Montijo, na sequência de um incêndio que deflagrou num C-130 e que deixou ferimentos noutros dois militares.

Em 4 de setembro do mesmo ano, Dylan da Silva e Hugo Abreu, ambos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a denominada 'Prova Zero' (primeira prova do curso de Comandos) do 127.º curso de Comandos, que decorreu na região de Alcochete, distrito de Setúbal.

Na Justiça ainda decorre o julgamento de oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.

A primeira grande polémica na Defesa surgiu alguns meses antes, em abril desse ano, quando foram levantadas suspeitas de práticas discriminatórias em função da orientação sexual no Colégio Militar, que teve como primeira "baixa" o chefe do ramo, Carlos Jerónimo, substituído por Rovisco Duarte.

O ex-ministro Azeredo Lopes assumiu então que não compactuaria com estas práticas e foi aberto um processo interno de averiguações que culminou na substituição do subdiretor da instituição e numa alteração dos regulamentos do Colégio Militar.

Em termos de missões externas, destaca-se o empenhamento português na missão militar da ONU na República Centro-Africana e na missão de formação e treino da União Europeia no mesmo país, que Portugal liderou durante ano e meio.

No Mali, em 2017, um sargento-ajudante do Exército, Paiva Benido, foi morto vítima de um ataque terrorista ocorrido nos arredores de Bamako e, em 2019, o soldado comando Aliu Camará integrado na missão da ONU na República Centro Africana, sofreu um acidente de viação, tendo que amputar as duas pernas.

Notícias ao Minuto | Lusa | Foto iStock

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