segunda-feira, 2 de setembro de 2019

ARDE ANGOLA III -- Martinho Júnior


“O camaleão vai atrás da borboleta, permanece camuflado por muito tempo, para depois avançar lenta e gentilmente: primeiro coloca uma perna, depois outra. Por fim, quando menos se espera, ele lança o dardo de sua língua e a borboleta desaparece – a Inglaterra é o camaleão e eu sou a borboleta” – Rei Lobengula – http://pagina--um.blogspot.com/2010/10/globalizacao-o-camaleao-voraz-que.html

Martinho Júnior, Luanda  

Em Angola está-se perante uma contabilidade arrasadora e aparentemente indecifrável:

Dos 6.902 fogos registados em Angola não podemos quantificar quantos deles têm origem em fornos de carvão, se foram produzidos em queimadas rurais controladas, ou se são incêndios florestais!...

Por outro lado é alarmante se compararmos o quadro angolano ao quadro da RDC: a RDC tem o dobro da área de Angola, mais do dobro da população e só teve no mesmo período 3.395 fogos, ou seja, menos de metade dos fogos registados em Angola!... (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/08/incendios-florestais-angola-ultrapassa.html).


… “Por su parte, el portal Global Forest Watch Fires arroja cifras que confirman la superioridad numérica de los incendios registrados en el continente africano.
Entre el 20 y el 27 de agosto, el número de alertas de incendios registrado solamente en Angola –más de 130.000–  supera a la suma de los contabilizados en BrasilBolivia y Paraguay, que no llegan a 126.000”… (https://actualidad.rt.com/actualidad/325356-segundo-pulmon-planeta-arde-africa-subsahariana?fbclid=IwAR273nlBfKsVFxm5ldyEjwpGsJDsw32_I7K8yy3JhFqxkwL_Qp_QwqL94h0).
(…)
… “El Gobierno de Angola emitió por su parte un comunicado en el que pedía prudencia a la hora de comparar los incendios registrados en las diferentes latitudes continentales, porque es probable que sus causas sean diferentes. 
Los incendios provocados en la zona señalada de África suelen tener carácter estacional, y se considera que en su mayoría están relacionados con una técnica agrícola denominada 'desbroce y quema', consistente en cortar parte de la vegetación y prender fuego al resto para limpiar la tierra y plantar nuevas semillas.  
Los ecologistas cuestionan en cualquier caso la idoneidad de esta técnica, y advierten que puede favorecer la deforestación, la erosión de la tierra y la pérdida de la biodiversidad. 
Mientras tanto, los agricultores y granjeros locales que recurren a ella defienden su práctica argumentando que es el método más barato para limpiar la tierra y eliminar a los parásitos, y destacan que las cenizas actúan posteriormente como nutrientes en las siguientes plantaciones. Además, se estima que, como cada año, estos incendios desaparezcan con la llegada de las lluvias.”

Uma das inevitáveis conclusões a que esses números nos conduzem:

O estado angolano está a dar muito mais atenção aos projectos elitistas sobre a natureza do que à educação de si próprio e das comunidades rurais angolanas face aos desafios das alterações climático-ambientais em curso, que apresentam sinais alarmantes mais que evidentes em toda a faixa sul do país e em direcção à fulcral REGIÃO CENTRAL DAS GRANDES NASCENTES!




Em relação à crítica REGIÃO CENTRAL DAS GRANDES NASCENTES, a situação continua a ser de alheamento quase completo!   (https://twitter.com/MartinhoJnior/status/1166953305551048704).

Lidar com o elitismo é uma atracção que mobiliza obcecadamente a vontade de quem está no governo, quando a vontade do governo deveria estar voltada para a educação e a mobilização de todo o povo angolano, levando-o a práticas existenciais (culturais) que correspondam às exigências de sustentabilidade em relação às questões climático-ambientais e hidrográficas!

… E o elitismo montou arraiais a coberto do inimaginável: recorre à figura de Nelson Mandela, a fim de consolidar a sua posição e abordagem em relação às questões climático-ambientais e hidrográficas, promovendo o seu ecoturismo e tirando partido dum histórico e também já longo processo de manipulação, substancialmente emitido, por razões mineiras, a partir do Botswana! (https://www.globalresearch.ca/the-medias-hypocritical-oath-mandela-and-economic-apartheid/5361399).


Quando Nelson Mandela foi libertado, o capitalismo neoliberal que havia provocado a implosão do socialismo e da URSS, havia-se tornado tão dominante que gerou fundamentos que passaram a alicerçar o império da hegemonia unipolar e seu nodo operacional de domínio... (http://nairasource.com/index.php?topic=542.0;wap2).

O próprio "apartheid" só desapareceu por que, com as novas tecnologias e essas transformações globais, era possível que a economia e as finanças fossem instrumentalizadas de forma a garantir outra via para esse domínio (uma via que dispensava a institucionalização do"apartheid"), uma via que na África do Sul emparceirou interesses do capitalismo que apoiou o "apartheid" com interesses financeiros transnacionais externos, entre eles os que se conjugavam no Clube Bilderberg, também de má memória para Angola!... (http://m.jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/o_mandante_dos_crimes_contra_angolanos_honrados_esta_identificado).

A essa via interessava a “representatividade democrática” valorizada pelas oligarquias e pelas elites, sob o rótulo de 1 homem = 1 voto, inibindo participação e protagonismo popular, à imagem e semelhança aliás do difusor da “armadilha”!... (https://pcb.org.br/portal2/11700/as-armadilhas-da-representatividade/).

Por tabela com esse artifício, os expedientes dominantes deram assim oportunidade à formação de outras elites económicas e financeiras para além das elites brancas, capazes de democracia representativa, algo que alterou profundamente o ANC: o "apartheid" de facto transferiu-se da esfera política-institucional, para a esfera económica e financeira, com Nelson Mandela a gerir desde logo todo esse contencioso em nome da paz do arco-íris, por que senão, justificava, corria-se o risco duma sangrenta "guerra civil"... (https://www.rhodeshouse.ox.ac.uk/).

… Constate-se este testemunho de John Pilger: “nas eleições democráticas de 1994, terminou o apartheid racista e o apartheid económico conheceu um novo rosto.

Durante a década de 80, o regime de Botha ofereceu generosos empréstimos a empresários negros, permitindo-lhes fundar empresas fora dos bantustões.

Surgiu rapidamente uma nova burguesia negra, juntamente com um compadrio excessivo.

Os chefões do ANC mudaram-se para mansões em propriedades de golfe e campo.

Enquanto as disparidades entre brancos e negros diminuíam, aumentavam entre negros e negros.” (http://www.odiario.info/?p=2949).

O meu amigo e camarada Rui Peralta explica com propriedade:

… “Inimigos jurados da libertação dos povos, aliados firmes do iníquo regime do apartheid, gente que tem no seu currículo não só a identificação de Mandela como “terrorista” mas que teve intervenção directa na sua prisão e nos seus longos anos de cativeiro, todos apareceram a homenageá-lo quando do seu falecimento. Tanto Mandela como o presente e o futuro do povo da África do Sul exigem, não hipocrisia e mentira, mas reflexão séria sobre o caminho percorrido e sobre as muitas esperanças até agora frustradas”…


… “Da Revolução Democrática (preconizada no programa do ANC e na Carta das Liberdades) restou a Democracia Politica e a separação de poderes (o que apesar de limitativo é um espaço importante de actuação da soberania popular). Da Democracia Económica, Social e Cultural é que nem sombras, apenas o reflexo multicolorido (como um arco-íris) do imenso casino que a “liberalização” ergueu, não sob as ruinas do apartheid (que não ruiu) mas sim sob a pele tratada com os cosméticos aplicados”. (https://www.odiario.info/mandela-da-revolucao-democratica-a-contra-revolucao-liberal/?fbclid=IwAR38sROpruZPYoowiYodUYyVovCxL8khEdxY00cUopQLam-ette0f1Q-p7c).

As cedências foram enormes e é um homem dos serviços de inteligência do ANC, que reconheceu mais tarde que essas cedências, ao serem por demais, inibiram a capacidade negociadora do ANC, que poderia ter tido outro vigor: Ronnie Karsrills... (https://gara.naiz.eus/paperezkoa/20130706/411802/es/Sudafrica-pacto-faustico-ANC-fue-costa-mas-pobres).

É evidente que essa linha agora na África Austral transpõe as fronteiras e um dos artifícios que pôs em vigor é a iniciativa dos “Peace Parks Foundation”, emparceirada a iniciativas de transnacionais do sector, já com Nelson Mandela absorvido e o Botswana mineio em funções! (https://www.peaceparks.org/nelson-mandela-founding-patron-of-peace-parks-foundation/).

O cartel dos diamantes e "lobby" dos minerais, que se haviam implicado historicamente também no "apartheid", fluíram nesse processo de transformação e o espelho em que se tornou o Botswana é por demais evidente:

É por via desses interesses que se instalou o extractivismo dos diamantes e se instalou o ecoturismo, que por tabela projectou os “Transfrontier Peace Parks” para o Zambeze e o Okawango, revigorando a trilha de Cecil John Rhodes que esteve na origem da De Beers e da Anglo American! (http://www.rhodeshouse.ox.ac.uk/the-mandela-rhodes-foundation).


... É isso que já é dominante em 90.000 km2 de Angola no sudeste, é isso que se torna dominante na esfera do ambiente em Angola e é isso que leva o estado angolano a não dar atenção à região central das grandes nascentes nos termos duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, ou seja: Nelson Mandela afinal contribuiu também para isso! (http://jornaldeangola.sapo.ao/sociedade/parques-nacionais-sao-geridos-por-americanos-e-sul-africanos).

Absorvido nos projectos elitistas, o estado angolano está longe de desencadear esforços abrangentes de educação de si próprio e do seu povo para tornar possível essa geoestratégia que coloca o controlo, a protecção e a gestão da água interior no lugar fulcral das políticas de desenvolvimento sustentável!...

É este o momento para se equacionar toda a questão, o momento em que ARDE ANGOLA, por que são os 6.902 fogos que a NASA detectou que nos impelem para tal!

“Distraídos” (?) com as linhas elitistas que surgem de fora, absorvidos por elas, os angolanos não estão a educar o seu estado na trilha da lógica com sentido de vida e numa geoestratégia de desenvolvimento sustentável, muito menos a educar-se, a educar o povo angolano actor desses fogos denunciados pela NASA e perante tanto que há para o mobilizar em relação ao seu próprio futuro, saindo da barbárie da guerra para a civilização intrincada na paz com justiça social, a paz não elitista, por que se fundamenta na questão básica de mobilizar por via duma abrangente educação!...

Vamos educar o povo angolano, ou ser arrastados por um elitismo neoliberal e transfronteiriço que nos afasta do quanto há a resgatar em benefício do futuro colectivo, educado e civilizado do povo angolano?

Não há resgate de conhecimento enquanto não se aplicarem esforços abrangentes e mobilizadores nesse sentido na matriz da água interior de Angola com vista à tal geoestratégia de desenvolvimento sustentável imprescindível para as futuras gerações de angolanos! (http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html).

Os estados, as nações e os povos da África Austral estão numa encruzilhada, inclusive face às agressivas transformações climático-ambientais globais em curso!...

Será que o elitismo cobre a educação abrangente e mobilizadora necessária para corresponder a esse desafio, superando resgate após resgate em benefício da vida, esses estados, essas nações e esses povos?

No momento em que a seca, com todo o seu cortejo de misérias, afecta todo o sul de Angola, que os desertos do Kalahári e Namibe avançam para norte, que se assiste à exploração pouco ou nada controlada de madeiras, que algumas fontes de menor caudal começam a desaparecer, que queimadas de várias origens proliferam, que as alterações climático-ambientais estão na ordem do dia, que os rios permanecem pouco conhecidos (e muito menos geridos), o estado angolano alienado pelos interesses e as conveniências dm elitista “Peace Parks Foundation” e de seus interpares, está à mercê das portas escancaradas da terapia neoliberal, esquecendo-se até que hipotecar qualquer parcela de território nacional abre precedentes que vão animar tendências desagregadoras como a do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe!

ANGOLA A RETALHOS, parece ser um anátema que surge nos próximos horizontes!

Está-se perante um estado que nem sequer cumpre minimamente com o seu papel de autoeducação e da educação e mobilização de todo o povo angolano, a fim de melhor responder aos prementes desafios resultantes das alterações climático-ambientais!


Afinal, quais são as razões profundas que provocam a evidente situação?

ARDE ANGOLA!...

Martinho Júnior -- Luanda, 1 de Setembro de 2019

Imagens:
.01- Turismo sem fronteiras é, segundo O KAZA-TFCA, a justificação visível para se alienar a favor duma gestão de terceiros intimamente associados ao “lobby” dos minerais e ao cartel dos diamantes, 90.000 km2 de território nacional; o camaleão conseguiu em pleno século XXI engolir duma assentada 5 borboletas; quantas kimberlites irão surgir daí na área da antiga prospecção da De Beers no Cuito Cuanavale?... o tempo dirá o que ainda vai ocorrer em nome da paz e na velha trilha do Cabo ao Cairo de Cecil John Rhodes– https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/;
.02- BLAIR, MANDELA AND CLINTON ATTEND GALA IN LONDON – By Chris Young / REUTERS –  Britain's Prime Minister Tony Blair (L), the former South AfricanPresident Nelson Mandela (C) and former U.S. President Bill Clinton stand together during a gala night at Westminster in London, July 2,2003. The three men attended the Gala on Wednesday to mark thecentenary of the Rhodes Trust and the establishment of the MandelaRhodes Foundation. REUTERS/Chris Young/POOLMD/CRB –https://stock.adobe.com/ee/editorial/blair-mandela-and-clinton-attend-gala-in-london/148442866
.03- O Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe espera a sua oportunidade tirando partido da terapia do capitalismo neoliberal em curso, uma oportunidade que já esteve mais longe, haja um elitismo “patrocinador” que o leve a sério (expediente que nunca faltou ao cartel dos diamantes); mais uma borboleta à espera do camaleão – https://protectoradodalunda.blogspot.com/   
.04- Nelson Mandela in London in 1999 meeting with Julian Ogilvy Thompson, Harry Oppenheimer and Nicky Oppenheimer of De Beers – https://africasacountry.com/2018/01/the-new-south-africas-original-state-capture
.05-  Botswana Kimberlite Mines and Fields.png – https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Botswana_Kimberlite_Mines_and_Fields.png

Anteriores: 

Há dez anos, assinado pelo Martinho Júnior, publicou-se assim no Página Um:

A TERCEIRA FORNADA DA “PEACE PARKS FOUNDATION”

Muito recentemente o “Okawango and Upper Zambezi International Tourism Initiative” foi reunir os seus componentes bem longe da região“alvo”, precisamente em Cabinda, com vista a possibilitar o início da terceira fornada das iniciativas subordinadas aos conceitos no âmbito da“Peace Parks Foundation”, jogando Angola o seu papel de “catapulta do mercado”, tal como antes o Botswana. (1)

Essa reunião reafirma a vontade do governo de Angola em aderir aos conceitos da “Peace Park Foundation” tendo em conta não só o que se passa nas suas fronteiras sul e leste, mas também nas suas fronteiras norte, ou seja, em reforçar as filosofias elitistas que estão na origem dos conceitos dos Parques Transfronteiriços que preencherão as “áreas sem governação” de tão triste memória e experiência para África e muito particularmente para Angola, RDC e Grandes Lagos.

De facto, Angola foi vítima dos enredos das “áreas sem governação” que para efeitos de desestabilização foram sendo utilizadas como os sucessivos santuários de Savimbi (primeiro no sudeste, em pleno Cuando Cubango, com suporte no regime do “apartheid”, depois a norte, pela via do Cuango e ligando este rio ao sistema do Cuanza, bem no centro do país, com suporte no regime de Mobutu) e as linhas de penetração e acção da FLEC, em direcção de Cabinda.

O que é (aparentemente) paradoxal é o facto daqueles que estiveram directa ou indirectamente envolvidos na promoção de conflitos e guerras em África, em evidência particularmente no último ciclo de guerras que consubstanciaram a “Iª Guerra Mundial Africana”, serem muitos dos mesmos que promovem agora a “paz” com todas as manipulações próprias de quem está habituado, seguindo a trilha da super estrutura capitalista, a dominar duma forma ou de outra nas regiões africanas periféricas “sem governação”.

Essa é uma parte da filosofia dos “jogos africanos”, parafraseando o esclarecimento em livro de Jaime Nogueira Pinto.

Transpor os conceitos da “Peace Parks Foundation” para a terceira fornada de acções no espaço a norte do SADC, tirando partido do que está a ser consolidado no seu centro, é um papel geoestratégico assumido desde já pelo “mercantilismo” cada vez mais evidente de Angola, o que motiva desde logo as novas elites, que detêm uma das chaves de acesso político e geo estratégico à RDC / Grandes Lagos e como encargo inicial os processos de integração em curso em Cabinda.

A 24 de Julho do corrente ano, o Primeiro-Ministro Angolano, Paulo Kassoma, recebeu a Ministra do Turismo e Ambiente da Namíbia, coordenadora do “Okawango and Upper Zambezi International Tourism Initiative”, pois além das acções iniciais de Angola, prepara-se a assinatura do Tratado previsto para Junho de 2010, assim como se está a dar o “pontapé de saída” para um “Parque Transfronteiriço”abrangendo o Maiombe (Cabinda, Congo e RDC), o embrião para a terceira fornada, com uma componente (o Congo), que não pertence à SADC. (2)

Nos dias 22 e 23 de Julho, os representantes dos cinco países do “OUZTI” reunidos em Cabinda, avaliaram também o que se espera àquela latitude, emprestando o seu conhecimento aos angolanos.

O então Governador de Cabinda, Aníbal Rocha, sublinhou que “O turismo propicia paz, garante emprego e é uma fonte geradora de rendimentos, por isso, queremos desenvolver o sector turístico da nossa província”, pondo em evidência a riqueza da floresta internacional do Maiombe e a “abertura desse mercado” para aqueles que têm tempo e posses para dele desfrutarem… (3)

Essa afirmação vinda dum homem prestigiado pela sua actividade em Cabinda, é demonstrativa dos conceitos que os dirigentes angolanos fazem das “indústrias de paz”, conceitos com origem nas elites anglo-saxónicas, tão longínquos dos conceitos cubano – latino americanos que têm expressão maior na ALBA!

No dia 22, como corolário, foi assinado um acordo entre os Ministros do Turismo de Angola e da Namíbia, com vista à preparação dos Parques Transfronteiriços na sua fronteira comum, impondo em regime de reciprocidade um cronograma de acções.

Segundo a ANGOP, “o acordo tem como objectivo estabelecer bases jurídicas para o desenvolvimento da cooperação institucional e empresarial entre as partes neste domínio.

O mesmo incluirá a cooperação mútua, procedimentos migratórios, mercado misto, defesa e segurança dos turistas, formação profissional, desenvolvimento turístico da travessia fronteiriça, harmonização da classificação e padronização, assim como o
intercâmbio de informações”. (4)

A abertura em direcção à terceira fornada dos planos dos “Peace Parks Foundation” a norte do espaço geográfico da SADC, apanha as novas elites de Angola no seguinte estágio:

- Uma enorme sensibilidade para iniciativas próprias dos “mercados” neoliberais (com parceiros que, por exemplo, não respeitaram o passado histórico do movimento de libertação), carentes muitas vezes de fundamentos para além do “entusiasmo” de quem tem um poder que pouco ou nada tem a ver com os conceitos de democracia e “abertos” até aos expedientes típicos do neocolonialismo agrário.

- Na razão inversa, uma retracção em relação aos conceitos da “indústrias de paz” de vocação socialista, conforme o que acontece com a ALBA no outro lado do Atlântico e isso apesar do governo do MPLA se assumir no quadro dum (cada vez mais) vago socialismo.

- Uma ausência de cultura científica para o tratamento dos assuntos humanos e ambientais seguindo um esforço técnico-científico à altura das conjunturas regionais (contrariando necessariamente o modelo anglo-saxónico dominante), o que contrasta com os procedimentos que estão agregados aos conceitos dos “Peace Parks Foundation”, assim como ao empenho da USAID dentro ou fora do AFRICOM.

Isso obriga-me a levantar as seguintes questões:

- Quem, na decisiva região dos Grandes Lagos e RDC, está a orientar o esforço técnico-científico a fim de dominar o conhecimento sobre o homem e o ambiente?

- Que objectivos detêm as instituições implicadas nessa orientação a curto, médio e longo prazos?

- Que coeficiente de ingerência existe nos dispositivos que marcam os procedimentos hegemónicos aplicados especialmente à bacia do grande Congo e às pérolas ambientais que constituem os Parques Nacionais da RDC e países dos Grandes Lagos?

- Estão ou não elas sincronizadas com o alargamento da “Peace Parks Foundation” na direcção do norte, rumo à terceira fornada do seu crescimento?

- Que paz afinal teremos na África Central?

A resposta recai fundamentalmente no binómio formado pelas iniciativas da USAID e do USAFRICOM e é evidente que essas iniciativas não podem deixar de estar sincronizadas e sintonizadas com as iniciativas da “Peace Parks Foundation”, desde logo aquelas que recaem no esforço técnico-científico de características eminentemente anglo-saxónicas, procurando garantir sua histórica hegemonia com implicações culturais, científicas e sobretudo políticas, económicas e financeiras, a deliberada fórmula para atrair as elites africanas à sua causa.

A USAID prevê objectivos para os 47 países da África Austral onde se reflecte a sua acção de “assistência”, que pode dar azo a todo o tipo de ingerências e manipulações, reflectindo interesses ligados à hegemonia que os Estados Unidos vêm exercendo, recorrendo também aos mais diversificados campos científicos em suporte das acções. (5)

Como a USAID integra o USAFRICOM, então o campo de manobra pode ser equacionado em ordem geométrica ao infinito. (6)

A USAID possui na África sub Sahariana 23 missões bilaterais e com a “Congo Basin Forest Partnership” multiplica os impactos na região mais decisiva de África, incluindo nas pérolas geo-ambientais que constituem os Parques Nacionais dos países da região e dos Grandes Lagos, uma parte substancial deles transfronteiriços. (7)

Em relação ao primeiro grande pulmão, a floresta Amazónica, os Estados Unidos possuem muito menos capacidade de ingerência que em relação ao segundo, a decisiva bacia do grande Congo e suas periferias ambientais únicas à escala global, particularmente aquelas que se inscrevem nos Grandes Lagos.

Ao assumir um papel preponderante em relação à bacia do grande Congo, a USAID tem oportunidade de canalizar esforços científicos e operativos em direcção a países como os Camarões, o Gabão, o Congo e a RDC, cuja cobertura florestal e culturas humanas muito têm a ver com ela, intervindo desde as explorações madeireiras, até aos Parques Nacionais, como em relação ao fenómeno humano em que se constituem povos como os pigmeus (à semelhança do que acontece com os khoisan no sudeste angolano, Namíbia, Botswana e África do Sul, no âmbito dos “Peace Parks Foundation”).

Isso é tanto mais crítico quanto a maior parte da actividade rebelde que se espraia a partir das periferias “sem governação” onde se encontram as principais pérolas ambientais, se interliga tanto aos interesses das multinacionais mineiras quanto aos interesses das grandes potências (entre elas e no primeiro plano os Estados Unidos) e tem sido uma prática constante de conspiração ao longo das últimas décadas, tal como aconteceu na Gorongosa com a RENAMO (Moçambique) e no sudeste angolano com a UNITA quando ao entidade impulsora era o“apartheid”. (8)

Na RDC a bacia do grande Congo cobre Parques Nacionais como o Salonga Norte e Sul, inscrito nas províncias de Bandundu, Equateur e Kasai Occidental, que também consta da lista do património mundial da UNESCO (o único da RDC que foi considerado fora de risco das guerras), a maior reserva de floresta tropical pluvial, onde vivem espécies raras como o chimpanzé anão (bonobo), o pavão do Congo, o elefante da floresta e o gavião africano.

Mas a influência do grande Congo atinge parques periféricos transfronteiriços como o de Garamba (junto à fronteira do Sudão), ou o Virunga (junto à fronteira com o Uganda e o Ruanda), esses sim, afectados pela guerra, pelo saque e pela instabilidade, décadas a fio.

Não é por acaso que quase em simultâneo ao domínio cada vez maior sobre a bacia do grande Congo e em relação a Angola, são nomeados um novo Adido Militar Norte Americano (o Tenente Coronel Roderic Jacson)  (9) e um novo representante da USAID (Randall Peterson) (10), factos que não estão dissociados à proposta duma base militar dos Estados Unidos no Ambriz.

A “ousadia” da doutrina Obama chegou ao ponto de enunciar uma nova filosofia de opções para Angola em termos de segurança, conforme as declarações do Tenente Coronel I. Shannon Beebe na Câmara de Comércio Estados Unidos – Angola, que coloca as questões nestes termos,“abrindo” a “oportunidade” para as “parcerias público – privadas” tão ao gosto elitista dos dirigentes angolanos (11):

“Porque não uma transição de uma força militar para uma força de segurança onde por exemplo uma brigada está especializada em água e saneamento que pode mesmo colaborar com o nosso corpo de engenheiros? Porque não pensarmos numa brigada de agricultura?"

No Uganda, desde Yoweri Museveni até Joseph Koni, os Parques Nacionais transfronteiriços têm-se, pelo menos esporadicamente, tornado santuários que garantem a retaguarda e o refúgio dos guerrilheiros, pondo em causa ambiente, fauna e flora em áreas que deveriam merecer medidas de protecção excepcionais.

Foi assim com o “Kidepo Valey National Park”, junto à fronteira com o Sudão, onde a guerrilha de Yoweri Museveni teve guarida e esporadicamente tem sido assim com o “Rwenzori Mountains National Park” e com o “Bwindi Impenetrable National Park”, ambos junto à fronteira com a RDC. (12)

Na RDC, desde Joseph Koni a Laurent N’Kunda que os rebeldes, muitos deles garantes da exploração de minérios apetecíveis, fazem prevalecer os mesmos critérios.

O líder do “Lord’s Resistance Army” por exemplo, não se tem coibido de utilizar o Parque Nacional Garamba, na fronteira nordeste da RDC com o Sudão, considerado património mundial da UNESCO e onde se encontram os rinocerontes brancos do norte, dos quais existem apenas vinte exemplares. (13)

Laurent N’Kunda, por exemplo, não hesitou em utilizar o Parque Nacional Virunga (RDC), fronteiro ao Parque Nacional dos Vulcões (Ruanda), outros dois patrimónios da UNESCO, a fim de organizar a sua guerrilha, pondo em risco espécies tão raras como os gorilas da montanha, dos quais existirão hoje menos de mil exemplares. (11)

A terceira fornada da “Peace Parks Foundation” sincronizará os seus esforços com quem dominar a RDC e os Grandes Lagos, um processo que em muitos aspectos pende a favor dos esforços do USAFRICOM / USAID, com iniciativas de tal modo marcantes na bacia do grande Congo (como em todas as áreas periféricas que se estendem até aos Grandes Lagos) que não possuem qualquer tipo de concorrência relevante.

Era tempo da SADC ir buscar à América Latina outras correntes filosófico – científicas que ao não seguirem o processo histórico do elitismo anglo – saxónico, fossem capazes de estabelecer outros nexos de observação e de aproximação em relação às comunidades humanas e ao ambiente dessas cruciais regiões, a exemplo do que acontece aliás no outro lado do Atlântico.

As novas elites que têm sido instaladas na SADC corroboram e tornam-se parceiras dos interesses que corporizam os Estados Unidos, os seus aliados e as multinacionais afins, particularmente as mineiras e no fundo quase nada se está a fazer para que um processo dessa natureza não traga uma avalanche de desequilíbrios, de desigualdades e de mais traumas para o homem e para o ambiente.

Como as subdesenvolvidas comunidades da África Central, muitas delas envolvidas no obscurantismo, na barbárie de sangue e do saque, reagirão às iniciativas dum turismo ambiental vocacionado para o mercado neo liberal ao serviço dos ricos?

Que desgraças adicionais não surgirão nos próximos horizontes duma paz tão artificiosa e manipulada?

Martinho Júnior -- 29 de Novembro de 2009

Notas: 
- (1) –Ministros do turismo em Cabinda para reunião ministerial – Governo da província de Cabinda – http://www.gpcabinda.com/noticias.cfm?id=1300 
- (5) – Sub-Saharan África – USAID – http://www.usaid.gov/locations/sub-saharan_africa/ ; A antropologia arma dos militares – Informação Alternativa – http://infoalternativa.org/spip.php?article1309
- (6) – Un débarquement si discret… - Mikael Garandeau – Jeune Afrique – http://www.jeuneafrique.com/Article/LIN04058undbatercsi0/-USA-defense-Africom-Un-debarquement-si-discret---.html ; U.S. África Cooamnd – http://www.africom.mil/AboutAFRICOM.asp ; Transcript: Yates discusses lessons learned at US África Command – http://www.africom.mil/getArticle.asp?art=3009&lang= ; The World Bank and USAID in Africa: The tragedy of structural adjustment, the promise of broad-based participation – Douglas Hellinger testimony – 24 March 1994 – http://www.developmentgap.org/americas/US/the_worldbank_and_usaid_in_africa_the_tragedy_of_structural_adjustment_promise_broad_based_participation.pdf 
- (7) – Congo Basin Forest Partnership – USAID – http://www.usaid.gov/locations/sub-saharan_africa/initiatives/cbfp.html ; Parcs nationaus congolais – Wikipedia – http://fr.wikipedia.org/wiki/Parcs_nationaux_congolais_(RDC) 
- (8) – Cuito Cuanavale – A paz da grande solidão – Página Um – http://pagina-um.blogspot.com/2009/11/cuito-cuanavale-paz-da-grande-solidao.html 
- (10) – New USAID mission Director for Angola sworn in – USAID – http://www.usaid.gov/press/releases/2009/pr091105.html 
- (11) – Segurança requer mudança de conceitos – official norte Americano – João Santa Rita – VOA – http://www.voanews.com/portuguese/archive/2009-05/2009-05-07-voa1.cfm?moddate=2009-05-07 
- (12) – Parc Nacional de la Garamba – Wikipedia – http://fr.wikipedia.org/wiki/Parc_national_de_la_Garamba ; Koni rebels kill 400 Congo villagers – Allafrica – http://allafrica.com/stories/200812310002.html ; Dialogue for peace in Uganda – USAID - http://www.usaid.gov/stories/uganda/cs_uganda_clan.pdf 
- (13) – Parc National des Virunga - http://fr.wikipedia.org/wiki/Parc_national_des_Virunga ; Parc National de Kahuzi-Biega – http://fr.wikipedia.org/wiki/Parc_national_de_Kahuzi-Biega ; Profile: General Laurent Nkunda – BBC – http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/3786883.stm ; Virunga NP - Wildlife Conservation Society – http://programs.wcs.org/albertine/ProtectedAreas/VirungaNP/tabid/2518/Default.aspx ; Eastern lowland gorilla – http://www.yog2009.org/index.php?view=article&catid=46%3Agorillaspecies&id=62%3Aelgspeciesinfo&option=com_content&Itemid=70 ; The dividends of peace in a stunning landscape – International Gorilla Conservation Programme – http://www.igcp.org/the-dividends-of-peace-in-a-stunning-landscape/

Sem comentários:

Mais lidas da semana