A Ordem dos Advogados do Brasil
foi até sede da ONU, em Genebra, para denunciar o que qualifica de ‘retrocesso
político’ brasileiro
A Ordem dos Advogados do Brasil
decidiu utilizar seu espaço de foro consultivo na Comissão de Direitos Humanos
da ONU para denunciar o que qualifica de “retrocesso político” brasileiro.
Um documento apresentado nesta
quarta-feira (11) em Genebra explica o que a instituição considera um desvio
antidemocrático do governo de Jair Bolsonaro. Em entrevista à RFI
Brasil, Hélio Leitão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB,
explica a iniciativa.
Por que a OAB está veio a
Genebra denunciar Bolsonaro?
Hélio Leitão – A OAB tem
status consultivo na Comissão de Direitos Humanos da ONU, uma entidade não
governamental que antes nunca tinha usado desse espaço na ONU. Um espaço, um
foro internacional importante de discussão, de debate, de reflexão e de
denúncia. Hoje participamos de um painel, de um evento paralelo, no jargão das
Nações Unidas, no qual vamos discutir os retrocessos na agenda brasileira no
que se refere às políticas de memória, verdade e justiça.
O que temos visto no Brasil é um esforço de tentar negar-se a existência da ditadura e de seus crimes. Busca-se um revisionismo e negacionismo histórico. Chega-se ao extremo de se negar fatos que já foram reconhecidos pelo próprio Estado brasileiro: mortes, torturas, assassinatos, banimentos, perseguições, na tentativa de fazer as pazes com a própria história. E agora aponta uma política na contramão, no sentido contrário.
A OAB também denuncia a apologia
da ditadura, vista na resposta do presidente Bolsonaro à Alta Comissária da
ONU, Michelle Bachelet, no qual o chefe de Estado enaltecia a figura do ditador
Pinochet.
Esse é um outro ponto de extrema
relevância que nos preocupa na Ordem dos Advogados – o enaltecimento de uma
ditadura e de seus crimes, o enaltecimento da figura de um ditador, hoje
reconhecido como perpretador de crimes contra a humanidade, o ditador Augusto
Pinochet, e que parece servir de referência positiva ao nosso presidente. Com
esses temas, queremos provocar a consciência cívica nacional e internacional.
Este é um primeiro encaminhamento, a primeira vez que estamos aqui para
suscitar esse debate. Na sequência, com o impacto da nossa presença aqui, nós
iremos avaliar. É uma primeira provocação. Nós estamos provocando as instâncias
internacionais através do Conselho de Direitos Humanos para que avalie, analise,
debata e faça um possível encaminhamento. Essa questão será tratada com o
professor Fabian Salvioli, relator para a Verdade, Memória e Justiça da ONU.
Com isso, queremos levar a questão brasileira ao nível internacional, chamar a
atenção da consciência cívica internacional, consciência democrática
internacional pelo retrocesso por que passa o Brasil.
O presidente Bolsonaro não poderá
se defender dizendo ser intromissão da ONU?
Isso não poderá ser considerado
como uma intromissão da ONU porque o Brasil é subscritor de tratados
internacionais, é membro das Naçoes Unidas e membro do Conselho de
Direitos Humanos. O Brasil postula mesmo um novo mandato junto ao Conselho de
Direitos Humanos, já postulou uma cadeira no Conselho de Segurança, de modo que
o país precisa ter maturidade para reconhecer que existem instância
internacionais para tratar do assunto. A pretexto de soberania o país não pode
fechar os olhos a desvios democráticos.
Bolsonaro disse que o Brasil
poderia sair da ONU…
Mas enquanto não sai e não assume
essa sua feição autocrática e antidemocrática, o Brasil continua membro da
ONU e certamente não fará ouvidos moucos ao que se diz aqui na ONU.
Hoje mesmo li que o filho de
Bolsonaro fez uma declaração, diante das atuais dificuldades econômicas, de que
a democracia atrapalha a economia, o que indiretamente é uma chamada ao golpe.
Eu vi essa declaração com muita
estupefação e perplexidade, a cada dia temos uma nova declaração desse tipo.
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, já deu uma resposta à altura, dizendo que
o Brasil não precisa de uma família de ditadores.
Acha que existe mesmo o risco de
um golpe no Brasil como costuma dar a entender o presidente Bolsonaro nas suas
afirmações “espalhafatosas”?
Espalhafatosas ou não, o Brasil
já começa a ter suas instituições democráticas solapadas. O que se vê é que se
golpeia a democracia por dentro, com o desmonte dos conselhos, que são
instrumentos de controle social, de participação social. Já se cogitou aplicar
inúmeras iniciativas, que felizmente não foram levadas a cabo, mas que visam
sufocar os espaços democráticos, os espaços de participação popular. A
propósito, a alta comissária presidente da Comissão de Direitos Humanos,
Michelle Bachelet, já denunciou isso dizendo que o Brasil tem tido
estreitamentos nos seus espaços cívicos e espaços democráticos, portanto, seja
com a truculência de um golpe, seja golpeando a democracia por dentro. Diz-se
que a democracia traz consigo o germe de sua própria destruição e isso parece
no Brasil mais verdadeiro do que nunca, pois todo dia há tentativas para se
solapar todas as instituições democráticas e todo o avanço com a possibilidade
de participação popular. A democracia já sofre esses riscos.
Como o senhor vê as mudanças
atuais na população brasileira, com o aumento dos evangélicos, nada a ver
com o protestantismo da Reforma?
Uma previsão diz que, no Brasil,
os evangélicos serão tão numerosos quanto os católicos no ano 2050, com
sua cultura norte-americana destruindo nossas lendas e figuras brasileiras
consideradas pagãs… Qualquer confusão, qualquer simbiose entre Estado e grupos
religiosos, seja quais forem, que possa ferir a laicidade do Estado, precisa
ser repudiada, ser rechaçada pelas instituições democráticas. Eu não posso
impor meus valores religiosos a quem quer que seja. Eu não posso pautar
políticas públicas por valores religiosos. Isso vale para evangélicos ou para
qualquer outra confissãao religiosa. O que nos preocupa muito é essa simbiose
que faz com que tenhamos o fim de políticas públicas de resgate e promoção
social de alguns segmentos perseguidos e sacrificados, como o segmento LGBT+,
alvos históricos de perseguição e preconceitos. Não se pode solapar os direitos
dessas pessoas por motivação religiosas. Não se pode ter política pública e nem
ação de Estado direcionada por valores religiosos. O Estado só deve garantir a
liberdade de credo, nada mais além disso.
Fica a impressão de que Bolsonaro
governa para os evangélicos…
Certamente, ouvi um declaração do
presidente que é de arrepiar os cabelos, quando ele fala que precisamos que um
membro do Supremo Federal seja evangélico, como se a religião que se professa
fosse um critério para indicar alguem para o Supremo Tribunal. Isso é
inaceitável e impensável.
Carta Capital | Na foto: Hélio
Leitão / OAB-CE
Leia em Carta Capital
Sem comentários:
Enviar um comentário