Miguel Guedes* | Jornal
de Notícias | opinião
Mudar o sentido de voto ou a
lógica dos apoios não implica romper com nenhum quadro de convicções pessoais.
Uma questão de liberdade. Para os actuais indecisos, nenhum capítulo da
História será reescrito quando decidirem o sentido de voto no próximo domingo.
Com a utilidade do voto útil a
esfumar-se politicamente após a solução governativa da Geringonça, os indecisos
escolhem agora onde depositar o voto com um tacticismo de que antes não
desfrutavam. Este é o tempo em que votar é, mais do que nunca, a compreensão do
exercício da liberdade e do funcionamento da democracia parlamentar.
Votar útil em PS ou PSD deixou de
ter qualquer utilidade. O voto do centro pende agora para o juízo de prognose
que adivinha a possibilidade de entendimentos relativamente a soluções
governativas que, no passado, só estavam ao alcance de
"partidos-muleta" como o CDS. Hoje, o equilíbrio não se faz pela sede
de poder à direita mas sim pela noção de que uma maioria absoluta, venha ela de
onde vier, é um cheque em branco a clientelas, autoritarismo, corrupção e
laxismo. O equilíbrio faz-se pela forma como os eleitores indecisos irão
"utilizar" os seus votos para reforçar os partidos da solução
governativa à esquerda do PS. Hoje, a essência do voto útil só existe à
esquerda de António Costa, as únicas forças capazes de entendimento com o PS.
Se o equilíbrio do PS vier a ser o equilíbrio do país, o país que teremos
joga-se pela força que BE e CDU vierem a ter no domingo. À semelhança do que
sucedeu, inesperadamente, em 2015.
Imaginemos um caso de regressão
alternativa. O que seria do país se as forças da PàF de Passos Coelho não
tivessem sido derrotadas em 2015 pela força que os eleitores deram ao BE e CDU
e que permitiu, posteriormente, a solução governativa com o PS? Se a PàF se
gabava de ter ido "além da troika" nos cortes e ajustamentos que
empobreceram o país e agravaram situações de extrema desigualdade social, não é
difícil imaginar quão minguadas e conservadoras teriam sido, nesta legislatura
que finda, as eventuais reposições de direitos pela direita ou por um PS a
governar sozinho.
As sondagens indicam que Passos e
Rio perderam milhares de votos para Costa durante os últimos 4 anos. A esta
migração de votos dos descontentes da PàF, fruto da deslocação do eleitorado
centrista e volátil para o PS, devem responder agora os indecisos que sabem que
o equilíbrio de um governo minoritário se fará pelo peso relativo que BE e CDU
vierem a ter. Ninguém sentirá, se alterar o sentido do voto, que está a retirar
um quadro da parede, enviando-o para a sede o PS de forma a reescrever a
História. Como referia o democrata-cristão Diogo Freitas do Amaral, "a
direita costuma dar mais importância à propriedade do que à liberdade". À
esquerda ninguém tem a propriedade do voto.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
*Músico e jurista
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