Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Segundo os dados recentemente
divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2018, cerca de 17%
das pessoas auferiam rendimentos líquidos inferiores a 501 euros por mês. Isto
significa, na fria linguagem da estatística, que estavam "em risco" de
pobreza.
A percentagem e o número absoluto
de portugueses nessa situação de "risco" - depois da contabilização
das transferências de apoios sociais para essa população - havia aumentado
bastante nos anos negros do "ajustamento" e regredido consideravelmente
a partir de 2015, no conjunto da população. Constata-se, contudo, que tal
regressão não se verificou entre os empregados onde, pelo contrário, até
aumentou entre 2017 e 2018. Esse aumento ainda foi mais grave entre os
desempregados.
O agravamento da pobreza no
conjunto dos desempregados, pode dever-se ao facto de o aumento significativo
de emprego neste período ter absorvido muitos desempregados, tendencialmente os
mais qualificados e ativos, continuando no desemprego os que dispõem de menos
recursos de todo o tipo. Se assim é, deve-se definir políticas específicas para
não deixar cada vez mais desprotegidas estas pessoas.
A sociedade portuguesa não pode
condescender face à persistência da pobreza entre quem trabalha. À tese de que
é preciso fazer crescer o bolo da riqueza produzida antes de este ser
repartido, há que contrapor a exigência de a riqueza ser melhor repartida
exatamente quando é criada, desde logo através da melhoria dos salários e da
qualidade do emprego. É que o bolo até cresceu, mas a percentagem dos lucros
que vai para o investimento produtivo é cada vez menor; e a fatia do bolo que
cabe ao trabalho manteve-se na dimensão a que tinha sido reduzida pelas
políticas de desvalorização salarial do "ajustamento", feito pela
troika e pelo Governo PSD/CDS.
O agravamento da pobreza no grupo
dos empregados não é nenhum mistério: o emprego cresceu, mas em média os
salários associados a esse novo emprego são muito baixos e o emprego muito
precário, o que os desvaloriza ainda mais. E a situação seria mais grave se o
salário mínimo não tivesse sido atualizado. É por tudo isto que a discussão
sobre política de rendimentos - e dentro desta a da política salarial - é muito
importante. A este propósito relevo a atualidade de um "Barómetro"
sobre "Negociação salarial: o que está em jogo?" da autoria de José
Castro Caldas 1 .
O Governo avançou com
referenciais de crescimento médio dos salários para os próximos quatro anos,
apontando o valor de 2,7% para 2020, quando a dinâmica do mercado no último ano
impôs um crescimento de cerca de 3%, ou seja, aponta uma atualização abaixo da
que está a acontecer no terreno. Entre os empresários temos - conforme os dias,
os setores e as plateias - uns a defenderem a necessidade de melhores salários
e de negociação de carreiras profissionais e outros a insistirem nas políticas
da desvalorização salarial, lado do qual se colocam, em regra, os dirigentes
das confederações patronais.
Confirma-se que, até agora, o que
está em marcha na Concertação Social não é a busca de um acordo para a
valorização salarial de que o país precisa, mas sim o estabelecimento de um
teto travão às dinâmicas de crescimento dos salários e também à contratação
coletiva.
*Investigador e professor
universitário
1- Barómetro #20 do
Observatório sobre Crises e Alternativas: Castro Caldas, J. (2019), Negociação
salarial: o que está em jogo. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/
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