Face à previsível vitória dos
tories (conservadores) nas próximas eleições inglesas e à própria indefinição
dos seus opositores (trabalhistas e liberais), poucos devem hoje duvidar que o
Brexit irá acontecer, qualquer que venha a ser a data final para a sua
concretização. Motivo para dúvida deverá ser o que surgirá então e qual, entre
a Inglaterra e a UE, será o mais proteccionista?
Com os ingleses no centro do
jogo, a analogia com a vitória em Trafalgar (batalha naval que nos inícios do
século XIX opôs franceses e ingleses) onde os britânicos em número inferior
estavam prestes a ser dominados, mas cuja reviravolta final ditou o abandono de
qualquer esperança francesa na invasão do Reino Unido e deu aos ingleses a
supremacia marítima na qual fundariam o seu império colonial.
A pequena Inglaterra, sozinha,
isolada do continente, não deveria sobreviver ao seu abandono imprudente da UE,
mas, se parece certo que estará morta a Inglaterra que governou o continente
por cerca de trinta anos via UE e que esta não recuperando o Reino Unido nos
seus próprios termos poderá ser a única a entrar em sintonia com ela, o que,
ironia das ironias, colocaria os britânicos no centro da dinâmica global
moderna.
Se o entendimento anglo-irlandês
sobre a polémica fronteira entre as Irlandas tiver resultado de um qualquer
acordo entre Boris Johnson e Leo Varadkar (o primeiro-ministro irlandês) que
reduza as barreiras alfandegárias após a saída, será a UE que passará a ser
vista como uma entidade proteccionista (aberta internamente mas extremamente
rígida nas suas trocas com o resto do mundo), como parecem revelar as grandes
dificuldades encontradas na assinatura de acordos de comércio livre com o
Canadá, os EUA ou o Mercosul e sustentando as múltiplas críticas de
proteccionismo normativo, de que tem sido alvo.
Nesta perspectiva o Reino Unido
estaria a deixar a UE para se livrar desse proteccionismo e, usando em
benefício próprio a estratégia dos seus antigos parceiros, tornar-se na placa
rotativa do comércio mundial com a própria UE.
Batalha de Trafalgar, de Joseph Mallord William Turner (Wikipédia) |
Admitido este cenário, irá a UE
deixar cair a sua política de defesa das regras que tanto irritam Donald Trump
e os opositores de toda e qualquer regulamentação que os possa prejudicar, ou
pelo contrário manter a defesa das cada vez mais frágeis regras ambientais e de
protecção dos consumidores…
A confirmar-se esta ideia, a City
londrina, e toda a máquina financeira transnacional, poderá manter a sua
posição de relevo no comércio internacional, manter-se-á o nível actual da
taxação sobre as transacções e o nível geral de preços (o que não afectará o
poder de compra dos britânicos) e a economia britânica continuará a exportar;
Trump conseguirá o seu ponto de entrada na UE e Bruxelas poderá ver
repentinamente resolvidas as complicadas negociações que mantém com o Canadá,
os EUA e o Mercosul, trazendo algum alívio à depauperada economia mundial.
Tudo isto poderá até ser-nos
apresentado como positivo, mas será apenas a confirmação do fim do projecto de
união europeia como o conhecemos pois, a reafirmação das soberanias nacionais à
custa de experiências fracassadas de criação de uma soberania supranacional
traduzir-se-á na atomização de cada governo (no limite poder-se-á até falar em
regiões ou cidades) que julgarão recuperar uma liberdade e uma flexibilidade
individual para a conclusão de negociações que agora parecem impossíveis em
bloco. Nenhuma autoridade não eleita voltará a decidir por eles, como
propagandearam os defensores do Brexit, mas passarão a depender ainda mais de
uns mercados agora ainda mais livres para prosseguirem os seus objectivos que,
recorde-se, não têm sido os dos cidadãos.
Este é uma interpretação de um
cenário que há mais de três de anos assombra e ensombra a Europa e arredores.
Transvertendo-se de tragédia em drama ou até em comédia, o Brexit tem revelado
as maiores fragilidades num Reino Unido que arrisca hoje soçobrar com dele e
desempenhado um perfeito papel de desagregador de uma unidade europeia que
talvez nunca tenha existido nem nos melhores sonhos… Apresentado como aspiração
dos defensores do soberanismo e do ideal do estado-nação, o tempo e as
contradições dos seus defensores têm revelado – ou pelo menos levantado –
outras interpretações, fazendo crescer a dúvida sobre as suas reais
fundamentações e recordando as inúmeras dúvidas e obstáculos que durante
décadas foram erguidos à integração do Reino Unido no projecto europeu.
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