Apoiantes do chefe de Estado
cessante da Bolívia enfrentaram hoje a polícia e as Forças Armadas do país para
pressionarem a queda da presidente interina, Jeanine Áñez, e o regresso de Evo
Morales cuja renúncia ainda não foi abordada no parlamento.
Colunas de manifestantes desceram
pelas ladeiras da montanha que separa a cidade de El Alto, reduto político de Evo Morales,
da capital, La Paz. Na maioria eram camponeses organizados pelos dirigentes do
Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Morales.
A Bolívia é um país dividido não
só entre apoiantes e adversários de Evo Morales, mas também
entre etnias, classes sociais e divisão geográfica. De um lado, os habitantes
do chamado Altiplano, no oriente do país, na maioria de classe baixa e indígena.
Do outro, os habitantes da planície, zona ocidental e mais rica do país. Em La
Paz, as duas Bolívias encontram-se em choque.
Mariana Chaca, sentada no
meio da rua, aguarda as instruções dos líderes sobre o andamento da marcha.
Mariana é o que na Bolívia se conhece como 'chola', uma denominação étnica para
as mulheres mestiças vestidas com as roupas tradicionais.
"Marchamos para que a
presidenta (Jeanine) Áñez renuncie e para que o nosso presidente Evo Morales
volte. É isso o que queremos", explica à Lusa num espanhol cuja pronúncia
carece de rigor gramatical e sofre forte influência indígena tal como o do seu
líder Morales.
"Até que a 'residente Áñez renuncie,
não pararemos", insiste.
Esta 'cholita' carrega no rosto
as marcas de uma vida de sacrifícios. Tem 35 anos, mas parece ter 50. Conta que
trabalha com o gado e com a produção de batata. Vem de Achacachi, capital
da província de Omasuyos, a 100 Km de La Paz. O grupo de camponeses
chegou, no dia anterior, a El Alto, de onde partiu em caminhada rumo ao centro
da capital, a 10 Km de distância.
A segunda vice-presidente do
Senado, Jeanine Añez, assumiu a Presidência interina do país na última
terça-feira depois de Evo Morales ter renunciado, nos dia 10, num
país em convulsão social, à beira de uma guerra civil.
Os apoiantes de Evo Morales
classificam o candidato Carlos Mesa e o líder cívico Luis Fernando Camacho como
os artífices de três semanas de manifestações da classe média que paralisaram o
país contra a fraude de Morales nas eleições de 20 de outubro e
confirmada pela missão da Organização dos Estados Americanos (OEA).
"Não queremos (Luís
Fernando) Camacho nem Carlos Mesa. Não os queremos aqui. Queremos que morram,
queremos as suas cabeças", sentencia Mariana Chaca enquanto um
líder do MAS, através de um megafone, dá instruções sobre os lemas do protesto.
Esses dirigentes políticos são o
elo entre Evo Morales e os movimentos sociais. São os que organizam
os protestos cujo prémio aos participantes é continuar a receber benefícios
sociais.
No final da rua, polícias e
militares, atrás de uma barricada que protege o Palácio Quemado, sede do
Governo, assistem com atenção ao movimento.
O objetivo das marchas
é chegar ao Palácio, mas os oito quarteirões em redor da Praça Murillo, que
ficam em frente, estão protegidos por barricadas, usadas como trincheiras na
guerra entre as forças de segurança e a parte violenta das marchas.
Do outro lado da rua, estão os
homens. Assim como as 'cholas', carregam nas mãos uma bolsa de folhas de coca.
O movimento de levar as folhas à boca e mascar é contínuo.
Oscar Marca, de 31 anos, também
vem da província de Omasuyos. Conta à Lusa que os camponeses estão na luta
incansável contra o suposto golpe de Estado levado a cabo por Camacho e por
Mesa, apoiados pelas Forças Armadas, que "sugeriram" a renúncia de
Morales.
"Violaram a Constituição
contra o povo. A suposta Presidente Añez violou a Constituição e tem
de renunciar. Os povos originários (indígenas) são os verdadeiros filhos do
povo. Estamos de pé e não vamos parar com as mobilizações. Estamos firmes até o
final", afirma Oscar.
Jeanine Áñez autoproclamou-se
Presidente baseando-se na renúncia de Evo Morales e no seu abandono
do país, rumo ao México, onde recebeu asilo. Perante o vazio de poder agravado
pela falta de quorum dos legisladores para tratarem tanto da carta de renúncia
de Morales quanto da designação da nova Presidente interina. A autoproclamação de Áñez foi
avalizada pelo Tribunal Constitucional.
"Pisaram a Constituição. Na
Assembleia (Parlamento), não havia quorum e, mesmo assim, ela autoproclamou-se,
essa suposta presidente Añez", acusa Oscar. Os manifestantes
consideram ilegal a posse da chefe de Estado interina.
"A Assembleia não tratou da
carta de renúncia de Evo Morales. Portanto, nós exigimos que a
Assembleia rejeite a renúncia para o regresso do nosso presidente, que foi
eleito pelos povos originários", pede.
A marcha começa a avançar até a
praça São Francisco, destino da maioria dos protestos, a quatro quarteirões do
Palácio de Governo. Os manifestantes erguem a Wiphala, a bandeira dos
povos indígenas do Altiplano. A bandeira é o símbolo da luta popular.
Um grupo de manifestantes
desprende-se da marcha e tenta forçar passagem pela barricada que protege o
outro lado da praça. A Polícia dispara com bombas de gás lacrimogéneo. Os
mineiros, fieis a Evo Morales, disparam dinamites contra as
barricadas.
A zona entre a Praça Murillo e a
Praça são Francisco é agora uma zona de guerra. Carros de combate percorrem as
ruas atrás dos violentos manifestantes. As 'cholas" correm com as suas
coloridas saias. As bombas de gás lacrimogéneo fazem ziguezagues pelo
ar e caem onde os pacíficos refugiam-se. A correria é geral. Os mais ousados
voltam a enfrentar a polícia que volta a disparar. A batalha campal dura duas
horas. Cinquenta pessoas são presas, entre as quais 22 mineiros que lançaram
dinamites.
Do México, Evo Morales
anuncia que "se a Assembleia rejeitar a sua renúncia, ele volta" e
que "que os protestos não vão parar até retirar a 'ditadura' do Palácio de
Governo e acabar com o golpe de Estado".
A ministra dos Negócios
Estrangeiros, Karen Longaric, disse à Lusa que o governo boliviano está
"aborrecido" com esses pronunciamentos políticos de Evo Morales.
"Já nos queixámos ao governo mexicano sobre a falta de respeito pelos
princípios de um asilo que proíbem os refugiados de fazerem pronunciamentos
políticos", disse Longaric.
Notícias ao Minuto | Lusa | Imagem: Reuters
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