Será que o ano de 2020 nos trará
uma nova esperança? Não. Não sejamos ingénuos
Paula Teixeira da Cruz |
Publico | opinião
Na época desenfreada de consumo
(nalgumas latitudes e de miséria noutras), o ano de 2019 está a terminar. Não
deixa saudades, como outros não deixaram. Será que o ano de 2020 nos trará uma
nova esperança? Não. Não sejamos ingénuos.
Como já aqui escrevi várias
vezes, os ódios, a intolerância, os radicalismos, estão a ganhar espaço. Em
todos os continentes. De todas as formas: as guerras civis, dentro de demasiados
países, multiplicam-se. E chega a ser ridículo que as manifestações ditas
pró-climáticas só deixem no chão os detritos que condenam.
As sociedades parecem esboroar-se
perante os nossos olhos. Guerras religiosas, contestação social, povos em
sofrimento.
As Nações Unidas consideram que
no Iémen se vive a maior
crise humanitária do mundo, com cerca de 80% da população (24,1 milhões de
pessoas) a necessitar de ajuda. E? E a União Europeia? De acordo com dados
divulgados pela organização não governamental ACLED (Armed Conflict Location
and Event Data Project), já morreram mais de 100 mil pessoas desde o início da
guerra civil, que destrói o país desde 2015.
No Afeganistão os conflitos e
os atentados continuam a fazer vítimas, sendo quase impossível contabilizar o
número de civis mortos em 18 anos de guerrilha permanente.
A República Centro Africana vive,
desde Dezembro de 2012, um conflito armado que opõe combatentes muçulmanos do
Seléka ao grupo cristão Anti-Balaka.
No Sudão do Sul, uma guerra civil causou,
desde 2011, mais de 400 mil vítimas. Finalmente, em Maio deste ano, o país viu
ser assinado um acordo de paz entre as partes envolvidas. Uma esperança, por
enquanto frágil.
Na República dos Camarões desde
2016 que dez milícias separatistas vivem em confronto permanente com forças
governamentais.
Na Síria, em guerra desde 2011, estima-se
que tenham morrido, até ao presente ano, cerca de meio milhão de pessoas, 1,5
milhões terão ficado feridas e haverá cerca de 7 milhões de refugiados.
A Líbia está submersa num caos
político e militar desde a queda de Muammar Kadhafi, em 2011, dividida na luta
pelo poder entre diversas milícias e tribos.
Chade e Nigéria são alvo, desde
2009, de ataques constantes do grupo jihadista nigeriano Boko Haram, que também
efectua sequestros e ataques nos Camarões e no Niger, estimando-se que já tenha
vitimado 27 mil pessoas.
A onda de manifestações no Chile, contra o aumento do preço dos
bilhetes de metro na capital, levou a contestação ao Governo de Sebastián
Piñera a todo o país. Protestos no Equador,
contra o corte nos subsídios aos combustíveis, levaram à contestação ao Governo
de Lenín Moreno e a confrontos sangrentos nas ruas. Na Argentina a crise económica
aumenta, a inflação deve este ano ultrapassar os 54% e a contestação sobe de
tom.
Na Colômbia assiste-se ao
ressurgimento das FARC, que
acusam o Governo de Iván Duque de ter quebrado o acordo de paz assinado em
2016. Na Bolívia o
Presidente Evo Morales foi obrigado a fugir do país e a renunciar, depois de
acusado de fraude eleitoral e de tentar alterar a Constituição para se manter
no poder. A Venezuela continua
mergulhada numa profunda crise política e humanitária, a braços com uma das
maiores ondas migratórias do mundo.
Rússia e Ucrânia continuam em conflito no
leste do país, ao fim de cinco anos de disputa sobre a Crimeia, que já se terá
saldado em 13 mil mortos. Como se a Crimeia não tivesse sempre
pertencido à Rússia.
O Natal não é isto, qualquer que
seja a religião, a crença ou a não crença. Haja esperança. Muitos de nós
resistiremos e convocaremos outros a resistir.
*Advogada
*Opinião de Paula Teixeira da
Cruz no jornal Público em 11 de Dezembro de 2019
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