sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O que muda com o fim do estatuto de "utilidade pública" em Angola?


De 500 organizações reconhecidas pelo Estado angolano, 20 tinham o estatuto. Ativistas reconhecem que a medida tenta corrigir "erros do passado".

O Governo angolano deixou de atribuir o estatuto de utilidade pública às organizações da sociedade civil. Nem todas as associações tinham o estatuto. A prática era o Governo conceder o estatuto apenas para instituições ligadas ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), que adquiriam automaticamente o direito a obter fundos públicos.

Uma crítica comum é que organizações com o estatuto não eram vistas em trabalhos de base.

O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos revelou recentemente que o reconhecimento foi suspenso há dois anos devido a dificuldades financeiras.

Segundo o ministro Artur Queiroz, desde o início da governação do Presidente João Lourenço que havia a ideia de deixar de atribuir o título às organizações. "Como o dinheiro escasseou muito, o estatuto de utilidade pública também foi suspenso", explica Queiroz.

 O que muda concretamente

Na prática, o fim do estatuto atinge em cheio as organizações que eram vinculadas ao partido MPLA. O Estado angolano reconhece oficialmente a existência de cerca de 500 associações. Praticamente todas surgiram depois do acordo de paz assinado em 2002. Desse universo, segundo o ministro, cerca de 20 têm o estatuto de utilidade pública.

O financiamento do Estado às associações vai agora depender dos projetos por elas apresentados. Queiroz explica que se trata de uma "regra que ainda se está a implantar", mas o que se pretende é que as organizações não tenham acesso a recursos por serem de utilidade pública, mas por serem eficientes.

As organizações devem apresentar "um programa concreto, que tenha impacto visível na população e no cumprimento do programa de governação".

Alguns dirigentes de organizações da sociedade civil angolana apoiam a iniciativa. Rafael Morais, coordenador da Friends of Angola, diz que o Governo "está a tentar corrigir um erro cometido no passado".

Segundo o ativista, a governação do MPLA limitava-se a financiar associações ligadas ao partido, como a Associação dos Jovens Angolanos Provenientes da Zâmbia, a União das Associações Locais de Angola e a Fundação Eduardo dos Santos - esta última muito próxima do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

Avaliação de projetos

Por outro lado, Morais lembra que há organizações cujo foco é resolver problemas na sociedade angolana, e não precisam de apresentar projetos que convençam o Governo sobre sua eficiência. "Se for assim, eles [Governo] que façam algum inquérito à população, e o próprio povo vai dizer como é que o trabalho destas organizações tem realmente criado impacto na sua vida", explica.

Morais cita a Mãos Livres, a Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) e a MOSAIKO como organizações que têm impacto relevante na vida das comunidades. A ADRA aguarda por reconhecimento há mais de dez anos, mas o seu coordenador, Carlos Cambuta, continua a defender o diálogo entre o Governo e as organizações.

Ele vê a iniciativa do Governo com algum ceticismo quanto ao benefício concreto à sociedade civil. Cambuta acredita que o estatuto de utilidade pública, na teoria, era uma contribuição relevante, uma vez que garantia recursos para ampliar o nível de intervenção social.

"Com a redução ou [fim do financiamento], as organizações que tinham o estatuto de utilidade pública não vão conseguir desempenhar o seu papel. Se conseguirem, será com muitas limitações", explica o coordenador da ADRA.

Borralho Ndomba (Luanda) | Deutsche Welle

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