Na recente cimeira da NATO, em
Londres, Portugal alinhou comodamente ao lado de quem manda. O governo
português abriga-se em Washington quando a polémica interna da NATO passa pelo
meio da União Europeia.
Os exemplos sucedem-se, soltam-se
do discurso oficial, passam pela comunicação social sem o menor sobressalto
crítico e entranham-se na opinião pública como a mais inócua banalidade.
Portugal já não governa os portugueses, o governo português delegou as decisões
fulcrais sobre o destino dos portugueses em entidades, interesses e pessoas que
não querem saber dos portugueses para nada a não ser como mão-de-obra barata ou
membros de destacamentos armados envolvidos em policiamento colonial e guerras
imperiais. A dignidade nacional esvaiu-se e chega perversamente a ser
confundida com nacionalismo e populismo quando alguém ousa criticar o
federalismo e a subserviência aos mecanismos imperiais.
O governo da República Portuguesa
teve uma ideia sobre uma coisa tão simples como os critérios para definir as
cobranças de energia eléctrica, mas tem de pedir autorização aos organismos não
eleitos em Bruxelas para poder passá-la à prática – ou não. Correm-se os olhos
sobre a comunicação social e o que está em causa não é a humilhação de ter de
pedir permissão para um acto elementar de gestão governativa, mas sim a dúvida
sobre o lado para o qual irão cair os humores das cúpulas do federalismo
europeu – não assumido, mas em actividade clandestina.
Os últimos dias têm sido
animados, e prometem continuar a sê-lo depois do interregno comercial das festas,
pela elaboração e aprovação do Orçamento do Estado. Uma coisa levada tão a
sério, motivadora de sábios e académicos pareceres de analistas bastante
monolíticos no seu pluralismo formal, que quase convence os portugueses de que
a palavra final é dada aqui. Nada disso: o verdadeiro Orçamento do Estado
Português para 2020 ou qualquer outro ano será aquele que tiver a chancela
final dos eurocratas de Bruxelas.
Sendo o Orçamento o instrumento
fundamental das decisões políticas e económicas a aplicar nos próximos meses, o
seu conteúdo depende de alguém que os portugueses não foram chamados a
escolher, que nem sequer conhecem e para quem não passam de números, metas,
percentagens, inimigos de gestões correctas e lucrativas até prova em
contrário.
A bússola aponta para Washington
Portugal, sempre acomodado,
resguardando-se de tempestades, assumindo com boa índole o lado de onde sopra o
vento, cumpriu com a conveniente discrição o papel de um vinte e nove avos da
recente Cimeira da NATO em Londres.
Uma reunião que trouxe polémica,
algumas declarações fora da formatura, como as do presidente francês, algumas
contradições nos campos de batalha, como as da Turquia na Síria, algumas
expressões de rebelião já não apenas desabafadas entre dentes contra as
contribuições financeiras impostas pelo quartel-general de Washington.
Portugal, uma velha entre as mais
velhas nações aliadas, com uma independência – agora nominal – que caminha para
os 900 anos de idade, passou de largo e de fininho pela tormenta, como se não
existisse. Porém, através das declarações de circunstância, meias palavras e
tweets dos representantes presentes em Londres percebeu-se que Portugal alinhou
comodamente ao lado de quem manda, o que significa identificar-se com uma
figura chamada Donald Trump.
Tão europeísta, tão federalista –
sem que esteja mandatado para tal pelos portugueses – o governo de Portugal
abriga-se em Washington quando a polémica interna da NATO passa pelo meio da
União Europeia. Sejamos justos: o tique já vem de trás, recorde-se o caso do
golpe de Guaidó na Venezuela, em que o governo de Lisboa se colocou
expressamente ao lado dos Estados Unidos e das manobras fascistas e sem que a
União Europeia, enquanto tal, tenha tomado uma posição favorável à usurpação.
Todos sabemos que o federalismo
europeu é uma manifestação política do controlo político-militar dos Estados
Unidos sobre a Europa. A fórmula governamental portuguesa formatada pelo bloco
central acrescido do apêndice de extrema-direita, no entanto, excede-se como
exemplo. Entre Bruxelas e Washington, as bússolas de Lisboa apontam sempre para
a capital federal norte-americana independentemente de quem passa pela Casa
Branca.
Com os canhões, marchar, marchar
Há poucos dias foram tornados
públicos, em Washington, os chamados «Afghanistan Papers», as conclusões de um
inquérito interno conduzido pelo governo dos Estados Unidos e segundo as quais
os responsáveis norte-americanos mentiram e mentem sobre a guerra do
Afeganistão iniciada em 2001, sabendo que «nunca a poderão ganhar».
De facto, além da destruição do
país, da liquidação de milhares e milhares de civis num conflito sem fim, as
tropas norte-americanas contribuíram também para transformar o Afeganistão num
paraíso para o tráfico de drogas derivadas do ópio, com a heroína à cabeça.
Tropas norte-americanas e não só.
A invasão e ocupação são obra da NATO, aliança da qual Portugal é membro, com
tropas envolvidas no conflito.
Isto é, Portugal é parte de uma
guerra imperial, criminosa e de agressão, envolvimento que acontece à revelia
dos portugueses, que nunca foram tidos e achados para o caso.
Tal como em relação à guerra
criminosa e colonial da NATO nos Balcãs que desmembrou a Jugoslávia e inventou
situações que são ninho do terrorismo islâmico e de outras actividades
delituosas, como a Bósnia e o Kosovo.
Tropas portuguesas integram
igualmente as operações coloniais europeias e norte-americanas em regiões
africanas, por exemplo na República Centro-Africana. A pretexto do combate ao
terrorismo, que continua intocado, trata-se de defender o comércio e o tráfico
de matérias-primas valiosas em benefício de interesses que são completamente
alheios aos dos portugueses, com cobertura da televisão pública reciclada em
modo colonial – com algum esforço ainda vai a tempo de recuperar as
tradicionais «mensagens de Natal».
Portugal é uma das nações aliadas
que não cumpre a exigência de Trump de contribuir com dois por cento do PIB
para a guerra imperial. Mas vai a caminho de o fazer: como se viu, posiciona-se
do lado de Washington nesta questão; e projecta para 2024 atingir essa meta,
isto é, reservar mais de quatro mil milhões de euros (4 000 000 000 euros, 360
euros por cada português) dos contribuintes nacionais para alimentar as guerras
movidas pelo complexo militar e industrial que prospera nas duas margens do
Atlântico independentemente de o capitalismo estar ou não mergulhado em crise.
A guerra é uma actividade sempre
lucrativa: Portugal contribui para isso, mas limitado ao papel de ter de pagar.
Resta dizer que, segundo as normas da NATO, que são dogmas para Trump, 20% das
participações dos Estados membros da NATO para a organização têm de ser
destinadas à compra de material de guerra norte-americano. Portugal deverá, por
isso, passar a dedicar 800 milhões de euros para alimentar os lucros
gigantescos dos fornecedores do Pentágono, verdadeiro lixo tecnológico para um
país que não tem inimigos no mundo a não ser as ficções que a NATO inventou
para justificar a existência e o seu negócio da morte.
Foi um governo fascista que
introduziu Portugal na NATO – coisa que em nada incomodou esta aliança dedicada
a levar a «democracia» na boca dos canhões. Qualquer governo português
pretensamente antifascista deveria, no mínimo, colocar esta participação
absurda no aparelho de guerra imperial à discussão pelos portugueses, os quais,
obviamente, não foram consultados na altura da adesão.
Como o governo actual e os seus
semelhantes têm, no fundo, medo da democracia e nunca se dispuseram a conhecer
a verdadeira opinião dos portugueses em aspectos decisivos da sua vida como a
presença na União Europeia, no euro e na NATO, cabe aos cidadãos mobilizarem-se
para que isso aconteça. Não há «valores civilizacionais» ou «democráticos» ou
«ocidentais» que impliquem a presença de Portugal numa aliança militar que tem
como objectivo montar mecanismos policiais repressivos, envenenar as relações
internacionais e fazer guerras em defesa dos interesses mundiais dominantes,
espalhando a morte e destruindo nações, agravando as desigualdades sociais e
regionais, além de aprofundar os desequilíbrios ambientais do planeta.
Portugal não tem de ser membro da
NATO. Cabe aos portugueses, inimigos jurados da guerra como ficou demonstrado
em 25 de Abril de 1974, corrigir a enorme trapaça histórica que foi a
integração na aliança, a gigantesca fraude política que é a insistência dos
governos actuais num status quo que resultou de uma manobra através
da qual o salazarismo ganhou alento e protecção aliada para sobreviver durante
mais 25 anos.
Questionar a presença na NATO é
uma questão de democracia e dignidade nacional. É uma tarefa dos cidadãos,
porque já percebemos que este princípio é letra morta para o governo em
funções, que aceita entregar a estrangeiros sem rosto – mas com interesses
alheios aos de Portugal – as decisões que são fundamentais para a vida dos
portugueses.
Imagem: AFP/Getty Images
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