Anselmo Crespo | TSF | opinião
“Quem paga o excedente orçamental são os
contribuintes." A frase é de Mário Centeno, durante a apresentação do
Orçamento do Estado para 2020. Num misto de enfado e indignação, o ministro das
Finanças responde com a honestidade possível aos que o criticam por aplicar ao
país uma das maiores cargas fiscais de sempre, enquanto deixa ao Estado uma
almofada financeira de 0,2%. Quem se atreve a questionar tamanho feito se esta
é a primeira vez, em democracia, que Portugal alcança um superavit? Quem são os
ingratos que não valorizam e se sentem orgulhosos por partilharem a mesma
nacionalidade do CR7 das Finanças?
Os orçamentos, tal como a vida,
fazem-se de opções. E, no Orçamento do próximo ano, o Governo fez três grandes
opções: investir nos transportes públicos, atirar uma mão cheia de dinheiro
para a saúde - que, antes das eleições, não tinha um problema de
suborçamentação, mas agora já tem - e ficar na história como o primeiro
executivo a alcançar um excedente orçamental. É difícil compreender como é que
um país que tem uma dívida pública tão elevada e uma carga fiscal superior a
35% do PIB opta, ainda assim, por ter um excedente orçamental. É por isso que,
se estas escolhas são legítimas, as críticas também o são - e La Palice nunca
nos falha nestas alturas: se é verdade que Roma e Pavia não se fizeram num dia,
não é menos verdade que nunca se consegue agradar a gregos e a troianos.
As opções do Governo têm, assim,
como consequência deixar quase tudo o resto para trás. A dívida pública não vai
descer tanto como seria possível; as empresas vão continuar à espera de um
regime fiscal mais competitivo; e os funcionários públicos e pensionistas, que
são uma fatia significativa da despesa do Estado, ainda recebem umas migalhas
de aumento - para convencer o PCP e o BE a aprovarem o OE -, mas dificilmente
ficarão satisfeitos. E o resto dos contribuintes, que passam quase metade do
ano a trabalhar para pagar impostos, vão ter que continuar à espera. Sentados,
para não se cansarem.
Ou seja, se, na velha máxima das
empresas, quem paga manda, na velha máxima dos governos, quem paga pode sempre
pagar ainda mais pela ganância e pela ineficiência do Estado. O problema da
elevada carga fiscal em Portugal tem pouco a ver com os recordes que bate todos
os anos. Porque se a um elevado nível de impostos correspondesse um Serviço
Nacional de Saúde digno, uma escola pública de qualidade e acessível a todos,
creches públicas, lares de terceira idade ou serviços de cuidados continuados
em número suficiente, talvez ninguém em Portugal se importasse de pagar tantos
impostos. Se o Estado nos exigisse, a nós contribuintes e às empresas, que
pagássemos os nossos impostos a tempo e horas, fosse implacável nos juros de
mora e nas multas que aplica, mas usasse para ele próprio a mesma bitola, dificilmente
alguém teria motivo para se lamentar. Se o Estado fosse uma pessoa de bem e não
deixasse contribuintes e empresas à espera durante meses, se não nos envolvesse
a todos numa teia burocrática montada propositadamente para nos dissuadir de
uma simples reclamação, talvez nenhum de nós se pudesse queixar da maior carga
fiscal de sempre.
Mas não. O mesmo Governo que
assume publicamente estar a recolher os louros - até pessoais - do esforço dos
contribuintes, recusa-se a fazer o mais óbvio e o mais difícil: tornar o
sistema fiscal em Portugal mais simples, mais justo e, sobretudo, mais eficiente.
E, já agora, menos oportunista na ilimitada criatividade que o poder político
vai revelando para encontrar novas formas de cobrar mais dinheiro aos
contribuintes. Eu percebo que dá trabalho, demora tempo e é capaz de render
poucos votos. Mas seria um motivo de orgulho tão grande quanto ter um superavit
orçamental.
A consequência desta opção - que
não é só do Governo de António Costa - é continuarmos a ter um país impróprio
para quem trabalha e paga os seus impostos. Um país onde a esmagadora maioria
da população ativa se sente numa espécie de prensa, cada vez mais apertada por
salários que não crescem - e são, tantas vezes, indignos - e uma carga fiscal
cada vez mais impossível de suportar. Um país onde quem paga não é dono disto
tudo e sente-se, tantas vezes, entregue à sua própria sorte.
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