sábado, 26 de janeiro de 2019

Por que Maduro (ainda) não caiu


Rússia e China bloquearam uma intervenção que os EUA preparavam há muito. Mas governo agora está por um fio – e depende dos militares. O chavismo ainda pode reinventar-se. Saberá?

Antonio Martins ! Outras Palavras

Tardará um pouco para que a velha mídia brasileira se dê conta – mas um movimento geopolítico maior está se desenrolando, diante de nossos olhos, nestes dias. Tem como fulcro a América do Sul. Implica o Brasil.

Há alguns dias, os Estados Unidos articularam-se para dar o empurrão final que defenestraria, na Venezuela, o governo de Nicolas Maduro – e liquidaria o chavismo, que, com todas as suas insuficiências e contradições, inaugurou a primeira tentativa conjunta de livrar a América do Sul da submissão colonial. O script foi montado nos mínimos detalhes, como anteciparam, dias antes dos fatos cruciais, The Economist, o Wall Street Journal e até anúncios publicitáriosgigantes, nos painéis de Nova York…

Na quarta-feira (23/1), a Assembleia Nacional empossaria o jovem deputado Juan Guaidó como “presidente”. Uma vasta marcha nas ruas tiraria proveito da impopularidade do governo e emprestaria legitimidade ao ato. Os Estados Unidos inaugurariam, de imediato, uma onda de “reconhecimento internacional” a Guaidó. Ela seria claramente majoritáia, na nova configuração política da região. Mas – componente indispensável – jogou-se no tabuleiro a carta militar. Washington anunciaria que “ todas as opções estão sobre a mesa” para afastar Maduro do poder.

O script foi seguido à risca, ao longo de toda a quarta-feira, até ser interrompido esta manhã (24/1), por um ator que entrou em cena sem convite. Nas primeiras horas do dia, o vice-ministro do Exterior da Rússia, Sergei Ryabkov fez uma declaração enfática, que ele próprio qualificou de alerta [“we warn you against that”] e cujas palavras quase feriam o linguajar diplomático: qualquer tentativa de interevenção de Washingnton teria consequências “catastróficas”. Horas depois, o contrapeso à pressão dos EUA seria reforçado pela China e por um telefonema de Vladimir Putin a Nicolas Maduro.

Nem nos tempos da União Soviética o poder dos EUA sobre a América Latina foi tão abertamente desafiado. No Brasil, o golpe de 1964 recebeu respaldo decisivo de porta-aviões norte-americanos, estacionados junto à costa brasileira. Executavam a Operação Brother Sam. Os tempos são outros, a geopolítica também. Como mostra José Luís Fiori, a operação de dissuasão que Rússia e China executaram agora tem precedentes. Em dezembro de 2018, dois bombardeiros russos, com capacidade nuclear, participaram – também pela primeira vez, na história da região – de um exercício conjunto com as Forças Armadas da Venezuela. Os EUA protestaram, mas nada puderam fazer. É provável que os termos “alerta” e “catastróficas” estejam relacionados a isso…

E no entanto, agora, até mesmo o apoio da Rússia e da China pode ser insuficiente para salvar o governo Maduro e o chavismo, às voltas com suas enormes contradições.

As ruas de Caracas e da Venezuela já não estão com o governo, como mostra, ainda que com eufemismos, a cobertura da própria Telesur sobre a jornada de ontem. Das duas manifestações que tomaram a capital, a da oposição era, claramente, maior. Talvez pela primeira vez, não era composta apenas pela elite branca. Por que o chavismo, que se caracterizou por enorme apoio popular; que venceu nove das dez primeiras eleições nacionais de que participou; que instituiu mecanismos inovadores de reforma política, como os “referendos revogatórios”, encontra-se agora nas cordas?

Três textos publicados hoje por Outras Palavras, num “Dossiê Venezuela” ajudam a compreender o que se passou. O primeiro, uma análise de longo prazo, é de autoria de Edgardo Lander, um intelectual que se aliou ao chavismo em sua primeira hora mas se tornou, há mais de uma década, dissidente à esquerda.

texto de Lander é fundamental porque aborda algo que transcende a Venezuela. Fala da insuficiência da “onda rosa”, da maré de governos semi-reformistas que desafiou pela primeira vez, na América do Sul, o domínio colonial de 500 anos. Todos tiveram apoio popular notável e alcançaram êxitos inéditos, num primeiro momento – em especial, no combate à pobreza extrema e em certa redução das desigualdades. Há muitas nuances [e a Bolívia talvez seja um caso à parte], mas nenhum foi capaz de desafiar as estruturas essenciais que mantêm o poder das elites.

Na Venezuela, mostra Lander, o desafio consistia em livrá-la da dependência secular do petróleo. Detentor das maiores reservas do planeta (e por isso, alvo de tanta cobiça), o país jamais desenvolveu uma estrutura produtiva autônoma. Preferiu repousar sobre o dinheiro fácil que o mercado mundial lhe oferecia pelo presente que ganhou da natureza. O chavismo distribuiu a riqueza petroleira – seus “programas sociais” superam muito, em alcance, profundidade e resultados, os do Brasil de Lula. Mas nunca deixou de se pendurar no petróleo. Há razões profundas, mostra Lander. A riqueza petroleira é concentrada, facilmente controlável – tanto pela direita quanto pela esquerda. Permite constituir uma elite hierarquizada e obediente – ainda que muitas vezes corrupta. Ir além e estimular uma economia múltipla (algo que a Venezuela nunca teve) era mais difícil e arriscado.

Tudo parecia bem até 2014, quando, em consequência de uma conjuntura internacional peculiar, o barril de petróleo chegou a valer 100 dólares. Apenas um ano e meio depois, cairia a US$ 30. Como sobreviveria uma economia cujas exportações dependem em 95% deste único produto? Como lidar, além disso, com sanções decretadas por Washington, que comprometeram, a partir de 2017, boa parte da capacidade de investimento da PDVSA, a empresa nacional de petróleo?

segundo texto, de Temir Porras Ponceleón, um ex-assessor de Chávez e Maduro (até 2013), aponta os ziguezagues sem rumo do presidente, diante da ameaça. Num primeiro momento, ele negou-se a enxergar a realidade. A Venezuela não imprime dólares e outras moedas fortes. Porém, estas são necessárias para comprar, no exterior, o que não produz – medicamentos, comida, bens industriais básicos e sofisticados. A queda da capacidade de adquirir divisas obrigava a restringir seu uso, tornando-as mais caras. Até 2018, isso nunca foi feito – talvez devido ao temor, do governo, de admitir as fragilidades do modelo que seguia. A cotação do dólar (no mercado oficial) foi mantida fixa. Num caso de suprema demagogia (e rendição à ditadura do automóvel), o litro da gasolina chegou a custar, em Caracas, o equivalente a R$ 0,04. Era possível encher um tanque com o que se paga por uma garrafinha de água.

Sem base produtiva alguma e sem moeda forte para satisfazer às necessidades de consumo, um país com esta política só poderia mergulhar em escassez, inflação descontrolada, mercado paralelo, corrupção endêmica. As fotos que mostram prateleiras vazias nos supermercados são reais – e decorrem de erros políticos gravíssimos. O governo preferia, porém, atribuir os fatos à sabotagem dos grandes empresários.

Em 2018, veio uma primeira correção de rumos – ainda muito insuficiente. Nosso terceiro texto, do cientista político norte-americano Mark Weisbrot, sugere um caminho a seguir. O primeiro passo, diz ele, seria adequar o preço do dólar à realidade e eliminar os subsídios ligados ao consumo perdulário. Haverá forte queda do poder aquisitivo dos mais pobres. Mas isso pode ser enfrentado com uma regra que corrija automaticamente o valor real dos salários (ausente hoje) e – em especial – por um sistema tributário que promova distribuição de renda sem dependência direta do governo. Sim, acredite: além de não ter feito uma Reforma Tributária, a Venezuela convive com um sistema de arrecadação arcaico e sujeito a todo tipo de fraudes.

É possível que, por seu caráter explícito, o esforço de Washington para derrubar Maduro e entronizar Guaidó revele-se um tiro no pé. Não seria o primeiro grande fracasso da política externa dos EUA nos últimos anos… Mas, sem uma mudança de rumos corajosa e real, o governo chavista ficará inteiramente nas mãos dos militares.

Isso está explícito num fato desta tarde. O ministro da Defesa de Maduro, Vladimir Padrino, apareceu em rede nacional de TV para confirmar o apoio das Forças Armadas ao presidente constitucional. Acusou a oposição – e em especial Guaidó, os EUA e “seus aliados regionais, como o Brasil” — de tentar planejar um golpe. Advertiu que este esforço produziria “caos e anarquia” e que o caminho para enfrentar os problemas do país “é o diálogo, não a guerra civil”. Estava ladeado por toda a cúpula militar.

Talvez sejam precisos vários anos para compreender a dimensão exata dos acontecimentos das últimas horas. A interrupção de um golpe de Estado, no quintal dos EUA, após ação explícita de dois países que nunca tiveram antes ação relevante na região, é uma enorme novidade. We warn you… O fato de Washington não dar as cartas como antes merece ser celebrado.

Mas ainda mais importante é enxergar que o projeto iniciado na América do Sul na virada do século está esgotado. Nem potências estrangeiras, nem os militares, poderão salvá-lo. Maduro ganhou algum tempo. Sem mudanças reais, sucumbirá como Lula, Cristina, Lugo, Rafael Correa, Zelaya.

As saudades e a melancolia não trarão de volta os bons tempos. Por onde iniciar o novo passo necessário? Como disse Bertort Brecht, em tempos igualmente difíceis, “não espere outras respostas, senão as suas”.

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Donald Trump devolve o mundo à situação de 1983


Valentin Vasilescu*

Ao retirar a assinatura do seu país do Tratado INF, o Presidente Trump recoloca-o na situação onde se encontrava antes da Iniciativa de Defesa Estratégica de Ronald Reagan. Ou seja, na altura em que os EUA não estavam em condições de rivalizar com a Defesa Soviética e combatiam-na, mais eficazmente, sabotando o seu complexo militar-industrial.

Os Estados Unidos e a URSS assinaram o Tratado Salt-2 a 18 de Junho de 1979. Ele diz respeito a mísseis balísticos intercontinentais, excluindo, pois, os mísseis de médio alcance e de alcance intermédio. Dois países membros da OTAN, que não estavam envolvidos neste acordo, o Reino Unido e a França, dispunham de mísseis nucleares de médio alcance apontando para alvos na URSS. Todavia, os Estados Unidos adiaram a aplicação do acordo com o pretexto de intervenção da URSS no Afeganistão. Além disso, a 12 de Dezembro de 1979, a OTAN toma a decisão de instalar 572 mísseis nucleares norte-americanos (108 Pershing II e 464 Tomahawk) na Inglaterra, na Bélgica, nos Países Baixos, na Itália e na República Federal da Alemã.

A resposta soviética foi a de colocar novos mísseis balísticos RSD-10 Pioneer nas montanhas dos Urais ocidentais e perto de Moscovo. O míssil RSD-10 pesava 37 t, tinha uma precisão com um desvio provável de 150 m, podia carregar uma cabeça nuclear de 1 Mt (ou 3 ogivas independentes de 150 kt) e tinha um alcance de 5.000 km. O RSD-10 era superior aos mísseis norte-americanos e podia atingir qualquer alvo na Europa.

À sua chegada ao Poder, o Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, mudou de orientação, executando uma viragem de 180 graus em relação à política da Administração Carter. Ele aprovou o plano da CIA para sabotar o complexo militar-industrial soviético. Graças ao Coronel da KGB, Vladimir Vetrov, responsável pelo roubo de informações e tecnologia ocidentais, que se tornara seu agente, os Serviços Secretos Franceses dispunham da lista de equipamentos vitais que os Soviéticos procuravam obter (operação «Farewell»). Tratava-se principalmente de bombas turbo e válvulas usadas em mísseis balísticos e redes de distribuição de gás natural. Estes equipamentos foram secretamente fornecidos pela CIA à URSS, via países terceiros. Tinham sido concebidos para sofrer falhas após um certo tempo. O que criou uma onda de falhanços durante o lançamento de mísseis balísticos russos.

Sempre sob proposta da CIA, Reagan aprovou o plano de intoxicação do KGB e do GRU com falsas pistas sobre o iminente lançamento de um ataque nuclear. O plano foi sugerido pelas informações fornecidas pelo Coronel da KGB, Oleg Gordievsky, após a sua deserção para a Inglaterra. A operação «Ryan» criou uma verdadeira psicose no Kremlin. Em 26 de Setembro de 1983, o Centro de Alerta Espacial Serpukhov 15, situado a sul de Moscovo, recebeu de um satélite de vigilância por infravermelhos o «alerta de lançamento vermelho», assinalando mísseis balísticos dos EUA, orbitando a 30.000 km de altitude. O que veio a provar-se ser um falso alerta.

Sob proposta da Casa Branca, a 20 de Novembro de 1983, o canal de televisão ABC transmitiu pela primeira vez o “thriller” The Day After (O Dia Seguinte), o qual descreve o resultado de um ataque nuclear da URSS contra os Estados Unidos. A sua produção custou US $ 7 milhões de dólares. É preciso lembrar que Leonid Brezhnev morreu em 1982, foi substituído por Yuri Andropov que, durante os 15 meses em que esteve no poder, passou a maior parte do tempo no hospital. Finalmente, Reagan propôs um acordo a Andropov, a saber : em troca da não-colocação de mísseis americanos na Europa os Soviéticos destruiriam todos os mísseis RSD-10. Andropov recusou e, em Dezembro de 1983, o Presidente Ronald Reagan pôs em serviço os seus mísseis nucleares na Europa. Até Reagan, a estratégia de guerra nuclear entre as duas grandes potências repousava na destruição mútua (a AMD-ndT), por vagas sucessivas de mísseis nucleares. Reagan estava convencido que a superioridade tecnológica dos EUA poderia mudar as regras do jogo. Então, porque é que esses mísseis foram colocados em posição na Europa pelo Presidente dos Estados Unidos?

Anteriormente, em 23 de Março de 1983, Reagan lançara a Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI), conhecida sob o pseudónimo de Star Wars. O seu objectivo era o de criar armas para neutralizar todos os mísseis balísticos soviéticos imediatamente após o seu lançamento. As instalações científicas da SDI foram criadas pelo programa espacial norte-americano Apollo, o que levou ao surgimento de computadores de grande potência capazes de calcular a trajectória de um míssil balístico em alguns segundos. O programa Apollo introduziu também os equipamentos CCD (Charge Coupled Device) utilizados nas câmaras de televisão digital. Os CCDs criaram sistemas ópticos de alta resolução para interceptores anti-balísticos autoguiados.

A SDI (Guerra das Estrelas) teve que abandonar o seu plano original que consistia em colocar centenas, se não milhares, de mísseis anti-míssil balísticos em órbita sobre todo o território da URSS. Da mesma forma, a utilização de energia direcionada de um laser nuclear de raios X não se revelou viável. Hoje, só restam escudos anti-balísticos baseados em terra ou em navios, cujo alcance não excede 500 km. Com a saída unilateral dos Estados Unidos do Tratado INF, o Presidente Donald Trump regressa à situação de 1983. Com a diferença de que a Rússia dispõe agora de mísseis hipersónicos manobráveis, dos quais os Estados Unidos não poderão calcular a trajectória, e que, portanto, não poderão interceptar. E, além disso, Vladimir Putin não é Yuri Andropov.


* Perito militar. Antigo comandante-adjunto da base aérea militar de Otopeni

A urgência de um "Grand débat" quanto à União Europeia


Rémy Herrera [*]

Um inquérito de opinião muito recente e sério [1] revelou em que estados de espírito os franceses agora se sentem em relação à União Europeia. À pergunta que lhes foi colocada: "a qual unidade geográfica tem o sentimento de pertencer acima de tudo?", 39% das pessoas sondadas responderam "a França", 23% a sua "cidade ou localidade", 18% a sua "região, província ou departamento", 11% "o mundo" (inteiro!) e, finalmente,last but not least, apenas 6% "a Europa"! Portanto a representação que do ideal europeu que se faria no Hexágono seria exactamente à imagem da situação em que hoje se encontra mergulhado o processo de construção comunitária: o marasmo total.

Acontece que uma maioria de franceses mantém sempre em mente um acontecimento fundamental para ela. Em 29 de Maio de 2005, cerca de 54,68% do corpo eleitoral havia dito "não" no referendo organizado sobre o tratado estabelecendo uma Constituição para a Europa. E isto, apesar das ondas de propagandas mediática pró europeias e da mobilização de muitos intelectuais que a idolatram. Em numerosos lugares do território metropolitano o voto negativo ultrapassa mesmo amplamente o limiar dos 60%: tanto no norte como no sul do país, mas também nas regiões sub-povoadas da "diagonal do vazio", que vai da Meuse até os Landes. Na realidade, os únicos departamento que se exprimiram claramente em favor do "sim" – dentre os mais ricos da França – do Baixo Reno (limítrofe dos Länder alemães de Bade-Wurtemberg e da Rhénanie-Palatinat), Yvelines, Hauts-de-Seine e de Paris – sem esquecer as Antilhas caribenhas e a Guiana sul-americana! Mas por uma negação de democracia infamante, e particularmente violenta, as elites dirigentes – o presidente Nicolas Sarkozy apoiado pelas altas instâncias europeias – assinaram em 2007 o Tratado de Lisboa que retomava todos os componentes do texto constitucional já rejeitado anteriormente – e depois, em 2008, fez ratificar a revisão da Constituição francesa.

Este acto de traição da vontade do povo francês foi cumprido simbolicamente, em 4 de Fevereiro de 2008, no castelo de Versalhes – o mesmo em que o presidente Emmanuel Macron acaba de receber, há poucos dias, os grandes patrões das mais poderosas multinacionais para convencê-los a "Choose France" e nela se implantar. A prova está feita, se necessidade houvesse, de que a consolidação da União Europeia segue modalidades que são tudo excepto democráticas. É verdade que, do lado francês, os "pais fundadores da Europa" não eram verdadeiramente grandes progressistas: Jean Monnet, visceralmente anti-parlamentar, foi o homem chave das redes político-financeiras anglo-estado-unidenses; Robert Schuman, político ultra-conservador e anti-laico, estava ao serviço de magnatas da siderurgia e era fervoroso admirador dos fascistas cristãos corporativos de Dollfuß et Horthy, Maurice Lagrange, por sua vez, antes de redigir o tratado instaurando a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, apenas dez anos antes foi, sob [o governo de] Vichy, um dos inspiradores notados e executantes zelosos das leis anti-judias da "Revolução nacional".

O extremo rigor das políticas anti-sociais aplicadas continuamente pela União Europeia é demasiado conhecido para necessitar de longos desenvolvimentos. Os povos sofrem a violência desde há quatro décadas: desregulamentação e recuo do Estado, austeridade salarial, redução das despesas orçamentais, desmantelamento da protecção social, flexibilização do mercado de trabalho, precariedade e desemprego, liberalização das transferências de capitais, etc. 

Mas então, se, através da implementação de tais programas neoliberais, a integração europeia foi concebida e executada por seus altos funcionários sem a participação dos povos nas várias decisões que os afectam directamente, sem uma prioridade fixada para a satisfação de seu bem-estar, sem meios para que eles se façam ouvir em protesto contra o inaceitável, como qualificar o caminho escolhido? A terminologia geralmente adoptada pela burocracia de Bruxelas em tais casos, para falar de governantes surdos às demandas populares e que não respeitam o veredicto das urnas, é "autoritário" (se o regime deles é de direita) ou "ditatorial" (se for julgado a partir da esquerda). Por conseguinte, digamos que o modo de governação da União Europeia é, desde as suas origens, "autoritário".

O pacote de presentes europeu foi apresentado ao público numa bela embalagem azulada decorada com estrelas de ouro e envolto em slogans benevolentes e pacifistas. Seu objectivo primário era óbvio: oferecer às transnacionais dos países parceiros um poder exorbitante no solo europeu, tendo como incentivo um kit jurídico destinado a sacralizar a propriedade privada e tornar rigorosamente ilegal qualquer transição para o socialismo. Foi a fim de impor a todos os europeus o lençol de chumbo de um mercado capitalista dominado por oligopólios isentados da responsabilidade de prestar contas aos povos (ou aos seus parlamentos) que os chefes de Estado e governos de União aprovaram o "Acto único" em 1986 – depois de terem cantado todos em coro, um ano antes, ao som de 9ª Sinfonia de Beethoven, os deliciosos versos de von Schiller: "Deine Zauber binden wieder / Was die Mode streng geteilt; Alle Menschen werden Brüder / Wo dein sanfter Flügel weilt" [2] .

A armadilha fechou-se sobre os povos quando lhes fizeram acreditar neste grande absurdo de que uma moeda única poderia ser criada sem Estado, nem mesmo que uma Europa política realmente existisse. Houve um erro original nesta Europa, que pretende fazer convergir, à força, economias extremamente diferentes, e isto sem reforçar as instituições políticas à escala regional, nem promover uma harmonização social a partir de cima, por mais desejável que fosse. É portanto muito logicamente que esta "Europa má", voltada contra os seus próprios povos, intrinsecamente anti-democrática e anti-social, submetendo à sua ordem implacável a hierarquia completa das leis e dos direitos nacionais, e consigo todas as políticas económicas dos países membros da área do euro, tem-se visto cada vez mais abertamente e maciçamente rejeitada.

Alguns, em ambos os lados, do Reno sonharam – especialmente nas suas margens ocidentais – que o presidente Emmanuel Macron seria o tão esperado líder que conseguiria finalmente revigorar um projecto europeu já lento e contestado. O que poderia ser melhor do que um ex-banqueiro de negócios para reforçar a confiança nas classes dominantes e executar seus ideais? Que nada! O bonito "foguete federal" do presidente francês decolou da plataforma de lançamento da Sorbonne em Setembro de 2017, mas teve de voltar a terra firme um ano depois sob os apupos dos coletes amarelos. O pequeno Napoleão da "nação francesa startup" [3] que queria conquistar "um Império" [4] , para retomar a fórmula empregue pelo seu ministro da Economia e Finanças, Bruno Le Maire, numa entrevista concedida ao diário Handelsblatt ("Europa muß ein Empire werden"... Bravo, Herr Minister, era für eine großartige Idee!), não é nem sequer respeitado pelos seus pedintes!

Felizmente a polícia ainda está com ele (por quanto tempo?) a fim de os fazer calar, a golpes de bastonadas, granadas lacrimogéneas, jactos de água a alta pressão e flash-balls ! Resultados da repressão: mais de 2000 feridos, dos quais uma centena gravemente (mutilações, desfigurações...); 6 475 interpelações, 5 339 detenções, mais de um milhar de condenações (de 17/Novembro/2018 a 07/Janeiro/2019)... Eis aqui a França do reizinho Macron! A cólera do povo, legítima, não se acalmará: ela está enraizada na recusa radical, definitiva, da injustiça.

Dizer que Emmanuel Macron decepcionou as elites alemã é um eufemismo. Talvez apenas a chanceler federal Angela Merkel e seu ministro da Economia, Peter Altmaier, deram provas de magnanimidade – é preciso na esperança de salvar o que ainda for possível do projecto europeu. Os outros tiveram menos piedade e atacaram aquele que se toma por monarca. Ouve-se o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, criticar o presidente francês pelas suas derrapagens orçamentais e as (supostas) generosidades concedidas aos coletes amarelos (mas quais exactamente? pois nada ou quase nada foi cedido aos protestatários). Pode-se ler, num editorial da Der Spiegel, que o estado social francês, supostamente demasiado generoso, devia retornar à razão e reduzir o salário mínimo, as pensões de reforma e os subsídios de desemprego; nas colunas da Bild, que não é possível "trabalhar menos e ganhar mais"; ou nas do Die Welt, que a França se tornou um "factor de risco". Será necessário vender ilhas para o desendividamento?

É neste contexto singular que o tratado de Aix-la-Chapelle acaba de ser assinado – como para nos fazerem acreditar que a integração europeia, traumatizada pelo choque do Brexit e tratada rudemente por inquietantes forças centrífugas (italiana, polaca, húngara...) continuava a avançar. A grandeza de Emmanuel Macron não encara o eventual salvamento da ideia europeia senão através de uma submissão cada vez mais completa da França à Alemanha. Revoltante! Dizer aqui a verdade que todos os capitalistas sabem não terá nada de ofensivo nem para a Alemanha nem para os alemães: a União Europeia neoliberal é acima de tudo um espaço de exercício da hegemonia dos oligopólios alemães (Konzern) os quais, para afirmar os interesses das classes dominantes nacionais, defendem este novo Deutschemark que é o euro. É igualmente por esta razão – e devido ao facto de um atlantismo congénito – que a Grã-Bretanha sempre optou por permanecer fora da zona euro e ultimamente reactivou, apesar de tensões internas muito vivas, a emergência da sua soberania nacional. É por esta mesma causa que o conjunto dos povos europeus – povo alemão inclusive – está condenado ao purgatório neoliberal.

Em 21 de Janeiro de 1793 os franceses decapitam um rei e uma rainha, na Praça da Revolução em Paris. Após mais de dez semanas de mobilização dos coletes amarelos, o presidente Macron declar diante de 150 big bosses da mundialização capitalista feliz: "Se eles (Luís XVI e Maria Antonieta) experimentar semelhante fim é porque renunciaram a reformar". E acrescentou que "a França está sobre os trilhos das reformas". Por "reformas", traduzir "destruições": as do Estado e da acção pública, do seguro desemprego, das pensões e, no fundo, da França. Isso começou quando Emmanuel Macron, então ministro da Economia do presidente François Hollande, autoriza a venda de sectores internos da indústria interna, desde o pólo da energia da Alstom até à Alcatel, Techip ou STX, a transnacionais estrangeiras – estado-unidenses de modo privilegiado.

E uma vez que os alemães entenderam bem que Emmanuel Macron não é o "reformador" que pretende ser, que provavelmente não cederá à rua nem superará as rigidezes franceas, que portanto não chegará a "normalizar" este país turbulento e a fazê-lo reentrar sabiamente nas fileiras, eles utilizam-no como um serviçal para carregar as suas malas à ONU! O simpático organizador de jantares de gala para CEOs doravante fará lobby por conta de Berlim nos corredores do Conselho de Segurança! Quando um lacaio parisiense tomando-se por um Deus eliseano sonha grandezas para as quais não tem os meios, os cordões da bolsa ficam atados por Frankfurt e as guarnições militares têm seus quartéis num pequeno burgo de Hainaut, cinzento, frio e pluvioso da Bélgica valã: em Mons mais precisamente, localizada 60 km a sudoeste de Bruxelas e... sede da NATO. A cortesia do Bundestag fez acrescentar ao Tratado de Aix-la-Chapelle um preâmbulo recordando, a quem tivesse esquecido, quem é o verdadeiro mestre: Washington! Que pudor deteve esta assembleia de mencionar também aos europeus o número preciso de bases militares estado-unidenses ainda hoje presentes no território alemao? Donald Trump não invectiva a ideia de um "verdadeiro exército europeu"; ele apenas ri!

Em França, na esquerda do tabuleiro político, a maior parte dos responsáveis das organizações partidárias e sindicais pensa que haveria um caminho para construir "uma outra Europa", a "boa Europa". Os progressistas deverão no entanto, num belo dia, concordar em reconhecer que uma tal esperança é vã no quadro actual do tratado sobre a União Europeia que proíbe – por lei – qualquer modificação das suas regras, mesmo mínima, enquanto esta última não for previamente aceite por unanimidade e depois ratificada por cada um dos 28 Estados membros. O que equivale a dizer que os diktats neoliberais europeus não podem ser suavizados, não estão lá para serem discutidos, muito menos contestados, mas para serem executados. Suas medidas de austeridade generalizada e de ruptura sistemática dos serviços públicos, hoje aplicadas para tentar salvar o capitalismo em crise e redinamizar seu crescimento, são não só destrutivos como também absurdos. Eles constituem o meio mais seguro de agravar ainda mais esta crise e de precipitar mais rapidamente o sistema para o abismo. Isto, favorecendo, politicamente, a ascensão das extremas-direitas demagógicas, racistas, cúmplices da ordem estabelecida (pois pró capitalistas).

A zona euro, tal como funciona, é uma prisão para os povos que ela abrange. Os carcereiros respondem, àqueles que revelam esta triste realidade, que é mil vezes melhor sermos alimentados e alojados numa cela com aquecimento do que morrer de fome e de frio do lado de fora. E a verdade é que o argumento tem peso. Numerosos líderes da esquerda francesa, à testa de partidos progressistas e de sindicatos de trabalhadores, sucumbem à manipulação, abandonando, com suas posições de classes, o terreno da luta ideológica. Não se trata de um "Grand Débat" hipocritamente animado por um regime macronista em perdição que dele tem necessidade, mas antes de superar os medos para romper o silêncio a propósito do euro e da União Europeia. É igualmente evidente que o que ainda falta cruelmente às reivindicações dos coletes amarelos – mesmo se se percebe que aqui e ali alguns cartazes denunciam a traição do referendo de 2005 e apelam o Frexit.

Não se trata aqui de garantir "verdades" mal asseguradas – porque o facto é que ninguém, absolutamente ninguém, sabe quais seriam exactamente as consequências de uma saída do euro e/ou da União Europeia. Mas é certo que é melhor viver livre do que agrilhoado. O que os franceses sabem é que foram privados do domínio da sua moeda e do seu orçamento, confiscados por uma elite tecnocrata de Bruxelas que aplica ao pé da letra as ordens recebidas de decisores alemães que obedecem desde há 74 anos – apesar das veleidades de autonomia formulada por uma chanceler – a dirigentes estado-unidenses sob o domínio de um punhado de oligarcas de um sector financeiro em guerra contra os trabalhadores e trabalhadores do Norte e os povos do Sul. Esta é, cruamente, a verdadeira pirâmide dos poderes.

Hoje, a deterioração das condições de vida impostas ao mundo do trabalho, a repressão das lutas contra as inumeráveis injustiças que oprimem nossas sociedades, a criminalização das acções sindicais – mas também de protecção do ambiente –, as regressões sociais são tais que já não é mais possível evacuar a discussão dos verdadeiros problemas. São eles a União Europeia e o euro e chegou a hora para a esquerda de nos dizer se deve lá ficar ou não. Apesar das aparências, a parte mais difícil não será examinar a fundo os riscos eventuais de perda de poder de compra e de inflação, dos défices orçamental e externo, de financiamento de défices e de saídas de capital, do peso da fiscalidade e da dívida... Pois mesmo antes de as forças de esquerda estarem finalmente esclarecidas acerca destas questões delicadas, chegará o dia em que a Alemanha, cansada de tanta indisciplina e mediocridade ao seu redor, decidirá unilateralmente – como de costume – um Grexit... ou um Gexit! Excluir a Grécia (ou um ou outro dos "PIGS" (porcos!, como a ortodoxia neoliberal da Europa os chama tão gentilmente)... ou para bater com a porta para não tolerar senão vassalos fiéis e fortes (Áustria, Benelux...).

O mais dificil será perguntar se os povos europeus estão condenados para a eternidade a ajoelharem-se diante do imperialismo da NATO e a aceitar a barbárie do sistema capitalista. E a tolerar por longo tempo os golpes de marreta do "there is no alternative" que os dirigentes europeus, discípulos da baronesa M. Thatcher, desferem sobre as nossas cabeças desde há quatro décadas. No entanto, seria embalar-se com doces ilusões acreditar na possibilidade de um novo "compromisso keynesiano". O precedente, selado após a Segunda Guerra Mundial, não havia sido concedido pelos capitalistas, mas arrancado pelas lutas populares, múltiplas e convergentes. Hoje, a alta finança que paira sobre todos os poderes na Europa (incluindo aqueles derivados do povo, através eleição) não está disposta a qualquer concessão. O keynesianismo – que certamente se pode desejar – não tem nem realidade nem futuro. Doravante são as grandes potências das finanças que regem os destinos dos povos, ditam a sua lei aos estados, dominam a tomada de decisões para fixar as taxas de juros, criar a moeda ou mesmo, quando necessário, nacionalizar.

Homens (de direita) como François Asselineau ou Florian Philippot certamente não estão errados ao querer focar o"Grand Débat" na questão do euro, pela razão fundamental de que o projecto europeu não é reformável a partir do interior, pela lógica que o move, e deve ser desconstruído, mas eles enganam-se ao imaginar que o caminho de saída da crise é capitalista. E é exactamente aí que reside toda a dificuldade da construção de alternativas para os povos. Desde aquela noite de 9 de Novembro de 1989, um espectro não cessa de assombrar as esquerdas europeias: o do fracasso. Fará em breve 30 anos de idade; 30 anos em que os líderes das organizações progressistas da Europa estão soterrados sob as ruínas do muro, 30 longos anos em que não pronunciam mais a palavra "socialismo", que evitam pensarem num futuro pós-capitalista colectivo pela transição socialista. Mas haveria um outro caminho para responder às expectativas populares?

Desejar-se-ia novamente a nomenklatura, o gulag, o terror? Ser comunista será isso? Sejamos sérios e fiéis aos ideais e aos combates daqueles e daqueles, heróicos, tão numerosos, que outrora caíram por um mundo melhor, de emancipação social e de libertação nacional. E se muitos dirigentes de esquerda penam ainda para encontrar em si a coragem de afirmar o imperativo urgente de reconstruir programas consequentes, coerentes, críveis, ofensivos dealternativas socialistas democráticas e humanistas, ajudemo-los, pela base, a reexaminar, sem tabus nem complexos, novas perspectivas sociais, elementares, postas ao serviço dos povos: de nacionalização do sistema bancário e de sectores estratégicos da economia, de redefinição do papel dos bancos centrais, de restabelecimento do controle de câmbios sobre os fluxos financeiros, de anulações parciais de dívidas públicas, de redistribuição crescente das riquezas, de reconstrução de serviços públicos de qualidade, de ampliação da participação popular ou (por que não?) de uma outra regionalização progressista e respeitadora do Sul. 

23/Janeiro/2019

[1] Baromètre de confiance politique d' OpinionWay pour le Cevipof (enquête du 10 de janvier 2019). Ver: www.lefigaro.fr/...
[2] "Teus encantos reúnem / Aquilo que, gravemente, os costumes dividem; Todos os seres humanos se tornam irmãos / quando se estende tua asa doce".
[3] Ver aqui: www.latribune.fr/...
[4] Cf. www.handelsblatt.com/...

[*] Investigador do Centre National de la Recherche Scientifique (Centre d'Économie de la Sorbonne).

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Portugal | O elefante partiu a loiça toda


Já ninguém pode fingir que não vê o que se passa na CGD

Rosália Amorim | Diário de Notícias | opinião

Há muito que havia um elefante na loja de loiça e que ninguém queria ver. Agora o elefante partiu a loiça toda e não há como não ver ou ouvir o ruído ensurdecedor.

A Caixa Geral de Depósitos perdeu 1200 milhões em empréstimos de risco. Uma barbaridade. A auditoria da EY colocou o dedo na ferida ao revelar que o banco deu dinheiro a quem não cumpria as regras de risco e que as várias administrações da instituição pública fingiram ser surdas e mudas entre 2000 e 2015.

Foram 46 os grandes empréstimos desastrosos, como o do La Seda e os dos empresários Joe Berardo e Manuel Fino. As administrações da CGD ignoraram pareceres de análise de risco e concederam créditos sem terem garantias suficientes de que iriam recuperar o dinheiro.

Entre os créditos que geraram imparidades (perdas assumidas com os empréstimos concedidos) no valor de 1,2 mil milhões de euros está o financiamento da Artland (La Seda) para a construção de uma fábrica de químicos em Sines - que causou o maior buraco. Do total do crédito de 350,8 milhões de euros, perderam-se 211 milhões!

Além dos empréstimos mal concedidos, a CGD também fez vários investimentos ruinosos

A loiça partida deixa muitos cacos em todos os governos que passaram pela cadeira do poder durante uma década e meia e afeta partidos de várias cores. Apesar do pior período de gestão da CGD ter acontecido a partir de 2007, antes, também em executivos do PS e do PSD, há muito a registar no "livro dos fiados".

Este caso de polícia indigna todos os contribuintes, afinal trata-se de um banco público. Que exemplo dá o Estado e o próprio banco quando permitem que alguns portugueses não paguem as suas dívidas? Ou será que está a enfatizar que só as classes média e média baixa têm de pagar os seus empréstimos, e se não cumprirem ficam sem casa e vão viver para debaixo da ponte? O que se passa com a CGD é um tema de equidade e justiça social grave.

Falando em justiça, porque não são os administradores dos bancos, como este, responsabilizados, nem os ministros das Finanças, nem os governadores do Banco de Portugal que por ali passaram nestes 15 anos? E no caso dos devedores, se há alegada prática continuada de crime ou alegado roubo, porque não são penalizados ou presos, como aconteceu com Madoff nos Estados Unidos? Ou porque não pagam os devedores as dívidas (ou pelo menos uma parte) usando o muito património que ainda têm, desde coleções de arte até prédios, moradias e escritórios?

Os portugueses estão indignados e têm todas as razões para estar. E os players que defendem o statu quo instalado que não venham dizer que debater este tema é populismo. Não é! Este é um assunto que diz respeito a todos os contribuintes. Até porque de uma coisa podem ter a certeza: o dinheiro que a CGD vai deixar de receber é dinheiro que vamos ter de pagar, de algum modo, mais cedo do que tarde.

Portugal | Agressão da PSP "parece completamente desnecessária”, diz perita


Jurista analisou o vídeo do Jamaica e diz que agressões podem violar artigo de Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Em 2018, número de queixas bateu recorde e a PSP lidera a lista. Há mais abusos?

Joana Gorjão Henriques | Público | Foto: Daniel Rocha

Em 2018 a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) recebeu o maior número de queixas em sete anos, mostram dados revelados na quinta-feira. Tal como em anos anteriores, a PSP foi a força de segurança que mais queixas motivou, com 55% do total de 860 denúncias.

Analisando os números, percebe-se que quase um terço (172) das queixas contra agentes da PSP que chegaram à "polícia dos polícias" foi devido a ofensas à integridade física, ou seja, os cidadãos consideram ter sido exercida violência sobre si. 

Mas da análise percebe-se que a esmagadora maioria das denúncias não teve consequências: abriram-se 30 inquéritos, 24 destes foram convertidos em processos disciplinares mas 10 foram arquivados; houve apenas dois que resultaram em pena de suspensão a polícias, ou seja, 0,4%.

Qual será o destino da investigação da PSP e da monitorização da IGAI a casos como o que foi mostrado no vídeo em que agentes da PSP são vistos a agredir no domingo moradores do bairro da Jamaica — inicialmente um homem de 63 anos que leva dois socos e uma joelhada, e depois o filho — e em que a polícia diz ter sido também agredida?

“Essa agressão e ao outro homem parece completamente desnecessária”, diz ao PÚBLICO, em nome pessoal Julia Kozma, jurista e responsável pela delegação do Comité Antitortura do Conselho da Europa que visitou Portugal e concluiu que o país está no topo dos países da Europa Ocidental com o maior número de casos de violência policial, sendo os riscos de abuso maiores para afrodescendentes portugueses e estrangeiros. “Os agentes atacaram uma pessoa desarmada, que não mostrou agressividade, resistência à detenção ou algo similar”, afirma a perita a quem o PÚBLICO enviou o vídeo.

Para Kozma este é o exemplo de um caso em que “não é suficiente” ser “investigado apenas pela IGAI como uma infracção disciplinar”. “Tem que ser investigado nas instâncias criminais uma possível violação do artigo 3 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos” — que diz que, na interacção com agentes das forças de segurança, “qualquer recurso à força física que não seja estritamente necessário pela sua conduta diminui a dignidade humana” e viola o direito a não ser torturado nem sujeito a tratamento desumano e degradante. 

Como podemos ler os números gerais da IGAI? Será que mais queixas significa que as forças de segurança estão a cometer mais abusos? Qual o percurso que estas denúncias fazem? Estão a ser tomadas todas as medidas?

Para a perita é positivo existir um número recorde de queixas. Significa que “muitas potenciais vítimas confiaram” na instituição, mostra “que este organismo é facilmente acessível e inicia as investigações de modo adequado quando tem conhecimento de um caso”. Ressalva: “Mas se as potenciais vítimas começam a sentir que não vale a pena aproximarem-se da IGAI porque os alegados criminosos nunca são punidos, vão perder a confiança."

As decisões da IGAI devem ser tornadas públicas, defende — o Comité teve acesso à informação que pediu e achou que as investigações eram feitas de forma meticulosa. A IGAI só tem mandato para recomendar sanções e não pode proceder a investigações de índole criminal. “A grande questão é se algum dos agressores é levado a julgamento pelo Ministério Público. A tortura e o tratamento desumano — ataques físicos a pessoas detidas por agentes da polícia, por exemplo — são ofensas criminais e deveriam ser acompanhadas por investigações criminais. Provas importantes, como exames médicos forenses, só podem ser pedidos por procuradores do MP e se isto não é feito a investigação a este tipo de alegações raramente pode ser adequada”. A perita conclui: “Também criticámos a IGAI porque as investigações levavam muito tempo, às vezes anos. Para as potenciais vítimas não chega que um abusador possa ter sanções disciplinares passados tantos anos”.

Também Dalila Cerejo, socióloga e investigadora do Observatório de Violência e Género, afirma que o elevado número de queixas reflecte um sinal positivo. “Há um escrutínio cada vez maior das forças de segurança que muitas vezes têm que recorrer à força física. Essa legitimidade foi atribuída às forças policiais, depende da avaliação sobre a ocorrência. O que o número de queixas significa é que cada vez mais as pessoas são intolerantes à violência e cada vez mais usam uma forma legítima de expressar o seu desagrado, que é fazendo queixa. Permite que os cidadãos que se sentem injustiçados e lesados façam uso do seu direito.” Por outro lado, as queixas são também “um sinal saudável de que as pessoas não estão desligadas da sociedade em que se inserem”.

A socióloga acrescenta, porém, outro ponto importante: as instituições como IGAI e PSP têm de explicitar os trâmites dos processos e explicar se as queixas têm fundamento, “os funcionários não podem ser escrutinados e julgados pelo juízo público”. “O que se pretende é que as forças policiais sejam formadas de modo a terem um contacto cada vez mais eficaz e sensibilidade com os seus concidadãos.” Mas “nenhuma situação de violência deve passar incólume ao poder político que governa”. 

Para Carlos Pinto de Abreu, que presidiu ao Conselho dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, “a questão mais complicada é sempre a prova, a identificação do agente que faz um disparo na esquadra e só tem como testemunhas outros agentes ou a situação que ocorre na rua em que as testemunhas fogem ou quando são chamadas e têm medo”. Daí a razão de o número de queixas ser muito maior do que os inquéritos, processos disciplinares ou sanções.

Deixa algumas recomendações em caso de agressão: primeiro, se a pessoa for detida tem direito a chamar um advogado a qualquer hora; se houver registo de imagens, deve pedir a sua preservação. Quando não há imagens, “é a prova diabólica”, comenta. “Mas isso não quer dizer que as pessoas não se queixem e que os tribunais não actuem ou que não haja da parte da Inspecção-Geral uma actuação e da própria polícia um cuidado com a gestão e direcção desses agentes que foram alvo de queixa. Imagine que há 10 queixas contra um polícia: algo está mal. E nem tudo tem de dar origem a processo-crime, é preciso verificar.”

Portugal | Tancos: quando se investigam os crimes cometidos?


Gil Prata | Jornal de Notícias | opinião

Diz o Ministério Público (MP) que em causa estão factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, furto, detenção e tráfico de armas, terrorismo internacional e tráfico de estupefacientes.

Porém, agora já se diz ter sido desvalorizado, desde o início, o eventual crime de terrorismo internacional, apesar de esta informação contrariar tudo o que desde há 18 meses tem sido publicado. Certo é que, desde então, estão por investigar os crimes que efetivamente ocorreram com o desaparecimento do material de guerra nos paióis nacionais de Tancos, em 27 de junho de 2017, ou em consequência desse furto.

A investigação deste facto, que determinou a atualidade política, judiciária e militar, parece ter desdenhado do ordenamento jurídico nacional aprovado pelo órgão de soberania competente.

Já dissemos antes que havia grande probabilidade deste furto ter sido evitado, não obstante as deficiências de segurança militar existentes na altura. Falhou a comunicação neste caso concreto, apesar da relevância da matéria, e impediu-se assim o incremento de medidas de segurança militar ativas e passivas.

Falhada a prevenção, havia que investir na investigação em obediência ao normativo legal. Mas, também este não foi respeitado por quem tem de garantir o respeito pela legalidade. Crimes tipificados com natureza especial foram travestidos de crimes comuns para, destra forma, afastar o órgão de polícia criminal (OPC) primariamente competente para a sua investigação - a Polícia Judiciária Militar (PJM) - deferindo-a a outro órgão de polícia criminal, quando essa investigação deveria ter sido efetuada em cooperação institucional de ambas as polícias judiciárias e sob a dependência funcional do MP, tal como a lei de organização da investigação criminal (LOIC) estabelece.

O direito penal militar constitui, desde 2004, um direito penal especial em razão dos bens jurídicos tutelados. Conforme consagra o próprio Código Penal no seu artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos. A especialidade do direito penal militar, codificado no código de justiça militar (CJM), é-lhe concedida precisamente pelos tipos de bens jurídicos que visa proteger.

Assim, o CJM consagra que constitui crime estritamente militar o facto lesivo dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às Forças Armadas. A LOIC e o CJM atribuem competência específica à Polícia Judiciária Militar para a investigação dos crimes estritamente militares, não prevendo a possibilidade desta investigação ser deferida a qualquer outro OPC.

Mas parece haver autoridades judiciárias que ignoram ou não estão motivadas para proteger os interesses militares da defesa nacional. Aliás, até parece denotar-se algum complexo em relação ao universo do que é militar.

Em 27 de junho de 2017 foram cometidos crimes que são indesmentivelmente de natureza militar. Por determinação do MP, ficou a PJM impedida de proceder a diligências de investigação e não foram investigados por qualquer outro OPC, talvez porque a lei também os impede.

Então, eventuais crimes de furto de material de guerra, comércio ilícito de material de guerra, entrada ou permanência ilegítimas em instalação militar, dano em bens militares, extravio de material de guerra, abandono de posto, violação de segredo de Estado ou de corrupção ativa e passiva para a prática de ato ilícito deixaram desde há 18 meses de ser investigados em consequência do despacho da PGR que determinou a apensação do processo inicialmente investigado pela PJM no processo investigado pela PJ, OPC incompetente em razão do tipo de crimes.

Pensamos que não será necessário fazer-se mais referências ao resultado nefasto de tal decisão.

Salvo melhor opinião, continua a constatar-se nesta investigação a violação de ordenamento jurídico estruturante da justiça penal militar aprovado pelo órgão legislativo por excelência, a Assembleia da República. Consideramos que a tramitação irregular do processo e a indevida qualificação dos crimes poderá ter consequências no mesmo, invocáveis em qualquer fase do processo.

*Coronel paraquedista, ex-juiz militar, ex-subdiretor da PJM e docente da Academia Militar

Portugal | Sem honestidade e justiça de facto não existe democracia



Mário Motta, Lisboa

No Notícias ao Minuto podemos ler a frase que nos dá o que pensar sobre o que vai na cabeça e no saber de Pedro Borges de Lemos. Talvez considerá-lo fascista não fosse demasiado para o sujeito. Cabeça Tonta também poderá ser uma alcunha ajustada. Não sabemos… Não queremos saber. Afinal aquela em que se dizia “que se lixe o Pedro” ajusta-se-lhe. No caso andávamos a pensar em Pedro Passos Coelho, esse marmanjo. Decerto na linha deste tal Borges de Lemos. Se estiverem curiosos leiam. Assim como todos os outros que se seguem. Eis as ligações em que basta clicar:


Em tempos constou-se que o maestro Vitorino de Almeida é mesmo “despassarado”. Afirmam que existem provas disso. Pois é. Aquela cabeça anda sempre com ideias para nos maravilhar. E isso é muito bom. Do correspondente ao realismo da atualidade e também do passado – retirando o período da revolução dos cravos, que foi tomada pelos cravas – o maestro afirma algo que não sendo novidade está muito bem arrumada no quadro do que é este país, Portugal. Aqui tem para aceder:


Sobre violência ou vandalismo trazemos-lhe a “novidade” no título que segue em baixo. Tudo porque Portugal é um país de injustiças e de broncos, de brutos e cobardes, de racistas e xenófobos. Eles estão por todo o mundo, não é nosso exclusivo. Facto é que andam a queimar “coisas”… por revolta. São pequenos grupos, inseridos em nada, mas revoltados quanto basta e sem quem os dirija e lhes canalize a revolta para algo inteligente em vez do vandalismo que praticam. Uma coisa é certa; têm mais que razão por estarem revoltados. Mas o regime, dito democrático e inclusivo (mentira) quer que se lixe – como no dito lá de trás, do Pedro. Aqui se segue aquilo que referimos:


Há gentes que investigam e chegam a conclusões mirabolantes. Esta é sobre a discriminação racial. Está bem, seja como concluem. Mas se aprofundarmos a “coisa” não se trata só de discriminação racial, a não ser que sermos vítimas de pobreza se trate nesta modernidade e saberes de uma raça. É que existem “branquelas” pobretanas que são discriminados a toda a força e isso começa logo dentro do útero das mães e vai pela vida a fora. A não ser que num golpe de sorte se passe de pobre a “remediado” – que é na mesma pobre – e que depois  até seja premiado com um “bolo” na lotaria, euromilhões ou assim uma dessas das jogatanas oficiais. Ou então que roube vastos milhões e que fique impune – o que não acontece aos pobres mas sim aos dos colarinhos brancos. Vamos nesta e vejamos os “saberes” da investigação, apesar de sabermos que as universidades andam muito de vistas curtas sobre realidades que encontramos e conhecemos a andar por aí com olhos de gente. Esses tais quotidianos de décadas que nos tocam são também conhecimentos universitários? Universidade da pobreza? Mas então porque é que os ordenados dessa plebe são tão ordinários e miseráveis? Pois é… Aqui em baixo. Leia.


O engenheiro Sócrates, ex-PM de Portugal foi denunciado pela Caixa Geral de Depósitos. Por algum “cão grande” que até era ou é de partidos antagónicos ao PS? Ou terá sido por pura cidadania ou profissionalismo? Alguém despeitado? Seja como for ainda bem, se está com a razão. Crimes de colarinhos brancos é o que mais há. A maioria continua impune. Aliás, nem sabemos quem são e quantos são. Daí, pelo seguro, dizer-se dos políticos e suas ilhargas de bancarias e grande empresariado que “são todos uns ladrões, uns vigaristas”. O que não é correto mas se usa por vias das dúvidas. Em baixo encontra uma referência a “ESQUEMA” sobre a Operação Marquês. E os outros esquemas? Agora por isso: Salgado continua em liberdade? E os trafulhas do BPN? E o “maioral” daquele “esquema”, Oliveira e Costa? Liberdade ou impunidade? As duas coisas? Pois. Ora então:


Bom fim-de-semana, se conseguir. Renuncie aos centros comerciais onde os mais parvalhões se encafuam em vez de passearem. Está um dia muito bonito em Lisboa e no resto do país “à beira de vigaristas plantado”, como disse o outro.

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