Sobre as próprias ambições
eleitorais, o governador do Maranhão, Flávio Dino, desconversa. Ainda é cedo
para pensar em 2022, repete. “Não tenho falado disso nem publicamente nem em
privado.” Queira ele ou não, seu nome desponta no bolsão de apostas para a
próxima disputa presidencial. Dino é visto em muitos círculos como um bem-vindo
respiro aos antagonismos e conflitos intestinos no campo progressista. Seria
capaz de superar um claro problema da oposição, apontado por ele mesmo, a
dificuldade em conquistar corações e mentes? Só se ampliar as alianças e criar
novos consensos, defende na entrevista a seguir.
CartaCapital: Por que o desgosto
com Bolsonaro não ganhou as ruas?
Flávio Dino: Há um ciclo de
derrotas no campo progressista que é inédito. Ao menos para mim. Eu tenho 51
anos, e desde que comecei a participar da vida política, em 1983, houve mais
vitórias do que derrotas. Esse sinal histórico se inverteu de 2013 para cá. É
um pouco o espírito do tempo. E isso traz dificuldades. Há uma tendência da
esquerda de achar que perdemos sempre por nossos erros. Às vezes são acertos
alheios. É preciso entender que o outro campo também joga, também acerta. Eles
conseguiram, de fato, formar uma aliança mais ampla que a nossa. A
extrema-direita que hoje governa o País conseguiu, paradoxalmente, uma aliança
mais ampla que a nossa. Precisamos inverter isso em 2020. Isoladamente, não se
obtém vitórias eleitorais.
CC: Acha que a esquerda conseguiu
propor caminhos diferentes?
FD: Tivemos algumas
iniciativas neste ano, eu destaco duas. O PT apresentou um plano de empregos
muito bom. Infelizmente, ele não foi adequadamente debatido, difundido,
divulgado. Mas é um plano de ótima qualidade. Destaco também o projeto de
reforma tributária justa, solidária e sustentável que foi protocolado na Câmara
com apoio dos governadores do Nordeste.
CC: Não é sintomático que a
grande conquista da oposição tenha sido um acordo de “mal menor” no pacote
anticrime?
FD: Em matéria de
resistência, acho que tivemos mais êxitos do que se poderia imaginar. Comparado
com o cenário em janeiro, conseguimos evitar uma série de danos expressivos no
que se refere a direitos. O que acho mais crítico é a mobilização social. Nós
não conseguimos, ainda, garantir mobilização suficiente inclusive para que a
resistência e as propostas sejam mais bem executadas.
CC: O antipetismo vai definir as
próximas eleições como em 2018?
FD: Aquele foi o ponto
máximo desse ideário. O antipetismo seria por si só redentor. E estamos vendo
que não. Esse discurso perde força pelos próprios resultados. Estamos indo para
o quarto ano sem a esquerda no poder. A escassez de resultados do campo
político adversário ajuda a racionalizar esse debate, compreender que todas as
correntes políticas erram e acertam, mas isso não pode sustentar essa
satanização ideológica.
CC: A ascensão de Bolsonaro como
líder afetivo do reacionarismo não embola o jogo?
FD: Neste momento, embola.
Mas não é algo que se vá perpetuar. O Bolsonaro é uma figura datada,
temporária. E o bolsonarismo não é uma tendência que veio para ficar no Brasil,
é uma chuva de verão. Densa, mas vai passar logo, porque cada vez fica mais claro
que essa corrente política governa para poucos, prioriza a violência e isola o
Brasil no cenário internacional.
CC: Muita gente vê na sua
eventual candidatura o antídoto ao antipetismo. O que acha dessa avaliação?
FD: Antes de qualquer debate
sobre 2022, é preciso ter algumas premissas fundamentais. Em primeiro lugar,
que está muito longe. Em segundo, que é preciso ter espírito de união e
diálogo. E, em terceiro, muita humildade e pé no chão. Sendo coerente com essas
premissas, não tenho tratado nem publicamente nem em privado desses assuntos. É
preciso esperar e ver o que vai acontecer com o País e o nosso campo político
lá para a frente. O fundamental é nos unirmos, termos aliança, amplitude,
humildade, capacidade de diálogo. Temos antes eleições municipais. Este é o
tema da hora.
CC: Sobre 2020, o Datafolha
mostrou que, no Rio, 60% dos eleitores não votariam em candidatos de Lula nem
de Bolsonaro.
FD: A sociedade está muito
estressada com anos e anos de conflito, e muito esperançosa por um caminho que
melhore sua vida. É isso que as pesquisas têm mostrado. Não vejo esse
automatismo. Que a rejeição a A e B necessariamente fortalece C. E não
descartaria essa polarização, ao contrário. O antagonismo entre o bolsonarismo
e o lulismo continua a ser a força estruturante da política brasileira.
Acredito que essa divisão vai se manter. A disputa vai depender da capacidade de
um polo ou de outro de ampliar alianças. Quem crescer mais terá mais vitórias.
CC: Essas alianças devem incluir
o centro e a centro-direita?
FD: Sim, sem dúvidas. Basta
olhar o exemplo da Argentina. Essa ampliação não pode ser retórica, não pode
ser uma coisa vazia. No caso do Maranhão, eu venci as duas vezes em primeiro
turno com uma aliança que, em 2016, foi do PT ao DEM. A depender de cada
cidade, uma aliança com o campo mais ao centro não é ruim. Sempre foi positiva
na história brasileira, resultou em avanços. Eu defendo a ampliação. Não
podemos abrir mão do nosso programa, evidentemente. É preciso ter um programa
básico, mínimo, que sustente essas alianças. Sem perder a identidade, mas
também sem sectarizar. No nosso caso, os princípios fundamentais são: defesa da
democracia, do Brasil e dos mais pobres. Aqui, juntamos em torno desse programa
16 partidos e estamos governando com todos. É possível, sim. E é necessário
fazer.
CC: Não é preciso, antes,
resolver os conflitos internos do campo progressista? Entre Ciro Gomes e o PT,
por exemplo.
FD: Ciro e Lula representam
duas forças políticas fundamentais ao Brasil. Isso precisa ser superado. As
eleições municipais são uma oportunidade para fazer isso na prática. Para que a
gente consiga, diminuindo esse fosso que surgiu em 2018, um ambiente melhor até
para que setores políticos que não estão à esquerda possam se aproximar.
Thais Reis Oliveira | Carta
Capital
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